Rieli Franciscato: um dos indigenistas mais respeitados da Funai (Arquivo pessoal/Reprodução)
Da Redação
Publicado em 11 de setembro de 2020 às 09h16.
Última atualização em 11 de setembro de 2020 às 15h33.
A morte nesta semana do indigenista Rieli Franciscato, coordenador de uma das frentes da Fundação Nacional do Índio (Funai), é resultado do cenário nebuloso de preservação ambiental e das ameaças aos indígenas brasileiros, disseram pesquisadores após a tragédia.
O indigenista tomou uma flechada no peito nesta quarta-feira após encontrar com índios conhecidos como “Isolados do Cautário”, no município de Seringueiras, em Rondônia. Franciscato era um dos membros mais respeitados da Funai e liderava a Frente de Proteção Etnoambiental Uru-Eu-Wau-Wau.
A região é palco de conflitos e disputa por terra. Em participação no podcast da Unesp (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho), a pesquisadora indigenista Maíra Ribeiro disse que o grupo de indígenas vinha se aproximando desde junho de uma comunidade rural no município.
"Essa atividade incomum do grupo ligou o alerta de que estes podiam estar fugindo das ameaças ao seu território, como grilagem de terra, garimpo, extração de madeira e pesca ilegal", diz Ribeiro, que é pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Territorial na América Latina e Caribe da Unesp.
Segundo os relatos divulgados após sua morte, Franciscato foi ao local depois de receber chamados de moradores, que afirmaram que os índios isolados estavam se aproximando do município. O objetivo era tanto proteger os moradores quanto evitar algum tipo de contato em meio à pandemia, uma vez que as comunidades indígenas isoladas estão entre as mais vulneráveis à covid-19.
"Rieli vinha atuando para evitar possíveis conflitos entre o grupo de isolados e as comunidades no entorno da terra indígena. O mais provável é que os isolados, acuados, flecharam Rieli confundindo aquele que estava ali para protegê-los com os que os estavam ameaçando", diz Ribeiro.
A terra Uru-Eu-Wau-Wau foi considerada a terra indígena mais ameaçada por desmatamento na Amazônia Legal, segundo dados do monitoramento do Imazon, o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia. Segundo o Imazon, das dez áreas protegidas na Amazônia que mais sofrem pressão por desmatamento, metade são áreas indígenas.
Ribeiro, da Unesp, afirma que as invasões a esse território são anteriores à sua demarcação e remontam ao processo de colonização de Rondônia. "Desde 2018, as invasões por grileiros vêm se intensificando, bem como os conflitos decorrentes", diz.
Um episódio que marcou de vez o ataque aos indígenas locais foi o assassinato da liderança Ari Uru-Eu-Wau-Wau, em abril deste ano. Líderes da tribo afirmaram na ocasião que as falas do governo contra os povos indígenas estimulam as invasões.
O ex-presidente da Funai, Sydney Possuello, acusou em nota que o ocorrido com Rielli é reflexo do descaso do governo e das declarações do presidente Jair Bolsonaro, além da atual liderança da Funai. Possuello diz ainda que, na ocasião de sua morte, "Rieli pediu auxilio à Policia por que não tinha funcionários para acompanhá-lo".
“Recebi agora a notícia do falecimento do sertanista, meu companheiro e amigo Rieli Franciscato. A circunstância de sua morte demonstra o descaso e a irresponsabilidade do governo Bolsonaro com relação às questões que envolvem os índios e os funcionários das Frentes de Proteção Etnoambiental, que são a vanguarda dos trabalhos na selva", diz.
Franciscato era uma referência na Funai e considerado um dos maiores indigenistas em atividade. Uma associação de servidores da Funai, a Indigenistas Associados, emitiu nota afirmando que o falecimento de Rieli "infelizmente traz a nós, Indigenistas Associados, um lembrete amargo de que é urgente que se fortaleça a atuação da Funai e a segurança de seus servidores em campo, que, assim como Rieli, em diversos momentos, arriscam suas vidas para assegurar o bem-estar dos povos indígenas que atendem".
A atual gestão da Funai lamentou oficialmente a morte do servidor e diz que acompanha o caso. Segundo informações da agência O Globo, não havia até o momento do contato nesta quinta-feira nenhuma ação planejada pelo órgão para tentar impedir um conflito maior na região.
“Rieli dedicou a vida à causa indígena. Com mais de três décadas de serviços prestados na área, deixa um imenso legado para a política de proteção desses povos”, diz nota assinada pelo coordenador-geral de índios isolados e de recente contato da Funai, Ricardo Lopes Dias.
A gestão de Dias à frente da Funai é criticada por movimentos indígenas, que o acusam de inércia diante da pandemia de covid-19 e de trazer riscos para as comunidades por seu envolvimento com missionários.
Ivaneide Cardoso, da ONG Kanindé, disse em entrevista ao jornal Rondônia Ao Vivo que teme que a comunidade passe a ver grupos isolados como inimigos. “Peço que a população tenha calma e não chegue perto deles e que a Funai proteja a área. São índios isolados que não sabem quem é amigo ou inimigo", disse. "Pedimos calma e que evitem o conflito. Os índios não são os inimigos."
(Com Agência O Globo)