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No governo Bolsonaro, militares atuam como moderadores

Desde 1985, os militares não ocupavam postos relevantes na cúpula do governo brasileiro

Mourão e Bolsonaro: eles se tornaram fiadores da estabilidade do governo (Adriano Machado/ Reuters/Reuters)

Mourão e Bolsonaro: eles se tornaram fiadores da estabilidade do governo (Adriano Machado/ Reuters/Reuters)

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Clara Cerioni

Publicado em 10 de março de 2019 às 08h00.

Última atualização em 10 de março de 2019 às 08h01.

Ao desembarcar na Colômbia para liderar pelo Brasil as conversas sobre a crise na Venezuela, o vice-presidente, general Hamilton Mourão, foi objetivo: "Vamos manter a linha de não intervenção. Sem aventuras".

A frase sintetiza o espírito de atuação dos militares desde que voltaram a ter protagonismo no poder com Jair Bolsonaro. Os militares não ocupavam postos relevantes na cúpula do governo brasileiro desde 1985, quando se encerrou o mandato do último presidente do período da ditadura.

De temidos na campanha eleitoral por potencialmente chegarem ao poder e decretarem uma nova ditadura militar no Brasil, eles se tornaram fiadores da estabilidade do governo.

Congressistas, analistas políticos, investidores e parte substancial da mídia brasileira têm elogiado a atuação de generais que hoje dominam a hierarquia da máquina pública. Em meio a crises internas e externas, veio deste grupo a mediação de conflitos.

Para o historiador e ex-deputado Chico Alencar (PSol), o vice-presidente se tornou uma surpresa positiva, após uma campanha eleitoral extremamente radicalizada e dentro de um governo conservador de direita.

"Ele é uma surpresa geral. Mourão faz ponderações, tem saído melhor que a encomenda, já que ele é ultraconservador. Reconheço que está impressionando, sempre com ponderações", avalia Alencar, que presidiu por vários anos a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.

O ex-parlamentar afirmou, no entanto, que é preciso observar as movimentações dos ministros oriundos dos quartéis. "Não podemos nos enganar, eles são defensores do regime militar."

Nos últimos dias, Bolsonaro elogiou o ex-ditador paraguaio Alfredo Stroessner e seu ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araujo, sugeriu que o regime venezuelano é pior do que o governo da Coréia do Norte. Enquanto isso, militares desempenharam um papel importante na redução das tensões.

Durante a frustrada operação de ajuda humanitária na fronteira de Roraima com a Venezuela, partiu do ministro da Defesa, general Fernando Azevedo, a ordem por um entendimento com a Guarda Nacional Bolivariana, em meio à crescente tensão entre civis e militares, quando chegavam alimentos e medicamentos.

O general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional e considerado o militar mais próximo do presidente, foi quem tentou apagar um incêndio entre Carlos Bolsonaro e o Gustavo Bebbiano, que acabou demitido da Secretaria-Geral depois de chamado de mentiroso nas redes sociais.

Quando o deputado de esquerda Jean Wyllys renunciou ao mandato e foi embora do Brasil, há algumas semanas, citando ameaças de morte, Bolsonaro e milhares de eleitores aplaudiram a notícia nas redes sociais. Mourão, por sua vez, disse que tais ameaças eram "um crime contra a democracia".

"Os militares são os cabeças do governo, eles dão estabilidade, são preparados. Achava que seria uma experiência ruim pela imagem que eu tenho da ditadura", disse o deputado Fernando Monteiro (PP), do segundo maior partido aliado ao governo de Jair Bolsonaro.

Para o líder da oposição na Câmara, deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), a ala militar demonstra mais equilíbrio no governo: "Não há dúvida que tem mais bom senso do que o presidente da República".

Pesquisa publicada em 26 de fevereiro pela Confederação Nacional dos Transportes aponta que 53,5% de mais de dois mil entrevistados consideram boa para o país a presença de militares no governo, enquanto apenas 14,4% acham ruim.

No mesmo levantamento, as Forças Armadas aparecem como terceira instituição mais respeitada do país, atrás apenas da Igreja e dos bombeiros. Os números são emblemáticos já que o Brasil é considerado uma democracia jovem, com pouco mais de 30 anos de eleições diretas. E também pela memória dos crimes cometidos pelo regime nos anos de 1960 e 1970.

"A presença dos militares é boa. Não podemos ter visão estereotipada, de quem quer buscar o poder pelo poder, essa época passou", avalia Thiago de Aragão, analista político da Arko Advice. "Os militares são força muito importante, basta ver o ponto de vista sensato em vários temas."

Oito dos 22 ministros de Bolsonaro são oriundos das Forças Armadas e atuam nas mais diversas áreas, da Defesa, a Minas e Energia, até o programa de concessões de obras para a iniciativa privada.

O vice-presidente cavou espaço e passou a centralizar assuntos polêmicos, como crise na Venezuela, relações com Rússia e China e com países árabes. Bolsonaro prometeu durante a campanha transferir a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém.

Mas como a mudança pode levar a retaliações comerciais, Mourão, em conjunto com a ala militar, tem atuado para postergar o assunto.

"Não temos visto com preocupação a presença dos militares. No macro, se faz certo, favorece todo o ambiente econômico", afirmou Flávio Serrano, economista-sênior do Haitong.

"Há percepção de que Mourão tem alinhamento com questões econômicas centrais, que é do que precisamos", avalia. Outros pontos considerados importantes por investidores são a visão estratégica dos militares e o fato de muitos serem fluentes em outras línguas.

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