Aedes aegypti: de acordo com os autores da pesquisa, a mutação identificada no zika aumenta a secreção da proteína NS1, que está associada ao processo de aquisição de flavivírus pelos mosquitos (Marvin Recinos / AFP/AFP)
Estadão Conteúdo
Publicado em 17 de maio de 2017 às 16h57.
Cientistas chineses identificaram uma mutação no vírus da zika que pode ter sido responsável pelo rápido alastramento da doença na epidemia nas epidemias da Polinésia Francesa (2013/2014) e da América do Sul (2015/2016).
De acordo com os autores da pesquisa, a mutação identificada no zika aumenta a secreção da proteína NS1.
Estudos anteriores já haviam mostrado que essa proteína está associada ao processo de aquisição de flavivírus - grupo ao qual pertencem os vírus da zika e da dengue - pelos mosquitos.
No novo estudo, publicado hoje na revista Nature, os cientistas comprovaram que o mesmo mecanismo ligado à proteína NS1 também promove a aquisição do vírus zika no Aedes aegypti, o mosquito que transmite a doença para humanos.
A pesquisa foi liderada por Gong Cheng, da Universidade Tsinghua, em Pequim (China).
Ao ser lançada no organismo do Aedes aegypti, a proteína ajuda o vírus a superar as proteções imunológicas do mosquito, possibilitando a infecção.
Com maior facilidade para infectar o Aedes aegypti, que está inserido em ambientes urbanos, o vírus conseguiu se espalhar rapidamente.
Segundo os autores, a mutação que causa o aumento da secreção de NS1 ocorreu apenas a partir de 2013. Isso explicaria o rápido alastramento do vírus a partir dessa data, quando começaram as epidemias que atingiram primeiro a Polinésia Francesa e depois chegou às Américas.
O vírus da zika surgiu na África em meados do século 20 e migrou para a Ásia.
Até aí, ele não causava nenhum problema em humanos e infectava principalmente macacos.
A linhagem asiática do vírus, no entanto, chegou à Micronésia, no Oceano Pacífico, no início do século 21 e causou o primeiro grande surto em humanos em 2007.
Em 2013, o vírus causou um surto na Polinésia Francesa e em fevereiro de 2014 chegou à Ilha de Páscoa, também no Oceano Pacífico, a 3.700 km da costa do Chile.
A partir daí, os casos de zika se espalharam em grande parte dos países das Américas. No Brasil, onde ocorreram as primeiras mortes, o vírus motivou um alerta mundial da Organização Mundial da Saúde em 2015.
Em 2015, um grupo coordenado por Paolo Zanotto, do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, em colaboração com o Instituto Pasteur de Dacar (Senegal), já indicava que o vírus da zika havia passado por adaptações genéticas que o tornaram cada vez mais eficiente para infectar humanos.
O estudo desse grupo mostrou que, em seu longo caminho entre a África e as Américas, o vírus adquiriu características genéticas que aumentaram sua capacidade de se replicar nas células humanas.
Segundo Zanotto, se a linhagem africana do vírus infectava principalmente macacos e mosquitos, ao longo de sua jornada até o Pacífico, as novas linhagens passaram a "imitar" os genes que o corpo humano mais expressa, a fim de produzir em grande quantidade proteínas que esses genes codificam.
Com esse processo, apelidado pelos cientistas de "humanização do vírus", a infecção ficou mais eficiente - especialmente a partir de 2007. Um dos genes mais "imitados" pelo vírus da zika era justamente o da proteína NS1, que também tem o papel de modular a interação entre o vírus e o sistema imunológico dos humanos.
De acordo com os cientistas, a produção dessa proteína funciona como uma camuflagem para o vírus, desorientando completamente o sistema imunológico e facilitando a infecção.