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MPRJ vai analisar denúncia sobre "Guardiões de Crivella"

Servidores e prefeito podem até responder por crimes de responsabilidade e improbidade administrativa por impedir reclamações contra hospitais municipais

Servidores estariam sendo pagos para constranger e ameaçar jornalistas e cidadãos que denunciam os problemas na saúde (Fernando Frazão/Agência Brasil)

Servidores estariam sendo pagos para constranger e ameaçar jornalistas e cidadãos que denunciam os problemas na saúde (Fernando Frazão/Agência Brasil)

AO

Agência O Globo

Publicado em 1 de setembro de 2020 às 06h22.

Última atualização em 1 de setembro de 2020 às 07h37.

A informação de que a prefeitura do Rio montou um esquema na porta dos hospitais para impedir denúncias e reclamações será analisada pelo Ministério Público do Rio (MPRJ). Foi com a pandemia que os repórteres do "RJ2", da "TV Globo" perceberam que, toda vez que entrevistavam uma pessoa numa unidade municipal de saúde, algum funcionário atrapalhava a reportagem. Descobriu-se, então, que servidores públicos estariam sendo pagos para vigiar a entrada, para constranger e ameaçar jornalistas e cidadãos que denunciam os problemas. Em nota, o MPRJ explica que "a notícia de fato será encaminhada para uma das promotorias de Justiça da Cidadania com atribuição para análise e possível adoção de medidas cabíveis".

Para o professor de direito administrativo da UniRio e da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Emerson Affonso da Costa Moura, os servidores públicos envolvidos na denúncia cometeram crime de prevaricação, enquanto o prefeito Marcelo Crivella, o de responsabilidade ou até mesmo o de improbidade administrativa.

— Primeiro, há o entendimento de que os servidores públicos cometeram o crime de prevaricação. Isso fica claro porque é vedada a atividade político-partidária de servidor público. O funcionário público também tem o dever legal de dar publicidade a seus atos. Eles estão atuando contra a lei. Os atos são públicos e as pessoas têm direito ao acesso à informação, como determina a Lei de Acesso à Informação. O estatuto do servidor público municipal diz que quem exerce funções ou atividades que não estão ligadas ao interesse público ou atividade pela qual prestaram concurso público, também comete crime de improbidade administrativa. Se o prefeito tinha conhecimento, ainda que não tenha ordenado, ele se omitiu. Ele também está praticando o crime de responsabilidade, porque não está permitindo o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais das pessoas, como previsto na Lei Orgânica do Rio. Se ele tinha conhecimento e nada fez, o prefeito também cometeu o crime de improbidade administrativa por sua conduta omissiva.

Vereadores vão pedir CPI e abertura de processo de impeachment do prefeito

Após a divulgação da existência de um grupo pago para defender prefeito e impedir críticas na porta de hospitais, a bancada do PSOL na Câmara irá formalizar o pedido de impeachment do prefeito Marcelo Crivella. O requerimento será assinado também pela direção do partido e pela deputada estadual Renata Souza, pré-candidata à prefeitura. A vereadora Teresa Bergher (Cidadania) vai apresentar um pedido para Câmara de Vereadores instaurar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a atuação dos funcionários da prefeitura.

A bancada do PSOL considera que Crivella cometeu crime de responsabilidade por conduta incompatível com o cargo. O crime está previsto no artigo quatro do decreto-lei 201 de 1967 que regulamenta o impeachment de prefeitos.

— Em plena pandemia, chegam denúncias gravíssimas de que o prefeito Marcelo Crivella estaria organizando e participando ativamente de uma mobilização para impedir a população de denunciar o sucateamento da saúde. O fato é gravíssimo em todos os seus ângulos: envolve o uso de dinheiro público para fins escusos, impede o livre exercício de imprensa, e silencia as queixas legítimas da população em um momento de grave crise sanitária —, diz o vereador Tarcísio Motta, líder do PSOL na Câmara.

Ao GLOBO, Teresa comparou a atuação do grupo com uma "milícia" e que irá pedir também a exoneração de Marcos Paulo de Oliveira Luciano, contratado desde 2017, para atuar no gabinete do prefeito. Ele, que pode ser visto em fotos com Crivella, ganha salário de cerca de R$ 10 mil.

— É uma situação surrealista. A prefeitura está de pires na mão. Enquanto o prefeito paga mais de três mil reais para jagunços ameaçarem jornalistas e constrangerem pacientes que vão buscar atendimento nos hospitais do município. O funcionário que está por trás dessa milícia tem quer exonerado imediatamente, junto com todo o grupo. O prefeito deveria gastar este dinheiro com profissionais de saúde. Uma vergonha — disse a vereadora.

Procurado para comentar o pedido da vereadora, o município afirmou que não irá comentar.

Na porta do Hospital Rocha Faria, em Campo Grande, em 20 de agosto, dona Vânia se queixa da falta de vaga para transferir a mãe, que tem câncer, para um atendimento especializado. Aos gritos, dois homens atrapalham a entrevista, que precisa ser interrompida. Uma rotina de casos semelhantes para impedir críticas e reportagens sobre o caos na saúde do Rio, agravado pela pandemia do novo coronavírus, chamaram a atenção do “RJ TV” da Rede Globo.

Os repórteres descobriram que o grupo tem nome, Guardiões do Crivella, obedece a uma rígida escala de serviço e, o mais grave, ganha salário pago com dinheiro público — em torno de R$ 4 mil — só para criar confusão na entrada de unidades de saúde e inviabilizar denúncias ao serviço público municipal.

Um denunciante revelou como funciona o esquema para blindar o prefeito Marcelo Crivella. Os guardiões são controlados através do WhatsApp, usado para conectar todos os envolvidos na função. Muito cedo, eles vão para as portas de hospitais e, para provar que estão a postos, fazem selfies no local, que são enviadas para o grupo do aplicativo de celular. Ali, eles são cobrados sobre o serviço, quando malfeito, ou são elogiados quando o tumulto provocado é tanto que inviabiliza a ação de jornalistas, queixas de parentes de pessoas internadas ou dos próprios pacientes. Imagens obtidas pela TV mostram que, entre os integrantes do grupo de WhatsApp, há um telefone atribuído ao próprio Crivella. De acordo com o denunciante, “o prefeito acompanha no grupo os relatórios e, às vezes, ele escreve lá: ‘Parabéns! Isso aí!’”, disse.

Para fazer as agressões verbais e defender a política de saúde de, quase sempre aos gritos, Luiz Carlos Joaquim da Silva, conhecido como Dentinho, foi contratado em dezembro de 2019 com salário bruto de R$ 4.195, em cargo especial. Foi ele que interrompeu a entrevista que era concedida pela dona Vânia.

Ontem, a equipe de reportagem foi para a porta do Hospital Salgado Filho, no Méier, onde, já sabendo da existência dos Guardiões do Crivella, começou a se preparar para entrevistar um homem que tinha perdido um dedo. Desta vez, quem está a postos é José Robério Vicente Adeliano, que ganha salário bruto de R$ 3.229. Ele parte para cima do paciente, que tinha acabado de ser atendido, mas reclamava de outra unidade, em Rocha Miranda, por onde passou e não conseguiu ser visto por médicos. O guardião interrompe a entrevista e aborda o paciente, que fica indignado. O diálogo é surreal.

“Prefeito está indo bem”

José Robério começa: “Fala isso não, compadre”. O paciente responde exibindo a mão com um grande curativo: “Como? Perdi um dedo e não posso falar?” José Robério insiste: “Fala isso não, meu irmão”. É preciso o repórter interferir. “O senhor pode deixar ele falar da saúde?”, pergunta. Ao que o guardião responde: “Está indo muito bem, meu querido”. O prefeito está trabalhando correto e bem”. Neste momento, é confrontado pelo jornalista que o identifica, conta saber sobre o trabalho dos guardiões e quanto ele ganha para encobrir reclamações.

Além do Guardiões do Crivella, dois outros grupos reúnem essa equipe. Um deles identificado como Assessoria Especial GBP — que seria referência a gabinete do prefeito, e outro, como Plantão. Neles, há integrantes que intimidaram as equipes de reportagem. Ricardo Barbosa de Miranda foi contratado pela prefeitura em junho de 2018, como assistente 3 e salário de R$ 3.422. No dia 27, data em que aconteceram as agressões no Rocha Faria, estavam na escala, além de Dentinho, Marcelo Dias Ferreira que, desde setembro de 2018, tem cargo especial com salário bruto de R$ 2.788.

ABI critica “orquestração”

Um personagem importante surge quando uma das abordagens parece não ter saído como o esperado. Os guardiões se atrasam para uma missão. Quem aparece reclamando da atuação da equipe é Marcos Paulo de Oliveira Luciano, contratado desde 2017, para atuar no gabinete do prefeito. Ele, que pode ser visto em fotos com Crivella, ganha salário de cerca de R$ 10 mil.

O presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Paulo Jeronimo, por nota, criticou o que chamou de atentado à democracia. “Em ações orquestradas, funcionários da prefeitura tentam intimidar, com agressões verbais e ameaças de agressões físicas, jornalistas que trabalham em reportagens sobre a situação de calamidade dos hospitais públicos no Rio. As ameaças se estendem aos usuários que prestam depoimentos sobre o mau atendimento. Episódios ocorridos nas portas de vários hospitais municipais nos últimos dias mostram que não estamos diante de fatos isolados, mas de uma política do prefeito para constranger repórteres e cidadãos”. Já o presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Marcelo Rech, classificou de “absurdo” o gasto do dinheiro público para atentar contra o livre direito do cidadão a se manifestar e a ser informado adequadamente pela imprensa”. Rech pede uma investigação rigorosa.

Procurada, a prefeitura não negou a existência do Guardiões do Crivella e afirmou apenas que reforçou o atendimento em unidades de saúde para melhorar as informações prestadas à população. Citou como exemplo uma ocasião em que foi noticiado que o Hospital Albert Schweitzer tinha sido fechado quando, de acordo com o município, isso nunca aconteceu

Leia a nota da prefeitura na íntegra:

"A Prefeitura do Rio reforçou o atendimento em unidades de saúde municipais no sentido de melhor informar à população e evitar riscos à saúde pública, como, por exemplo, quando uma parte da imprensa veiculou que um hospital (no caso, o Albert Schweitzer) estava fechado, mas a unidade estava aberta para atendimento a quem precisava. A Prefeitura destaca que uma falsa informação pode levar pessoas necessitadas a não buscarem o tratamento onde ele é oferecido, causando riscos à saúde."

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