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MPF e MPT recomendam revogação de portaria sobre trabalho escravo

A Portaria 1.129 estabelece novas regras para a caracterização de trabalho análogo ao escravo e para atualização da chamada "lista suja do trabalho escravo"

Trabalho escravo: a iniciativa também gerou reações por parte de organizações sociais (Marcello Casal Jr/Agência Brasil/Agência Brasil)

Trabalho escravo: a iniciativa também gerou reações por parte de organizações sociais (Marcello Casal Jr/Agência Brasil/Agência Brasil)

AB

Agência Brasil

Publicado em 17 de outubro de 2017 às 18h07.

O Ministério Público do Trabalho (MPT) e o Ministério Público Federal (MPF) recomendaram ao Ministério do Trabalho que revogue a Portaria 1.129, publicada ontem (16), no Diário Oficial da União, que estabelece novas regras para a caracterização de trabalho análogo ao escravo e para atualização do cadastro de empregadores que tenham submetido pessoas a essa condição, a chamada lista suja do trabalho escravo.

Os procuradores da República e do Trabalho, que assinam a recomendação, afirmam tratar-se de um procedimento preparatório para apurar a ilegalidade da portaria.

Para o grupo, a iniciativa do Ministério do Trabalho é ilegal, pois afronta o Código Penal, que estabelece o conceito de trabalho em condições análogas à escravidão e se sobrepõe à portaria ministerial.

Segundo o artigo 149 do Código Penal, quem submete alguém a realizar trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida, está sujeito a pena de dois a oito anos de prisão e multa.

Também incorre no mesmo tipo de crime quem, com o propósito de reter os trabalhadores, limita que eles utilizem qualquer meio de transporte, ou os mantém sob vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador.

Os procuradores que assinam a recomendação sustentam que, além de afrontar o Código Penal, a portaria ministerial contraria decisões da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Supremo Tribunal Federal (STF).

"A referida portaria traz conceitos equivocados e tecnicamente falhos dos elementos caracterizadores do trabalho escravo, sobretudo de condições degradantes de trabalho e jornadas exaustivas", afirmam os procuradores.

Eles lembram que, ao responsabilizar o Estado brasileiro por não prevenir a prática de trabalho escravo moderno e o tráfico de pessoas por causa de um caso ocorrido no sul do Pará, entre 1997 e 2000, a Corte Interamericana de Direitos Humanos estabeleceu que não poderia haver retrocessos na política brasileira de combate e erradicação do trabalho escravo, deixando claro que a caracterização de trabalho análogo à escravidão prescinde da limitação da liberdade de locomoção.

A OIT é uma instituição judicial autônoma da Organização dos Estados Americanos (OEA) e o Brasil é o primeiro país condenado nessa matéria.

Apelo

A iniciativa do Ministério do Trabalho também gerou reações por parte de organizações sociais. Entre os aspectos mais criticados por diferentes entidades está a determinação de que, a partir de agora, apenas o ministro do Trabalho deve incluir empregadores na Lista Suja do Trabalho Escravo, esvaziando o poder da área técnica.

A organização não governamental internacional Conectas e a Comissão Pastoral da Terra (CPT) enviaram, hoje (17), um apelo urgente à Organização das Nações Unidas (ONU), pedindo a revogação imediata da determinação do governo.

As duas entidades criticam a previsão de que, com as mudanças previstas na portaria, um empregador flagrado submetendo alguém à condição análoga à escravidão só passe a integrar a chamada Lista Suja do Trabalho Escravo após determinação expressa do ministro do Trabalho. Até a semana passada, a inclusão ocorria após uma avaliação técnica.

Para a Conectas e a CPT, as novas regras são pouco claras e tendem a atingir a transparência e a legitimidade do processo, que ficará mais vulnerável a motivos políticos.

"Tendo enfrentado resistência para parar a Lista Suja, o governo agora tenta esvaziá-la de maneira autoritária. Além disso, o governo promove uma completa desvirtuação do conceito de trabalho escravo para atender a interesses das bancadas parlamentares mais conservadoras e contrárias aos direitos fundamentais", afirma Caio Borges, coordenador de Empresas e Direitos Humanos da Conectas.

Já o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), afirmou que, ao reformular o conceito de trabalho escravo, o Ministério do Trabalho impõe "uma série de dificuldades à fiscalização e à publicação da Lista Suja, provocando enorme retrocesso no combate à escravidão contemporânea, atendendo a interesses de quem se beneficia da exploração de trabalhadores".

"A portaria altera os conceitos de trabalho escravo que estão no artigo 149 do Código Penal, o que está sendo tentado pelo Congresso Nacional há alguns anos por meio de projetos e que tem forte resistência dos atores sociais comprometidos com a erradicação do trabalho escravo", sustenta o Sinait, em nota.

"O governo quer tornar muito difícil para os Auditores-Fiscais caracterizar o trabalho escravo. Sob as regras da Portaria nº 1.129/2017, em pouco tempo haveria a falsa impressão de que a escravidão acabou no país, mascarando a realidade", disse o sindicato..

Elogio

Procurado, o Ministério do Trabalho alegou que a publicação da Portaria 1.129 vai "aprimorar e dar segurança jurídica à atuação do Estado".

Segundo a pasta, as disposições sobre os conceitos de trabalho forçado, jornada exaustiva e condições análogas a de escravo servem à concessão de seguro-desemprego para quem vier a ser resgatado em fiscalização promovida por auditores fiscais do trabalho.

Segundo o ministério, a portaria prevê a possibilidade de que sejam aplicadas multas cujos valores podem superar em até 500% os atuais.

"O combate ao trabalho escravo é uma política pública permanente de Estado, que vem recebendo todo o apoio administrativo desta pasta, com resultados positivos concretos relativamente ao número de resgatados, e na inibição de práticas delituosas dessa natureza, que ofendem os mais básicos princípios da dignidade da pessoa humana."

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