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Não há respirador para todos que precisam, diz médico do Rio

"A sensação é que saímos todos os dias para a guerra", diz médico enquanto unidades de tratamento intensivo chegam ao limite de sua capacidade no Rio

Coronavírus: com as UTIs lotadas, as salas de emergência recebem os pacientes mais graves (Washington Alves/Reuters)

Coronavírus: com as UTIs lotadas, as salas de emergência recebem os pacientes mais graves (Washington Alves/Reuters)

AO

Agência O Globo

Publicado em 22 de abril de 2020 às 09h01.

Última atualização em 23 de abril de 2020 às 00h46.

Um dos maiores temores para os profissionais que atuam na linha de frente do combate ao coronavírus chegou ao Rio. Com as unidades de tratamento intensivo na cidade no limite de sua capacidade, começam a faltar respiradores para pacientes graves. Sem os ventiladores mecânicos, alguns médicos já passam pela situação de decidir quem poderá usar o equipamento ou não. Cirurgião-geral e diretor do Sindicato dos Médicos do Rio, Pedro Archer trabalha numa emergência da Zona Oeste do Rio e fez um relato impactante de um plantão, na semana passada:

"Quando iniciei meu plantão, já sabia que seria um dia difícil. Meu turno normalmente é de 12 horas, mas precisei dobrar, já que outra médica está afastada por suspeita de Covid-19. Na sala vermelha (onde ficam os casos mais graves de Covid-19 e outras enfermidades), havia 23 pessoas para 14 leitos, ou seja, 14 respiradores. No primeiro minuto, não havia nenhum aparelho livre. Era um sinal do que viria naquela noite".

E já para o primeiro paciente, faltou o equipamento. "Ele chegou com insuficiência respiratória, mas não tínhamos equipamento de ventilação. Colocamos num catéter de oxigênio, fizemos algumas medicações para tentar fazer ele respirar e o incluímos na fila para outro hospital com respirador disponível. Mas ele morreu uma hora depois. Esse foi o começo do nosso turno. Assumindo o plantão assim, toda nossa equipe fica abalada", contou.

 

 

“A sensação é que saímos todos os dias para a guerra”, resume o médico: "Naquela noite, uma idosa deu entrada, certamente com Covid-19. A capacidade respiratória estava em apenas 60 e ela necessitava com urgência de ventilador. Mas não havia. Tentamos de tudo para tentar salvá-la, mas algumas horas depois o fim foi o mesmo".

A sensação de frustração de quem jurou salvar vidas seguiu madrugada afora.

"Nesse meio tempo, uma paciente bem idosa, com quadro complicado e prognóstico ruim, foi a óbito. A equipe decidiu não tentar fazer nenhuma manobra de ressuscitação para usarmos o respirador dela. Depois, com dez, 15 pessoas precisando do ventilador, como escolher quem terá acesso? Tentamos ser o mais racionais, na medida do possível. Escolher quem tem mais chance de sair. Entre uma pessoa com muitas comorbidades, um quadro incapacitante, e outro jovem, você acaba escolhendo o paciente jovem. Usamos aquele equipamento para outro paciente. Sem ele, naquela noite poderíamos ter tido três mortes por falta de ventilador. Já estamos nesse patamar de escolha, infelizmente. Isso mexe com o psicológico de todo mundo da equipe, nunca imaginei que iria passar com isso".

De portas abertas, mas sem equipamento

Com as UTIs lotadas, as salas de emergência acabam recebendo os pacientes mais graves. Isso porque, diferentemente das unidades de tratamento intensivo, não recebem os pacientes pelo sistema de regulação de leitos, mas trabalham de portas abertas.

"Não negamos o atendimento. O que podemos fazer é pedir uma vaga no sistema e, depois, nos resta esperar e rezar para conseguir, antes que a pessoa venha a óbito. Alguns chegam a ficar dois, três dias esperando pela transferência", conta o cirurgião geral Pedro Archer.

Naquele plantão da semana passada, a equipe conseguiu duas vagas, mas em Vassouras, no Sul Fluminense, já que na capital não havia mais leitos.

"E uma transferência não é tão simples, ainda mais para uma cidade distante. É preciso uma grande logística para saírem duas ambulâncias com dois médicos para acompanhar os pacientes, sendo que já temos buracos na escala por afastamentos de possíveis infectados", lembra o médico.

Outro problema é a falta de equipamentos de proteção.

"Em hospital público, nós precisamos correr atrás. Eu e um grupo de médicos nos juntamos para comprar alguns, gastamos cerca de R$ 2 mil, mas outros profissionais acabam não tendo como fazer essa compra e já fazem o reuso para não ficar sem".

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