Ministério da Agricultura: pasta está sendo criticada por ser a responsável por definir a demarcação das terras indígenas (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Estadão Conteúdo
Publicado em 24 de junho de 2019 às 14h31.
São Paulo — A Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal manifestou "perplexidade" com a decisão do governo federal de devolver a demarcação de terras indígenas ao Ministério da Agricultura.
Para o órgão da Procuradoria, a medida é um "desrespeito ao processo legislativo, afrontando a separação de poderes e a ordem democrática" ao reeditar matéria já rejeitada pelo Congresso Nacional.
A nota da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais, assinada por seu coordenador, o subprocurador-geral da República Antônio Carlos Bigonha, foi divulgada na última quarta-feira (19), o mesmo dia em que a Medida Provisória (MP) 886 foi publicada.
O texto do governo Bolsonaro indica que a "identificação, o reconhecimento, a delimitação, a demarcação e a titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos e das terras tradicionalmente ocupadas por indígenas" é de competência da pasta chefiada pela ministra Tereza Cristina.
A Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais indicou que a nova MP reitera uma disposição existente na Medida Provisória 870, texto editado por presidente da República em seu primeiro dia de governo.
No entanto, essa disposição foi rejeitada pelo Congresso Nacional em maio, quando a comissão de deputados e senadores que analisava a medida provisória da reforma ministerial aprovou, por 15 votos a 9, a transferência da delimitação de terras indígenas para a Funai e a volta do órgão ao Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Para a Procuradoria, a nova MP do governo federal "viola a Constituição, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), além de desrespeitar o processo legislativo".
"A reedição, em uma 'mesma sessão legislativa', de medida provisória que tenha sido rejeitada ou tenha perdido a eficácia é proibida", destacou o subprocurador-geral da República Antônio Carlos Bigonha.
O texto menciona três decisões da Suprema Corte acerca da "violação do Princípio da Separação de Poderes e transgressão à integridade da ordem democrática" em casos semelhantes de edição de Medidas Provisórias.
Bigonha ressaltou que a Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais já havia defendido, em nota técnica, a inconstitucionalidade da Medida Provisória 870.
De acordo com a Procuradoria, o órgão indicou que, ao transferir a demarcação de terras para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, a MP 870 "colocava em conflito os interesses dos indígenas com a política agrícola da União e com as atribuições do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, com prejuízo para os povos originários".