Brasil

Mudança ministerial dá mais poder a Luiz Eduardo Ramos no Planalto

Amigo do presidente há décadas, general operou junto com Braga Netto para definir a troca de comando das Forças Armadas e o reforço da aliança com o Centrão

 (Marcelo Casal Jr./Agência Brasil)

(Marcelo Casal Jr./Agência Brasil)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 5 de abril de 2021 às 09h51.

As mudanças no ministério do governo de Jair Bolsonaro trouxeram à tona a influência de um amigo do presidente desde os tempos da Escola de Cadetes do Exército. O general da reserva Luiz Eduardo Ramos operou, em parceria com o também general Walter Braga Netto, a missão dada por Bolsonaro de demitir a cúpula das Forças Armadas e consolidar a aliança com o bloco dos partidos do Centrão.

Foi num encontro no último domingo de março, na casa de Braga Netto, em Brasília, que Bolsonaro decidiu substituir o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, e o comandante do Exército, Edson Pujol. Ramos, então titular da Secretaria de Governo, estava presente. A troca abalou a caserna e alterou as posições de poder no governo. Braga Netto foi nomeado para a pasta militar e Ramos herdou a cadeira do amigo na chefia da Casa Civil.

Na prática, a dupla resolveu a crise no Ministério da Defesa por meio de conceitos e procedimentos militares, de Estado-Maior. Para conter o descontentamento com a saída de Azevedo e Silva, de Pujol e dos então comandantes da Marinha, Ilques Barbosa, e da Aeronáutica, Antônio Carlos Bermudez, Braga Netto e Ramos trataram de fazer uma gestão de redução de danos: montaram a sucessão em menos de 24 horas com nomes respeitados tanto pelas tropas quanto pelos Altos Comandos.

Interlocutores do Palácio do Planalto observam que a dupla formada pelo bonachão Ramos e pelo reservado Braga Netto demonstrou, nos últimos meses, entrosamento nas "missões" ordenadas por Bolsonaro. Como consequência da operação discutida naquele domingo, os dois generais ficaram com ministérios estratégicos.

A Casa Civil coordena as atividades das demais pastas. O ministro-chefe sempre atua como braço direito do presidente. Tem poder no controle das nomeações de cargos e na distribuição de verbas. Ao mesmo tempo em que travou duelo com colegas militares entrosado com o presidente, Ramos selou sua ligação com Bolsonaro ao construir a aliança com o Centrão.

Ofensiva

Em fevereiro, o general coordenou uma ofensiva que despejou R$ 3 bilhões em emendas parlamentares para obras, atropelando articulações no Congresso. Com a estratégia, garantiu as vitórias de Arthur Lira (Progressistas-AL), líder do Centrão, para o comando da Câmara, e de Rodrigo Pacheco (DEM-MG) à presidência do Senado. Ouviu elogios de Bolsonaro, que chegou a dizer que ele ficaria com a "jaca" da articulação política, como mostrou o Estadão.

Pressionado pelo Centrão, no entanto, Bolsonaro decidiu nomear a deputada Flávia Arruda (PL-DF) para a Secretaria de Governo, pasta antes chefiada por Ramos. Flávia era um nome ao gosto do general e, principalmente, de Lira, que já tinha indicado a deputada para presidir a Comissão Mista de Orçamento. Assim, o Centrão passava a ter sala oficial dentro do Planalto. A troca também foi discutida na casa de Braga Netto naquele 28 de março. Braga Netto chegou ao Planalto em fevereiro de 2020 para ocupar a Casa Civil, após atuar como interventor federal na segurança pública do Rio de Janeiro, em 2018, no governo Temer. De forma pragmática, ele e Ramos passaram a trabalhar em dobradinha. Mas o novo chefe da Casa Civil, amigo de longa data de Bolsonaro, ganhou fama de exagerar na adulação ao presidente.

Ramos deixou a caserna, em julho de 2019, para assumir o primeiro cargo no Planalto, a Secretaria de Governo. Nessa época ele já demonstrava disposição para o jogo político. "Quem controla o Estado-Maior controla qualquer coisa", dizia o general, sempre que amigos lhe perguntavam se iria se adaptar às turbulências do Planalto.

Aos 64 anos, Ramos tem um currículo extenso nos quartéis e gabinetes da burocracia militar. Mas, ao contrário do que sugere a frase dita sobre o poder, ele não chegou oficialmente ao comando do Estado-Maior do Exército, o influente órgão que planeja a política de uso das tropas e define diretrizes militares. Ramos foi vice do general Azevedo e Silva, comandante oficial em 2018 e 2019.

Militares que o conhecem há tempos dizem que ele não perde a chance de reivindicar o controle de espaços e superdimensionar suas posições políticas. É inegável, porém, que Ramos desfruta da intimidade do presidente. Trata-se, por exemplo, de um dos únicos ministros que o chamam de "Jair", embora nunca o faça em público.

Paraquedista como Bolsonaro, Ramos se formou, em 1979, pela Academia das Agulhas Negras, foi chefe da 1ª Divisão do Exército no Rio e da 11ª Região Militar de Brasília. De 2011 a 2012, comandou a Missão de Paz da ONU no Haiti, estratégia da política externa dos governos petistas que empoderou a geração de generais do período democrático. Em Porto Príncipe, sua habilidade de negociação foi decisiva para acelerar o processo de pacificação de Cité Soleil, núcleo rebelde onde a força da ONU tinha dificuldade para entrar.

Na campanha do amigo Bolsonaro, em 2018, Ramos estava à frente do Comando Militar do Sudeste, em São Paulo. A função é considerada estratégica pela proximidade com o poder econômico. Um cargo que exige menos aptidão de tiro e mais concentração em política do Exército.

‘Fofoca’

Deputados e senadores da base aliada do Planalto e mesmo integrantes do governo reclamam que o general "planta" informações e alardeia notícias sem fundamento. Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, chegou a escrever no Twitter que Ramos tem postura de "#mariafofoca". Depois, pediu desculpas pelo "excesso". Ramos nunca responde aos ataques em público, preferindo o silêncio, sob o argumento de que não age para prolongar "crises artificiais".

Agora, colegas de Bolsonaro e do general desde os tempos de quartel apostam que, pela antiga amizade entre os dois, o novo chefe da Casa Civil somente entrará na lista de defenestrados pelo presidente se houver mesmo um terremoto político.

O podcast EXAME Política vai ao ar todas as sextas-feiras. Clique aqui para ver o canal no Spotify, ou siga em sua plataforma de áudio preferida, e não deixe de acompanhar os próximos programas.

Acompanhe tudo sobre:Governo BolsonaroJair BolsonaroMinistério da Casa CivilMinistério da Defesa

Mais de Brasil

Acidente com ônibus escolar deixa 17 mortos em Alagoas

Dino determina que Prefeitura de SP cobre serviço funerário com valores de antes da privatização

Incêndio atinge trem da Linha 9-Esmeralda neste domingo; veja vídeo

Ações isoladas ganham gravidade em contexto de plano de golpe, afirma professor da USP