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“Não trabalhamos com charlatanismo”, diz AMB sobre fosfo

Presidente da associação, Florentino Cardoso, diz que o governo liberar a distribuição de substância desconhecida é motivo de “chacota”

Medicamento: mão segura pílulas de remédio (Marcos Santos/USP Imagens)

Medicamento: mão segura pílulas de remédio (Marcos Santos/USP Imagens)

Raphael Martins

Raphael Martins

Publicado em 21 de maio de 2016 às 06h00.

Última atualização em 1 de agosto de 2017 às 14h38.

São Paulo – Por apertada votação, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, na última quinta-feira (19), suspender provisoriamente a lei federal que liberou o porte, o uso, a distribuição e a fabricação da "pílula do câncer", ou formalmente fosfoetanolamina sintética. Foram cinco votos a quatro contra a lei sancionada por Dilma Rousseff (PT) em fins de governo.

A ADI 5501 (Ação Direta de Inconstitucionalidade) foi protocolada no Supremo pela Associação Médica Brasileira (AMB). O caso ainda deve voltar ao plenário para que ministros decidam sobre o mérito de constitucionalidade da norma.

Ainda assim, a Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) já se manifestou em favor da decisão e o Ministério da Saúde soltou nota dizendo que o veredito ratifica o “parecer técnico” do órgão.

O presidente da associação, Florentino Cardoso, não poupa críticas à forma que a lei foi implementada. O médico acompanha a polêmica desde que o assunto surgiu na mídia e garante que a ideia da AMB é apenas proteger pacientes de riscos.

“Os doentes temos que tratar com seriedade. Pode ficar comprovado ao final dos estudos que [a fosfo] é eficaz, mas esse não é momento”, diz.

Para ele, é estranho que uma substância “exista há 20 anos”, cure o câncer e não tenha recebido atenção até então. “O Brasil não tinha virado referência? Onde estão as pessoas curadas com esse tratamento?”

Cardoso ressalta que a comunidade científica deve trabalhar com pesquisas rigorosas, não com “charlatanismo”.

“Não vale nem a ressalva para tratamento de pacientes terminais. Num país que precisa ser sério, um medicamento não pode ser distribuído livremente com tão pouco conhecimento”, afirma o médico. “Isso é motivo de chacota na comunidade científica.”

Veja abaixo os trechos da entrevista concedida a EXAME.com.

EXAME.com – Qual o erro em liberar a pílula, do ponto de vista técnico?
Florentino Cardoso – Não se sabe nada sobre a substância. Primeiro precisamos descobrir se este é, de fato, um medicamento. Segundo, tratando-se de um medicamento, averiguar com precisão para que serve.

Na etapa seguinte, caso sirva para tratar câncer, averiguar para quais tipos da doença. O câncer é uma enfermidade séria, que se manifesta de formas completamente diferentes a depender da ocorrência. Digamos que funciona: em que dose e qual intervalo deve ser administrado? Quais os efeitos colaterais?

É preciso deixar claro que sempre que estamos diante de um medicamento — e ainda nem podemos dizer que é um medicamento — é necessário julgar absolutamente todos os riscos e benefícios.

A história que temos é que, há mais de 20 anos, um professor de química da USP, que não é da classe médica, distribui esse medicamento para pessoas.

Imagina que alguém tem um medicamento que está há mais de 20 anos tratando câncer com resultado e ninguém sabia até agora. O Brasil não tinha virado referência? Onde estão as pessoas curadas com esse tratamento?

Como a AMB se posiciona com relação à fosfo como tratamento?
A associação não é contra a fosfoetanolamina, apenas defende que todos os estudos devem ser feitos com seriedade e rigor cientifico para colocar um remédio à disposição da população brasileira. Ninguém — nem médico, que dirá um químico — tem direito de distribuir uma substância sem passar por todos os testes.

Trabalhamos com conhecimento, não charlatanismo. O governo já liberou verba e já estão ocorrendo estudos em fase 1 e 2 relacionados a essa substancia e os resultados preliminares são de que há nenhum efeito de cura.

O Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo) vai começar estudos com paciente. Estudos controlados, em que o doente deve assinar um termo de responsabilidade dizendo que os médicos estão administrando a substância, mas não sabem a efetividade daquilo. Estará ciente que é um experimento.

É assim que tem que ser. Nós motivamos e defendemos as pesquisas de acordo com as normas, nacionais e internacionais. Existem regras, cláusulas e princípios que precisam ser seguidos.

Alguns ministros do STF e médicos citaram como condição para manter a distribuição da fosfo que fosse administrada a pacientes em fase avançada da doença, ou que não estivessem respondendo ao tratamento. O que acha disso?

É um enorme equívoco. De quem não conhece a ciência médica e coloca paciente em risco.

A esposa de um paciente declarou ao Estadão que lhe tiraram a "última esperança" com a decisão de suspender a distribuição da fosfo. O que dizer a essas pessoas num momento como este?

A verdade, sempre a verdade. Não sabemos se essa substância serve para algo e, como médicos, não podemos prescrever.

Como vamos vender esperança mentindo para as pessoas? Os doentes, temos que tratar com seriedade. Pode ficar comprovado ao final dos estudos que é eficaz, mas esse não é momento.

A vida da gente é um ciclo, uns vivem mais, outros menos. Nós, médicos, sabemos que temos limitações. À luz do conhecimento atual, em nenhum lugar do mundo se cura todo paciente com câncer, diabetes, hipertensos…

Há a esperança de que seja homologada como tratamento?

O conhecimento progride rápido. Há pouco tempo, medicamentos eficazes não existiam. Mas como falar que uma substância que existe há 20 anos está aí sem comprovação?

A verdade é que não temos como prever. Mas, novamente, o câncer é como várias doenças diferentes. Não existe um medicamento que vai tratar todos os tipos.

Não vale nem a ressalva para tratamento de pacientes terminais. Num pais que precisa ser sério, um medicamento não pode ser distribuído livremente com tão pouco conhecimento. Isso é motivo de chacota na comunidade científica.

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