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Claudia Costin, da FGV: "Criança não precisa de creche luxuosa"

A especialista acredita que recursos devem ser concentrados em recursos humanos e diz, ainda, que é preciso priorizar quem mais precisa

CLAUDIA COSTIN: "Criança não precisa de creche luxuosa", defende a especialista, que acredita que recursos devem ser concentrados em recursos humanos (Banco Mundial/Divulgação)

CLAUDIA COSTIN: "Criança não precisa de creche luxuosa", defende a especialista, que acredita que recursos devem ser concentrados em recursos humanos (Banco Mundial/Divulgação)

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EXAME Hoje

Publicado em 10 de novembro de 2017 às 14h04.

Última atualização em 10 de novembro de 2017 às 14h10.

No Brasil, 59% das crianças de famílias com renda superior a cinco salários mínimos frequentam creches, e 9% estão em busca de uma vaga. Ao olhar para as famílias com renda de até dois salários mínimos, a situação é bem diferente.

Apenas 26% das crianças frequentam alguma creche – bem abaixo da meta de 50% estabelecida no Plano Nacional de Educação –, e 34% estão em busca de uma vaga.

Os dados são da pesquisa Primeiríssima Infância: Creche, realizada pelo Ibope Inteligência e pela Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, que convidou a reportagem para o VII Simpósio Internacional de Desenvolvimento da Primeira Infância, em Fortaleza, onde foram apresentados o resultado do estudo, que investigou as necessidades e os interesses de famílias e crianças.

A questão da desigualdade no acesso à educação infantil ficou bem evidente na pesquisa, e para a especialista Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais no Rio de Janeiro, da Fundação Getúlio Vargas, é preciso priorizar quem mais precisa, enquanto o acesso não for universalizado.

Costin, que também foi diretora sênior para educação no Banco Mundial, também aponta que, apesar de as famílias brasileiras estarem tendo cada vez menos filhos, a demanda por creches ainda é crescente, considerando o ingresso das mulheres no mercado de trabalho.

Costuma-se dizer que o Brasil investe bem em educação em relação ao PIB (4,9%, de acordo com relatório Education at a Glance 2017, da OCDE). O que falta, então, se não é dinheiro? 

Faltam as duas coisas. Primeiro, quando nós dizemos que o Brasil gasta tanto quando a OCDE em educação (5,2%, em relação ao PIB), é importante lembrar que a OCDE está em outro estágio da sua transição demográfica. A taxa de fecundidade da mulher é muito mais baixa. Há menos escolas, menos professores... Não é surpreendente que o Brasil gaste mais. Mas o Brasil gasta em ensino superior, especialmente se for considerado o gasto por aluno. E nós temos uma demanda grande por educação infantil.

Nós atendemos cada vez menos alunos no Fundamental 1, porque nós universalizamos essa etapa do ensino e a transição demográfica já está chegando. Essa transição ainda não chegou ao ensino médio nem à educação infantil, porque não era algo que nós oferecíamos de forma universalizada. Ainda vai haver muita demanda por creche, especialmente considerando o ingresso da mulher no mercado de trabalho.

Não é uma mudança só demográfica, é social?

Sim. Então, há uma questão de necessidade de mais gastos. Inclusive, por que todas as contas que são feitas afirmando que não precisamos gastar mais em educação, mas gastar melhor, desconsideram que nós pagamos muito mal os professores. Se nós queremos não só ter crianças nas escolas, mas ter qualidade, é preciso pagar mais, para atrair mais talentos para essa profissão.

Para a educação infantil, é fazer uma migração de cuidadores para professores. O problema é que a universidade ainda não prepara para a educação infantil e não foca a prática da sala de aula, nem ajuda a lidar melhor com crianças. O Brasil já fez a opção de política pública de que 1/3 do tempo do professor precisa ser dedicado à educação continuada

. É preciso usar bem esse tempo, e isso significa que muitas redes vão precisar contratar 1/3 de professores a mais. Outro ponto é que a ênfase no brincar desafia ainda mais o professor da educação infantil do que os das outras etapas de ensino, porque exige mais flexibilidade. O professor precisa se preparar para aulas diferentes, porque às vezes as crianças vão querer brincadeiras diferentes dependendo do dia.

O material didático para crianças não é só livro. Se as crianças quiserem saber mais sobre dinossauros na aula seguinte, por exemplo, a professora vai precisar preparar uma aula sobre como montar um dinossauro, ela vai precisar de outros livros que tenham dinossauros e de uma série de objetos que ajudem as crianças a entenderem como era um dinossauro. É bem demandante.

Mas nós desperdiçamos dinheiro?

Sem dúvidas há uma questão de gestão, com desperdício, absenteísmo de professores... Além disso, o bebê não precisa de uma creche luxuosa. Ele precisa de espaço para sol, brinquedos interessantes e instigantes, ele não precisa de televisão – no Rio, praticamente todas as creches tinham –, chuveirinhos ao ar livre, tanques de areia, bichos, hortas. Tem muita coisa que se pode fazer numa creche que são experiências de aprendizagem.

Na sua palestra, a senhora relembrou sua experiência como secretária de educação do Rio de Janeiro, em que havia uma demanda do executivo de ampliar as vagas em três vezes, mas que a senhora considerou que era um número impossível de atingir com qualidade. Como equalizar as demandas por quantidade e qualidade?

Em qualquer política pública, tem que ter sequenciamento. Pensando que nós não conseguimos atender a todos, é preciso atender com qualidade aos setores prioritários. Os prioritários na educação infantil são os que estão em maior situação de vulnerabilidade.

O Brasil tem um bom cadastro de quem são as famílias abaixo da linha da pobreza e, em Fortaleza e no Rio, por exemplo, são priorizados os cadastrados no Bolsa Família. As crianças entre dois e três anos também precisam ter prioridade, já que não conseguimos dar atendimento a todas, porque as crianças abaixo dos dois anos precisam estar em fase de amamentação.

Como a mulher que trabalha pode fazer, então?

Os empregadores precisam fazer a sua parte. Da mesma maneira que defendo a licença paternidade, eu defendo que a licença maternidade seja de no mínimo seis meses e que a mulher possa amamentar. Se a mãe desenvolve afeto com o filho, e ele tem sua saúde desenvolvida, isso têm que ser um investimento de todos, pelo desenvolvimento das futuras gerações. O direito à amamentação é da criança, e é inegociável.

Há alguma política hoje na área de primeira infância que seja um grande exemplo?

Várias. É muito interessante o que acontece nos municípios e nos estados. O Rio Grande do Sul implantou o Primeira Infância Melhor, com agentes comunitários indo aos domicílios levando livrinhos de bebês, ensinando os pais a ler para essas crianças, e, se eles fossem analfabetos, mostrando como manusear os livros e conversar com as crianças.

No Rio, a creche é mais qualificada, prioriza as famílias de baixa renda, conta com um currículo para a Educação Infantil – que agora Fortaleza também tem, e o Ceará já tinha – , tem professor de verdade nas creches, permitindo uma atuação mais qualificada, retirou os berços para que as crianças possam explorar melhor o espaço.

Agora, o Ceará está implantando as visitas domiciliares também por agentes educacionais, porque os pais precisam ter um preparo para estimular o cérebro da criança, contar histórias e coisas assim, quando ela não está na creche. Educação de qualidade é caro.

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