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Nestas cadeias, preso pode ter até a chave da portaria

Com custo 3 vezes menor que presídios comuns e resultados melhores de ressocialização, modelo alternativo de prisão foca no empoderamento dos condenados

Entrada do regime fechado e semiaberto da Apac Itaúna em Minas Gerais (Pedro Vilela / Agencia i7/Minas pela Paz/Divulgação)

Entrada do regime fechado e semiaberto da Apac Itaúna em Minas Gerais (Pedro Vilela / Agencia i7/Minas pela Paz/Divulgação)

Talita Abrantes

Talita Abrantes

Publicado em 13 de janeiro de 2017 às 07h30.

Última atualização em 13 de janeiro de 2017 às 16h45.

São Paulo – O primeiro contato de quem visita a Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac) de Itaúna (MG) é uma amostra de que não se está diante de uma prisão convencional.

Quem abre a portaria é um detento. “É isso mesmo. Aqui o preso pode ter a chave da cadeia”, afirma Evangelista Lopes da Silva, presidente da unidade.

Criadas na década de 1970 no estado de São Paulo por membros da Pastoral Carcerária, as Apacs são administradas por ONGs e se baseiam em um método próprio de ressocialização do indivíduo encarcerado.

No total, são 3,5 mil recuperandos (como os condenados são chamados por lá) distribuídos por cerca de 50 unidades nos estados de Minas Gerais, Maranhão, Paraná e Rio Grande do Norte.

Nessas unidades, as diferenças com as cadeias comuns ultrapassam a portaria. Não há celas superlotadas, os agentes andam desarmados e toda a diretoria é composta por voluntários.

A combinação desses fatores faz com que o custo mensal de cada detento seja de 800 reais – três vezes menor do que a média nacional de 2,4 mil reais.

Detento na Apac Paracatu

Detento na Apac Paracatu (Pedro Vilela/Minas pela Paz)

“É um modelo baseado no princípio de valorização dos indivíduos. Na Apac, os presos usam suas próprias roupas, são chamados pelo nome. Isso mantém a identidade, faz com que ele se sinta um cidadão cumprindo uma pena”, diz o defensor público do Pará José Adaumir Arruda da Silva, autor do livro “A Privatização dos presídios: uma ressocialização perversa” (Revan).

Respeito e responsabilização

Apesar de aceitar condenados por todos os tipos de crimes, as Apacs abrigam apenas presos que já apresentaram bom comportamento em outra unidade prisional, independente do tamanho da pena ou crime cometido. Os pedidos de transferência, geralmente encaminhados pelos próprios presos, são analisados por um juiz.

Uma vez transferido, o condenado deve se comprometer com uma série de regras, que vai desde frequentar a escola até concluir o curso de ressocialização proposto pela entidade. A punição para faltas leves, como cabular compromissos ou não ajudar na limpeza, é dada por um conselho formado pelos próprios detentos.

“Quem toma conta da disciplina, da limpeza e da segurança são os recuperandos. A gente só administra com base no diálogo”, afirma Edilson Rafael dos Santos, encarregado de segurança da Apac de Itaúna e ex-detento da unidade.

Detentos em oficina na Apac Lagoa da Prata

Detentos em oficina na Apac Lagoa da Prata (Pedro Vilela /Minas pela Paz/Divulgação)

A rotina começa às 6h da manhã com orações e termina só às 22h. Durante esse período, as atividades são direcionadas para preparar cada detento para a reintegração à sociedade com palestras, cursos de capacitação e oficinas. Só no ano passado, mais de 700 cursos de qualificação profissional foram oferecidos nas unidades de Minas -- muitos deles em parceria com empresas locais.

“Só não muda de vida quem não quer”, diz Santos. Em Minas Gerais, a taxa de reincidência dos internos das Apacs está na casa dos 20% contra os 55% registrados no restante dos presídios do estado, segundo informações do programa Novos Rumos, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

Mesmo assim, a meta das Apacs do estado é reduzir esse índice por meio do acompanhamento de ex-detentos com vistas a identificar eventuais situações de risco, como uso de álcool e drogas.

“O que acontece no sistema comum é que a pessoa vai para o fórum, ganha a liberdade, mas não é acompanhado por ninguém. Essa reinserção fica comprometida”, diz o desembargador aposentado José Antônio Braga, coordenador geral do programa Novos Rumos.

Novas Apacs

Especialistas em sistema prisional consultados por EXAME.com encaram o modelo das Apacs como um complemento para o sistema prisional comum, e não a solução final.

“A adesão inicial de muitos presos ao sistema Apacs ocorre por contraste com um sistema penitenciário violento e cruel. Se todo o sistema penitenciário fosse baseado no método, não haveria este jogo institucional entre um 'bom sistema' e um 'mau sistema', que dá muito poder para a Apac sobre os presos”, afirma Gustavo Massola, professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), que estuda o modelo desde 2008.

Ele ainda lembra que a estrutura das Apacs depende de voluntários - característica que dificulta a implantação em larga escala de unidades segundo esse método.  “A existência de alternativas penais como as Apacs serve ao próprio sistema penal mais duro porque dá ao Judiciário alternativas mais brandas para cumprimento de pena”, diz.

Apesar disso, a implantação de novas unidades segue a passos lentos no Brasil. Segundo dados da Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados, hoje existem 90 unidades do tipo em implantação no Brasil ao custo de 35 mil reais por vaga. Mas muitas estão paradas por falta de recursos.

“O preso hoje contido, amanhã é contigo. Se o preso não é bem recebido pela própria comunidade, já é um caminho para o crime”, afirma o desembargador Braga. O retrato caótico das cadeias brasileiras prova isso.

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