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MPF assume inquérito que investiga lavagem de dinheiro de Flávio Bolsonaro

Decisão do juiz que supervisiona o caso ocorreu depois do MPRJ desistir de prosseguir o caso; defesa pretende pedir impedimento do magistrado

Flávio Bolsonaro: defesa do senador entrou com mandado de segurança na Justiça para ter acesso aos autos (Pedro França/Agência Senado/Flickr)

Flávio Bolsonaro: defesa do senador entrou com mandado de segurança na Justiça para ter acesso aos autos (Pedro França/Agência Senado/Flickr)

AO

Agência O Globo

Publicado em 12 de junho de 2020 às 07h16.

Última atualização em 12 de junho de 2020 às 07h23.

O inquérito eleitoral que investiga se o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) cometeu os crimes de lavagem de dinheiro e falsidade ideológica eleitoral por incongruências em suas declarações de bens à Justiça Eleitoral passará das mãos do Ministério Público do Rio (MP-RJ) para as do Ministério Público Federal (MPF) no estado. A decisão é do juiz Flávio Itabaiana, titular da 204ª Zona Eleitoral, onde o caso tramita, e ocorreu o último dia 3, depois que o MP-RJ mudou sua posição anterior de dar prosseguimento às investigações. A defesa do senador entrou com mandado de segurança na Justiça para ter acesso aos autos.

Em março, a Polícia Federal, que participou das investigações, enviou à Justiça um relatório defendendo o arquivamento do caso. No início de maio, o promotor Alexandre Themístocles, titular do MP-RJ junto à 204ª Zona Eleitoral, discordou desse relatório, defendendo o prosseguimento das investigações e solicitando o apoio do Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção (Gaecc) do MP-RJ, cujos promotores atuam no caso das suspeitas de "rachadinha" no antigo gabinete de Flávio na Alerj. No fim do mês passado, porém, Themístocles reviu sua posição, pedindo o arquivamento do caso. Procurado, o MP não retornou. Com a decisão do juiz Itabaiana, o caso ficará com a 2ª Câmara Criminal do MPF.

A advogada Luciana Pires, que atua na defesa do senador disse, por nota, que entrou com um mandado de segurança no Tribunal Regional Eleitoral do Rio (TRE-RJ) para obter acesso aos autos. Ela afirma que o juiz tem "criado todas as dificuldades”. A defesa afirmou ainda que vai pedir o impedimento de Itabaiana para atuar nesse caso, sob o argumento de ele também ser o responsável pela apuração das suspeitas de rachadinha. O magistrado também é titular da 27ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça - no Rio, assim como em outras unidades da federação, juízes estaduais acumulam também o comando de juizados eleitorais.

Foi Itabaiana quem proferiu as decisões durante investigações do MP-RJ no caso da rachadinha, tendo autorizado, por exemplo, a quebra de sigilo bancário e fiscal de Flávio e outras 103 pessoas e empresas em abril e maio do ano passado. Em dezembro, ele também deferiu medidas cautelares que permitiram a busca e apreensão em endereços ligados a Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio, e a familiares de Ana Cristina Valle, ex-mulher do presidente Jair Bolsonaro, que foram funcionários do senador na época da Alerj.

O pedido de auxílio ao Gaecc tinha sido feito por Themístocles porque as duas investigações possuem objetos semelhantes — ambos os procedimentos tratam do patrimônio do senador.

Início da investigação sobre os bens

A investigação sobre as disparidades nas declarações de bens de Flávio Bolsonaro à Justiça Eleitoral foi iniciada em 2018, a partir de uma notícia-crime feita pelo advogado Eliezer Gomes da Silva. Ele apontou o fato de Flávio ter declarado em 2014 e 2016 ser proprietário de um apartamento no bairro de Laranjeiras, mas ter atribuído valores diferentes para o mesmo apartamento em cada ano. Ao disputar a reeleição na Alerj, em 2014, Flávio declarou o imóvel com valor de R$ 565 mil, mas quando disputou a prefeitura carioca em 2016 ele declarou R$ 423 mil — metade do patrimônio, que no total teria R$ 846 mil.

O delegado Erick Blatt, da PF do Rio, era o responsável pela investigação, que correu durante a gestão do ex-diretor-geral da PF Maurício Valeixo. No relatório do inquérito, em março, o delegado informou não ter encontrado indícios dos crimes. O GLOBO apurou que a PF concluiu o caso sem fazer quebras de sigilo fiscal e bancário.

O caso da rachadinha

As negociações imobiliárias de Flávio são investigadas pelo MP do Rio desde julho de 2018, a partir do relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que apontou uma movimentação atípica de R$ 1,2 milhão na conta de Fabrício Queiroz e repasses de assessores do gabinete de Flávio para ele. Ao pedir medidas cautelares à Justiça, no curso das investigações no ano passado, os promotores do Gaecc apontaram ter indícios de que o dinheiro supostamente obtido com a devolução dos salários seria usado na compra de imóveis.

Segundo os promotores, há nas operações de compra e venda de imóveis “lucratividade excessiva”. O imóvel que era alvo da PF também faz parte do procedimento do MP do Rio. No mesmo período em que a venda do apartamento se concretizou, um relatório do Coaf sobre Flávio mostrou que o senador fez 48 depósitos de R$ 2 mil totalizando R$ 96 mil ao longo de cinco dias em junho de 2017.

Disputa interna no MP

Na semana passada, O GLOBO mostrou que a procuradora de Justiça Soraya Taveira Gaya, do Ministério Público do Rio, pediu em 12 de maio a suspensão da investigação sobre a suspeita de “rachadinha” no antigo gabinete de Flávio na Alerj. Soraya não faz parte do grupo de promotores do Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção (Gaecc) que investiga o senador e seu ex-assessor Fabrício Queiroz por peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa.

O pedido ainda não foi apreciado pelo Tribunal de Justiça (TJ). Gaya emitiu o parecer depois que a defesa de Flávio fez um pedido semelhante em maio, solicitando que o tribunal suspendesse as investigações até a análise do mérito de um habeas corpus (HC) no qual o senador questiona a competência do juiz Flávio Itabaiana para determinar quebra de sigilo bancário e fiscal, além da busca e apreensão nas investigações. No HC pedido pela advogada Luciana Pires, a defesa sustenta que, como Flávio era deputado estadual no período dos fatos investigados, o juízo competente seria o Órgão Especial do TJ do Rio.

Nota da advogada Luciana Pires, que atua na defesa de Flávio Bolsonaro

“A defesa informa que o juiz tem criado todas as dificuldades inclusive para dar acesso aos autos à defesa, motivo pelo qual foi nesta data impetrado mandado de segurança. Esse comportamento deixa clara a parcialidade do magistrado que por motivos escusos tenta prejudicar a todo custo o senador. A defesa entende que o magistrado por ser o mesmo do caso do PIC que apura a ‘rachadinha’ encontra-se impedido de atuar na causa, o que será arguido no momento oportuno. Causa também estranheza esse comportamento atrelado ao fato de sua filha e o sócio dela trabalharem no governo do estado que como todos sabem é inimigo do Flávio Bolsonaro”.

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