VOTAÇÃO NA CÂMARA: o circo dos horrores ajudou a reacender uma ideia adormecida / Ueslei Marcelino/ Reuters
Da Redação
Publicado em 22 de abril de 2016 às 08h24.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h32.
Deputados explodindo bombas de confete e clamando por Deus e pela família. Parlamentares exaltando um ex-coronel da ditadura reconhecido como torturador. Uma troca de ofensas que terminou numa cusparada no rosto. Esse circo do absurdo foi o retrato da votação do processo de impeachment na Câmara no ultimo domingo 17.
Para quem acompanha o Congresso nacional, nada ali foi exatamente surpreendente. Mas para o brasileiro médio que assistiu pela televisão, a votação causou um embrulho no estômago. Tanto que, após o episódio, voltou a ganhar força uma ideia que andava adormecida – a de se organizarem novas eleições presidenciais. A lógica que se espalhou pelas redes sociais e pelos corredores do Congresso, estimulada por governistas que veem o fim se aproximar, é mais ou menos a seguinte. Se o governo atual é sabidamente incompetente – e potencialmente ilegal – e se a oposição não parece imbuída de intenções exatamente nobres, valeria a pena começar de novo.
A revista britânica The Economist defendeu essa tese em reportagem de capa publicada nesta quinta-feira. Em entrevista à Globonews, o senador Cristovam Buarque, um dos seis senadores que entraram com pedido de análise de novas eleições, disse que “em momentos especiais temos que buscar soluções especiais”. E que só as urnas poderiam unir o Brasil.
Mas qual a chance concreta de essa ideia avançar?
Há duas possibilidades para a convocação de novas eleições: uma seria por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), protocolada na quarta-feira no Senado, e outra pela cassação da chapa de Dilma Rousseff e Michel Temer por irregularidades na campanha de 2014 no Tribunal Superior Eleitoral. “Queríamos que houvesse uma saída pelo diálogo e sinalizar à sociedade que é possível um acordo que não seja via o confronto”, diz o senador Paulo Paim, do PT, favorável à PEC.
A primeira hipótese, proposta por senadores mais moderados, prevê novas eleições presidenciais em outubro junto com prefeitos e vereadores. De início, a ideia teria problemas legais para vingar. A Constituição é clara: o mandato presidencial tem quatro anos de duração e só há nova disputa caso a presidência e a vice-presidência estejam desocupadas. Além disso, uma PEC é dos recursos legislativos mais difíceis de ser aprovado. Precisa de 60% de votos, em duas sessões, em cada casa do Congresso. Ou seja, 308 votos na Câmara e 49 no Senado. “Propor novas eleições nesse momento é uma forma de fazer barulho e se distanciar do problema real, querendo mostrar que existe um caminho. É uma solução daqueles que não se sentem confortáveis de apoiar nem Dilma nem Temer”, afirma Lucas Aragão, sócio da consultoria Arko Advice.
Uma PEC para novas eleições, portanto, teria um caminho tortuoso e dependeria de apoio maciço de congressistas, juristas, entidades e da sociedade brasileira. Geraria controvérsia jurídica, uma vez que poderia ser questionada no Supremo, e abriria um precedente para outros mandatos presidenciais. Seus autores, porém, acreditam na possibilidade. “É só combinar a pressão popular com a PEC. Há rejeição à presidente e ao vice. Ao invés de assistir em casa aos deputados e senadores votando, seria melhor o povo ser chamado a votar”, diz o senador Randolfe Rodrigues, da Rede, um dos autores do texto. “Hoje, não há legitimidade. A linha sucessória está contaminada. Exige uma solução na política”.
A chapa em risco
A outra possibilidade é a cassação da chapa no TSE. Nesse caso, a Constituição manda o presidente da Câmara assumir interinamente o governo e convocar, em 90 dias, novas eleições. Se a cassação ocorrer até dois anos do início do mandato, eleições diretas acontecessem. Depois disso, são indiretas via Congresso. Essa é a tese apoiada pela presidente da Rede, Marina Silva.
Destrinchado o alicerce legal, surge a natureza do TSE e dos processos que correm lá. São quatro ações do PSDB, propostas em janeiro de 2015. Com nomes longos, acusam a campanha de Dilma de abuso de poder político e econômico. Hoje, a mais adiantada das ações está na fase de instrução, quando as partes apresentam argumentos e o juiz junta documentos e pede esclarecimentos. Na quarta-feira, a relatora do processo, ministra Maria Thereza de Assis Moura, determinou o início da produção de provas pela Polícia Federal.
Várias testemunhas foram chamadas a depor, entre elas o empresário Ricardo Pessoa, dono da construtora UTC e dos principais delatores da Lava-Jato, e o lobista Zwi Skornicki, preso após a descoberta de repasses dele no exterior a contas ligadas ao marqueteiro petista João Santana. Serão ouvidos os empresários Augusto Mendonça, da empresa de engenharia Toyo Setal, e Eduardo Leite, da construtora Camargo Corrêa, além do ex-gerente da Petrobras, Pedro Barusco, e os lobistas Júlio Camargo e Hamylton Padilha, que atuavam na Petrobras. Todos relatam negociações de subornos para garantir contratos públicos.
Também haverá perícias nas gráficas ligadas à campanha suspeitas de serem fachadas. Pelo menos cinco empresas serão escrutinadas para comparar rendimentos, quadro de funcionários e capacidade operacional com o dinheiro recebido pela campanha. Finda a fase de instrução, as partes fazem alegações finais, o Ministério Público se pronuncia e a ministra faz o seu voto sobre o assunto.
Trata-se, portanto, de um processo longo e complexo. A cada nova descoberta, novas provas podem ser solicitadas. Falar em prazos é quase impossível, uma vez que não há datas estabelecidas e o Tribunal poderia julgar o caso depois de 2018. Isso sem falar na possibilidade de a decisão ser questionada no Supremo Tribunal Federal. Em outubro, acontecem as eleições municipais. Isso significa que o TSE estará bastante ocupado com as eleições nos 5.667 municípios brasileiros.
Após uma decisão, o Tribunal ainda teria que avaliar se seria possível separar as contas de Temer das de Dilma, o que vem sendo tentado pelo atual vice-presidente. A jurisprudência costuma associar as contas do poder Executivo, como prefeitos e governadores, à chapa, mas como o caso é inédito pode haver entendimentos imprevisíveis.
Politicamente, se discute um arrefecimento do ímpeto da investigação quando Temer assumir. O PSDB ainda se reúne para discutir se embarca ou não no governo. No caso de entrar, surge a dúvida se a legenda, como autora, poderia atrasar os trabalhos. “O processo tem vida própria. Claro que o partido tem que dar andamento, mas ainda que o PSBD desistisse das ações, o Ministério Público eleitoral assumiria. No processo eleitoral, o interesse é público, não do PSDB”, afirma Ângela Cignachi, advogada e vice-Diretora da Escola Judiciária Eleitoral do TSE.
De todos os desfechos possíveis, é dado como certo em Brasília que a proposta deve avançar ou ficar pelo caminho dependendo dos primeiros dias de Temer no comando do país. À primeira vista, a sinalização não é boa: a Câmara se prepara para “anistiar” Eduardo Cunha e não cassar seu mandato e seus aliados já pensam em usar o processo de impeachment contra Temer que corre na Casa para forçá-lo a apoiar o correligionário.
Uma operação imprevisível da Lava-Jato que atinja o vice também pode ter o efeito de aumentar a antipatia da opinião pública a ele. Afinal, 58% dos brasileiros querem seu impeachment, segundo o instituto Datafolha. A possibilidade de novas eleições, hoje, é frágil. E o interesse de seus defensores, difuso. Mas a política brasileira vem demonstrando que nossa realidade faz a trama da série House of Cards parecer ter sido escrita pela madre Teresa de Calcutá.
(Luciano Pádua)