Protesto no Rio de Janeiro contra o genocídio da população negra (Pilar Olivares/Reuters)
Clara Cerioni
Publicado em 5 de junho de 2020 às 10h10.
Última atualização em 5 de junho de 2020 às 15h19.
O menino Miguel Otávio Santana da Silva, de 5 anos, morreu após cair do 9º andar, em uma altura de cerca de 35 metros, do Edifício Píer Maurício de Nassau, condomínio de luxo no bairro de São José, no Recife, onde a mãe dele trabalhava como empregada doméstica.
A patroa, que não teve nome divulgado, foi autuada por homicídio culposo (sem intenção de matar). Presa em flagrante, foi conduzida à Polícia Civil, onde pagou 20 mil reais em fiança. Segundo a polícia, a mulher agiu com negligência e deverá responder ao processo em liberdade. O prazo para concluir a investigação é de 30 dias, a depender das apurações.
Ontem, a empregada doméstica Mirtes Renata Souza, mãe de Miguel, declarou à TV Globo que era funcionária do prefeito de Tamandaré (PE), Sérgio Hacker (PSB), e da mulher dele, Sari Corte Real, que teria sido a responsável por cuidar de Miguel enquanto a mãe passeava com o cachorro.
A informação não foi confirmada pela Polícia Civil nem pela prefeitura de Tamandaré.
“Ela confiava os filhos dela a mim e a minha mãe. No momento em que confiei meu filho a ela, infelizmente ela não teve paciência para cuidar, para tirar (do elevador). Eu sei, não nego para ninguém: meu filho era uma criança um pouco teimosa, queria ser dono de si e tudo mais. Mas assim, é criança. Era criança”, disse a mãe do garoto.
Inconformada com o andamento da investigação, Amanda Kathllen da Costa, sobrinha de Mirtes Renata, está organizando um protesto para cobrar justiça pelo caso. A manifestação está marcada para hoje às 15 horas, em frente ao edifício.
“Disseram que foi acidente, a gente estranhou o fato de não ter as imagens (de câmeras do elevador), só mostraram Miguel saindo do elevador. Depois, veio a imagem da patroa que colocou ele sozinho no elevador, porque Miguel aperreou querendo a mãe dele. Ela apertou o (botão do) elevador, deixou sozinho e aconteceu essa fatalidade”, diz Amanda.
“Imagina se fosse minha tia fazendo o contrário.” Amanda também confirmou que Mirtes trabalhava para Sérgio Hacker e Sari Corte Real.
Desde a noite desta quinta-feira, 05, o "caso Miguel", como tem sido chamado nas redes sociais, ganhou repercussão, ampliando o debate sobre o racismo estrutural no Brasil.
Um abaixo-assinado online para pressionar Polícia Civil de Pernambuco e o Ministério Público viralizou também em muitos perfis americanos, impulsionado pelos protestos que tomam as ruas dos EUA contra a brutalidade policial.
"A vida dele importa e vale muito mais que 20 mil reais de fiança! Cobramos por justiça e para que os responsáveis paguem pelo crime. #JustiçaPorMiguel", diz o texto do abaixo-assinado que já tem mais de 1,5 milhão de assinaturas.
A própria mãe do menina, na entrevista à TV Globo, questionou: "Se fosse eu, meu rosto estaria estampado, como já vi vários casos, na televisão".
Diversos artistas se posicionaram nas redes sociais também pedindo justiça pela morte do menino. A cantora Iza questionou se a situação fosse ao contrário.
A história do Miguel infelizmente é uma tragédia real. Enquanto Mirtes, a mãe, carrega a maior dor possível nas costas, Sarí, a patroa, paga fiança e está livre para voltar pra casa. E SE FOSSE AO CONTRÁRIO? #JustiçaPorMiguel #VidasNegrasImportam
— IZA (@IzaReal) June 4, 2020
Já a influenciadora Stephanie Ribeiro escreveu que "é provável que a mãe seja mais prejudicada que a patroa nessa história, provavelmente ficará sem trabalho, sem renda".
https://twitter.com/RibSte/status/1268631890262622215
A atriz e apresentadora Tatá Werneck publicou uma foto no Instagram, questionando "em que mundo é normal colocar uma criança de 5 anos sozinha no elevador para que ela procure a mãe?".
O ator Bruno Gagliasso também se posicionou: "Todos os dias nos sobram perguntas. As respostas estão na cara. Na pele".
Que #justiçapormiguel é possível? Como se faz pra tirar a dor dessa mãe? Dessa família? Por que essa mulher estava TRABALHANDO em meio à pandemia?
Todos os dias nos sobram perguntas. As respostas estão na cara. Na pele.
— Bruno Gagliasso 🌊 (@brunogagliasso) June 4, 2020
Conforme informou a Polícia Civil, a criança caiu do edifício após ter sido deixada pela mãe, Mirtes Renata Souza, sob responsabilidade da patroa, enquanto saía para passear com o cachorro da família para quem trabalhava.
Em imagens de câmeras de segurança do prédio obtidas pela TV Globo, é possível ver a patroa falar com a criança e, por fim, permite que o menino entre sozinho no elevador. Conforme a gravação, ela chega a aproximar a mão do botão do elevador onde ficam os andares mais altos do prédio, antes que a porta se feche.
“A gente observa que ela (a patroa) aperta um outro andar superior ao apartamento em que residia e a criança acaba, de forma inesperada pela investigação, a ficar só no elevador. Ela sobe, para no primeiro andar e depois, ao abrir a porta do 9º andar, desembarca”, disse o delegado da Delegacia Seccional de Santo Amaro, Ramon Teixeira.
O delegado afirma que a morte, em decorrência da queda, foi acidental. “O que restava identificar era a responsabilidade de alguém pelo fato de aquela criança ter ficado só.”
“Sendo a morte resultado de um homicídio culposo, um crime para o qual a nossa legislação confere o arbitramento de fiança, é um direito subjetivo da pessoa autuada, pelo menos juridicamente falando, e o arbitramento da fiança no valor de 20 mil reais, quando pago, nos fez conceder a liberdade provisória”, concluiu o delegado.