Eduardo Pazuello, ministro interino da Saúde: Ministério parou de divulgar número total de mortos por coronavírus (Valter Campanato/Agência Brasil)
Estadão Conteúdo
Publicado em 7 de junho de 2020 às 10h41.
Última atualização em 7 de junho de 2020 às 20h00.
O Ministério Público Federal (MPF) abriu procedimento extrajudicial para apurar o atraso do Ministério da Saúde na divulgação dos dados sobre o novo coronavírus no Brasil.
Desde o boletim de sexta, 5, o governo federal deixou de apresentar o número total de mortes por covid-19 desde o início da pandemia, informação que sumiu do site oficial sobre a doença. Os balanços também passaram a ser publicados às 22h.
O caso chegou a fazer o Brasil sair temporariamente do ranking da Johns Hopkins University, que atualiza em tempo real os dados de coronavírus pelo mundo e virou referência mundial. A universidade usa os dados oficiais dos países.
A Procuradoria pediu esclarecimentos ao Ministério da Saúde sobre os fundamentos técnicos sobre o caso. O Ministério Público Federal também quer saber qual foi a urgência que motivou a retirada imediata do número de mortos do painel de vítimas do Covid-19 e por qual motivo técnico se faz necessária a revisão dos óbitos pela doença.
Os pedidos foram encaminhados ao ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, com prazo de resposta em até 72 horas.
A notícia de fato é assinada pelos procuradores Célia Regina Souza Delgado e Edilson Vitorelli Diniz Lima, da Câmara de Direitos Sociais e Fiscalização de Atos Administrativos. Nesta etapa, a Procuradoria realiza apurações após notar indícios de atos ilícitos. Ao abrir o procedimento, os procuradores destacaram trechos da Lei de Acesso à Informação (LAI) sobre a obrigação de transparência sobre dados públicos e as punições a omissão, e a lei sobre improbidade administrativa.
A investigação da Procuradoria ocorre paralela a pedido da Defensoria Pública da União, que foi à Justiça Federal de São Paulo para obrigar o governo a apresentar os dados. Em outra frente, parlamentares da oposição ouvidos pela reportagem planejam entrar com ações no Supremo Tribunal Federal para garantir a transparência das informações da pandemia.
A omissão dos dados sobre mortos no novo coronavírus, segundo o governo, é porque eles não retratam o momento do País. A estratégia do Planalto é divulgar somente os números do dia, ignorando o acumulado desde o início da pandemia.
"A divulgação dos dados de 24 horas permite acompanhar a realidade do país neste momento e definir estratégias adequadas para o atendimento à população. A curva de casos mostram as situações como cenários mais críticos, as reversões de quadros e a necessidade para preparação", disse o presidente Jair Bolsonaro no sábado, 6.
Além do boletim, o site com os números de covid-19 no Brasil ficou fora do ar durante a noite de sexta até o final da tarde deste sábado, 6. Procurado, o Ministério da Saúde não informou a razão até o fechamento deste texto. A página exibiu apenas que estava em manutenção. Agora, o site não exibe mais os dados acumulados, divisões por Estado e não tem mais a possibilidade de download das informações.
O indicado para a secretária de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Carlos Wizard, afirmou que Estados e municípios estariam inflando o número de óbitos para obter benefícios fiscais, mas não apresentou nenhum embasamento sobre isso. Segundo ele, a informação teria sido repassada por uma equipe de inteligência militar do Ministério da Saúde. Ao Estadão, Wizard negou que o Planalto esteja querendo desenterrar mortos ao revisar critérios sobre óbitos por covid-19.
A iniciativa foi criticada pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde, que enxergou uma tentativa autoritária, insensível, desumana e anti-ética de dar inviabilidade aos mortos pelo coronavírus. "Não prosperará. Nós e a sociedade brasileira não os esqueceremos e tampouco a tragédia que se abate sobre a nação", disse o presidente da entidade, Alberto Beltrame.
O Tribunal de Contas da União (TCU), em parceria com os Tribunais de Contas Estaduais (TCEs), discutem a responsabilidade de fazer a consolidação de dados diários da covid-19. Já parlamentares da oposição e procuradores do Ministério Público Federal devem apresentar ações na Justiça contra o atraso na divulgação de dados.
A possibilidade de assumir a divulgação já foi discutida pelo ministro do TCU Bruno Dantas e pelo presidente da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), Fábio Nogueira.
A ideia é que os tribunais estaduais contatem Secretarias de Saúde estaduais, de modo a recolher as informações sobre a evolução da doença até as 18 horas de cada dia. A partir daí, esses dados seriam enviados ao TCU para consolidação e posterior divulgação das informações.
"O Estado tem obrigação com a sociedade de prestar informações verdadeiras em tempo hábil para que medidas e decisões sanitárias sejam tomadas, levando em consideração o quadro real do País", disse Bruno Dantas. "Os tribunais dos Estados podem fazer essas solicitações às secretarias estaduais. É uma ação cooperativa. O ideal era que o governo superasse os problemas que têm, já que a publicidade das informações é um dos cinco princípios da Constituição. Se o ministério divulgasse diariamente como vinha fazendo, não seria preciso. Mas, no momento em que as estatísticas desaparecem, as pessoas têm de ter acesso às informações."
Fábio Nogueira, presidente da Atricon, disse que não se trata de assumir o papel que é do governo, mas de garantir a prestação de um serviço fundamental à sociedade. "Estamos analisando como isso pode ser feito. Os TCEs estão à disposição para colaborar ."
No Congresso, partidos devem apresentar ações contra o governo no Supremo Tribunal Federal.
Para driblar o atraso na divulgação de dados da doença pela União, o líder da oposição na Câmara dos Deputados, deputado André Figueiredo (PDT-CE), também afirmou que apresentará na segunda-feira projeto de lei para determinar que os números de infectados e mortos pela covid-19 sejam repassados pelas secretarias estaduais à Câmara dos Deputados ao mesmo tempo em que são dados ao governo.