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Não há nenhum risco de golpe militar hoje, diz Sérgio Praça

Mudanças na dinâmica democrática brasileira e contextos diferentes garantem que 1964 não vai se repetir, segundo Sérgio Praça

Exército faz operação na favela da Rocinha no Rio de Janeiro (Bruno Kelly/Reuters)

Exército faz operação na favela da Rocinha no Rio de Janeiro (Bruno Kelly/Reuters)

Luiza Calegari

Luiza Calegari

Publicado em 29 de maio de 2018 às 16h58.

São Paulo — O Brasil não corre o risco de sofrer uma intervenção militar que possa culminar em um novo período de ditadura, pelo menos não por causa da greve dos caminhoneiros, segundo o cientista político Sérgio Praça, professor e pesquisador da Escola de Ciências Sociais do Centro de Pesquisa e Documentação da FGV.

Para ele, a democracia de hoje é muito diferente do cenário que levou ao golpe de 1964, já que, até aquela época, os civis precisavam de uma "bênção" dos militares para assumir seus governos, o que não existe mais desde o fim da ditadura.

Apesar disso, o cenário de enfraquecimento do governo de Michel Temer, suas decisões políticas de recorrer cada vez mais às Forças Armadas e o clamor de parte da população por uma intervenção não deixam de ser preocupantes, na visão de Praça.

A lição que podemos tirar disso tudo? Escolher bem os candidatos a vice-presidente, segundo Praça. Leia a entrevista concedida a EXAME:

EXAME: O que essa paralisação representa para o governo Temer?

Sérgio Praça: É um baque que dificulta ou impossibilita que ele aprove qualquer coisa que seja de interesse do governo agora, como a privatização da Eletrobras e outras medidas que ele gostaria de terminar o mandato tendo conseguido aprovar. Mas agora a pauta legislativa pertence mesmo ao Rodrigo Maia e ao Eunício Oliveira. A influência do Temer é praticamente zero.

Essa era uma desculpa que o Congresso estava esperando para limitar ainda mais o campo de ação do presidente?

Eu acho que já estava quase isso, eles seguiram o caminho natural das coisas. O governo falhou na negociação e isso enfraqueceu tudo. Já estava fraco, não é que “isso aqui mudou tudo”. É um governo já com pouca força, que agora tem praticamente zero.

Há chance de o governo cair agora, por causa da greve?

Pelo que eu li, não acho que tem chance não. Os deputados e senadores não topariam, é muita confusão. A eleição está perto. Eu acho até que haveria chance se durasse mais uns 15 dias, e todo mundo ficasse sem comida, mas não é o caso.

Em relação à negociação que o Temer está fazendo com os caminhoneiros, envolvendo a Petrobras, o que ele deixa de herança para o próximo presidente, em 2019?

Especialmente o rombo fiscal. Todo o discurso dele é de “arrumamos a economia, tiramos o Brasil da crise, estamos voltando a crescer, o desemprego está diminuindo”. É algo que até essa crise dos caminhoneiros estava razoável. A inflação está sob controle, realmente muita coisa na economia melhorou, mas essa greve mancha bastante esse discurso, porque haverá consequências econômicas claras. Não vai passar incólume.

Sérgio Praça

Sérgio Praça (foto/Exame Hoje)

E o mandato em si, que foi frágil e cheio de escândalos, deixa algum legado político, além do econômico? Qual a lição que fica para os sucessores, para a democracia brasileira?

Deixa uma espécie de legado no sentido de que mostra como é disruptivo, “atrapalhador”, um impeachment. E como as relações entre vice e presidente são delicadas. Acho que o impeachment foi merecido, justificado, etc. Mas é um choque no sistema político maior do que se imaginava.

Então, espero que deixe como legado uma espécie de cautela, de que o custo de fazer é bem alto. Talvez o custo de a Dilma permanecer fosse mais alto ainda, não estou discutindo isso. O que eu estou dizendo é que o custo é muito, muito alto.

Mudar um presidente tem efeitos enormes, o efeito das mudanças do Temer nas burocracias, no comando dos ministérios, ainda não foi sentido. Ele desorganizou um monte de lugares, e nomeou gente muito corrupta para vários postos importantíssimos. E isso tem efeitos. Acho que esse é um legado, temos que ter responsabilidade e escolher bem o vice.

O governo Temer tem recorrido cada vez mais às Forças Armadas para garantir legitimidade às suas decisões. Agora, o movimento grevista tem uma parcela grande de pessoas pedindo a intervenção militar. Corremos o risco de passar por uma intervenção agora?

Nenhum. No caso da greve dos caminhoneiros, tinha que mandar o Exército mesmo, porque foi a opção que restou. Mas no caso da intervenção no Rio de Janeiro, foi opção política do Temer. Ele apostou que o Exército no Rio resolveria um problema de décadas em seis meses. Foi muito burro para pensar isso.

Quanto aos caminhoneiros pedindo intervenção: eu recebo várias mensagens por Whatsapp, os caminhoneiros avisando que “aqui em Pirassununga o Exército está nas ruas e o povo está aplaudindo”, em Ipatinga, são exemplos reais. Nenhum golpe militar começa em Ipatinga. Então a coisa também se mistura com o apoio ao Bolsonaro. O Bolsonaro mesmo já disse que é bom não ter golpe militar para ele ter chance de ganhar. Se tivesse um golpe militar, ele não seria o presidente.

Mas também não acho que é algo a ignorar, é preocupante. Pedir golpe militar é sempre muito ruim, é um sinal de que as coisas realmente estão graves. Mas não chega a ser tão grave no sentido de ter a possibilidade de um golpe.

Mesmo com as eleições tão fragmentadas? Com o cenário que temos hoje, a vitória nas eleições deste ano vai ser pelo menos tão apertada quanto a última. Isso não daria espaço para um questionamento renovado sobre a legitimidade do resultado das eleições, não seria mais um motivo de preocupação?

Poderia ser se a elite política estivesse querendo instabilidade também. Essa é a grande diferença entre a democracia pós 1988 e a democracia entre 1946 e 1964. Entre 46 e 64, toda vitória presidencial tinha que ser “autorizada” pelo Exército. Você ganha a eleição e aí tem que convencer o Exército de que você vai assumir.

Isso não é a realidade após 1988. É como se o PT tivesse ganhado em 2002, e aí o PSDB conversa com o Exército para dar o golpe e o Exército não topa. É isso que acontecia, e não acontece hoje, e não vai acontecer nesta eleição também. Me preocupa menos por conta disso.

Tem uma grande diferença: naquela época, a gente não tinha segundo turno. Então, o Juscelino [Kubitschek] ganhou com menos de 35% dos votos. Agora, com o segundo turno, mesmo que seja uma vitória apertada, é a maioria, mesmo que seja de 53% a 47%. Então tem outra legitimidade.

As Forças Armadas por sua vez também não demonstram interesse em um novo golpe.

Exatamente. Parte das lideranças quer? Quer, mas são pessoas sem poder. Não vejo de modo algum o que aconteceu em 1964. Naquela época era o Exército conspirando, se questionando se o João Goulart poderia tomar posse ou não, decidindo isso junto com os políticos. Eu vejo poucas chances de isso acontecer.

E se o movimento de greve se espalhar?

Vamos ficar de olho nas próximas semanas para ver se outras greves acontecem. Eu sou otimista. A greve dos caminhoneiros teve muita gente apoiando no começo, mas, no limite, o apoiador ia ficar sem comida e gasolina. Então, eu vejo menos chances de outras greves serem super bem aceitas pela população.

Também, que tipo de greve teria um impacto parecido? Só se fosse da polícia, porque realmente os caminhoneiros são muito essenciais. Não vejo uma categoria que pudesse fazer algo nem perto do que eles fizeram.

 

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