Brasil

Museu será desapropriado antes do Dia dos Direitos Humanos

Museu da Maré não conseguiu renovar o contrato do imóvel onde está instalado há oito anos

Museu da Maré: um dos galpões, abriga uma réplica de casa de palafita (Tânia Rêgo/Agência Brasil)

Museu da Maré: um dos galpões, abriga uma réplica de casa de palafita (Tânia Rêgo/Agência Brasil)

DR

Da Redação

Publicado em 1 de outubro de 2014 às 13h10.

Rio de Janeiro - Um acervo de mais de 5 mil fotos, uma biblioteca, a reconstrução cenográfica de um bairro - incluindo uma casa de palafita, além de oficinas para crianças, terão de se mudar.

O Museu da Maré - onde o material está reunido e onde funcionam serviços à comunidade - não conseguiu renovar o contrato do imóvel onde está instalado há oito anos.

O Grupo Libra, da empresária Celina Torrealba Capri, cedeu o espaço gratuitamente para o museu. O acordo chegou ao fim e o despejo está previsto para 9 de dezembro, prazo limite da notificação.

Considerado referência internacional na museologia social, por reunir imagens, depoimentos e objetos pessoais de moradores, a instituição, dedicada à memória da comunidade, ocupa galpões em uma área valorizada pela ocupação militar - que chegou em abril deste ano, com a instalação de uma unidade de Polícia Pacificadora.

Os galpões da Avenida Maxwell recebem centenas de visitantes por semana e também presta atendimento a jovens. O museu tem convênios com o governo do estado, a Petrobras e a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), que com frequência envia alunos para conhecer a instituição.

Na biblioteca, por meio de um convênio com o governo estadual, trabalha Wagner Belo, de 17 anos, que é bolsista. “Saber que o museu pode fechar foi um impacto para mim.

Como sou aluno da oficina de teatro e bolsista, pude conhecer mais sobre a Maré e para mim, o museu fechar, significa acabar a cultura da Maré, isso aqui é uma referência para todo mundo”, disse.

A data prevista para a saída do museu é simbólica pois antecede o Dia Internacional dos Direitos Humanos, comemorado em 10 de dezembro. Para os diretores, a coincidência é uma contradição.

O local, argumentam, é uma alternativa de cultura, educação e lazer. “O museu faz com que morador conheça, crie vínculos e valorize sua história e seu território.

O Museu da Maré faz isso: faz com que a pessoa se sinta parte da cidade e não à margem dela”, explica o coordenador Luiz Antonio de Oliveira. Ele acredita que o contrato de cessão dos galpões não foi renovado porque houve aumento no preços de imóveis na área, depois da ocupação militar.

“São anos de construção, feita pelos próprios moradores. A cada exposição as pessoas vêm rever sua história. Tirar o museu daqui significa ameaçar a identidade dos moradores". Outro agravante, diz, é fechar o museu ao longo da ocupação militar. “Trocar o Museu da Maré por tanques de guerra é um retrocesso”, acrescenta a comunicadora comunitária da Maré, Gizele Martins.

Para encontrar uma solução, a comunidade organiza o movimento Museu da Maré Resiste! com protestos, tuitaços, visitas e abaixo-assinados que mobilizam mais de 2 mil pessoas.

A comunidade tenta também envolver o poder público. Para moradores e diretores, a transferência do museu de lugar não resolve o problema. “Essa localização [dos galpões] é simbólica na Maré.

Aqui funcionava um pequeno porto, que escoava a produção de engenho que existia, passava por aqui um fluxo de comércio. É um lugar marcante na nossa história”, explicou Luiz Antonio.

Especialistas sugerem que, entre as soluções para o museu, estariam a permuta da área dos galpões por outra, entre a prefeitura e o Grupo Libra, mas não descartam o tombamento do prédio e do acervo, que pode culminar com a desapropriação do imóvel, por interesse social.

Por enquanto, a prefeitura analisa tombar apenas o acervo. Já o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), preocupado com a referência que representa o museu, tenta sensibilizar os empresários.

“Enviamos um ofício para eles explicando que vemos com interesse esses pontos de memória, o empenho na referência, no registro e na documentação”, disse o presidente, Angelo Oswaldo. Ele conta que em 2013, durante um congresso mundial de museus, no Rio, o Museu da Maré foi o mais procurado. “Ele é reconhecido amplamente como referência hoje no Brasil". A empresa ainda não respondeu ao Ibram e também não atendeu a Agência Brasil.

O próximo evento de resistência do Museu da Maré Resiste está previsto para 18 de setembro, com concentração marcada para às 15h, na sede da instituição, na Avenida Guilherme Maxwell, 26.

Acompanhe tudo sobre:cidades-brasileirasCriançasDireitos HumanosMetrópoles globaisMuseusRio de Janeiro

Mais de Brasil

Bolsonaro nega participação em trama golpista e admite possibilidade de ser preso a qualquer momento

Haddad: pacote de medidas de corte de gastos está pronto e será divulgado nesta semana

Dino determina que cemitérios cobrem valores anteriores à privatização

STF forma maioria para permitir símbolos religiosos em prédios públicos