Imagem de câmera de segurança mostra momento do crime contra bebê indígena em Santa Catarina (Reprodução)
Da Redação
Publicado em 9 de janeiro de 2016 às 18h12.
Chapecó e Florianópolis -- Em julho, os caingangues do oeste de Santa Catarina vão trocar a festa do terceiro aniversário de Vitor Pinto por um rito em homenagem aos mortos. Até lá, seus pais, Sônia, de 27 anos, e Arcelino, de 42, esperam ver a condenação de um assassino.
Mas a morte do menino de 2 anos, degolado com uma lâmina no pescoço no dia 30, por um homem que fingiu afagar seu rosto enquanto sua mãe o amamentava na rodoviária de Imbituba, é vista pela comunidade indígena como mais um marco em sua trajetória de perdas e de abandono pela sociedade.
"Ser índio no Sul é, na versão hardcore do senso comum, ser vagabundo; é contar com a tutela generosa da Fundação Nacional do Índio (Funai). Só quando viram que os próprios índios começaram a se movimentar é que o caso foi ganhando visibilidade, até pelo descaso", afirma Leonel Piovezana, professor dos Programas de Mestrado em Políticas Sociais e Dinâmicas Regionais e de Educação da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (SC).
Natural da Aldeia Condá, em Chapecó, a família tinha ido para o litoral, onde há mais movimento no verão, para vender o artesanato da tribo, como faz todo fim de ano.
"Não somos bandidos, somos trabalhadores. Temos de fazer o que sabemos, o que é da nossa cultura, como o balaio e o artesanato para vender. É uma questão de sobrevivência", afirma a avó de Vitor, Teresa, com olhar perdido, e lágrimas no rosto, após cerimônia pelo sétimo dia da morte.
Acostumada com a presença da criança pela casa, a senhora que nem lembra a própria idade - "Acho que tenho 70 anos" -, quando soube do assassinato do neto pensou até em abandonar a casa. Os pais de Vitor, que tinham desembarcado na rodoviária um dia após o Natal, também ainda vivem "em choque".
Se as vendas fossem boas, iriam adquirir uma geladeira. O máximo que conseguem por mês na temporada é R$ 800, a serem poupados para o inverno. Arcelino trabalhava em outra praia e soube do crime pela TV. Quando chegou à rodoviária, viu os chinelinhos e brinquedos de Vitor espalhados. Sônia vagava de um lado para o outro, sozinha, na chuva. Na rodoviária, sem abrigo ou apoio, permaneceram até a manhã seguinte.
Na semana passada, enquanto os pais estavam em Imbituba ajudando nas investigações, Teresa e o irmão mais velho de Vitor, Alzemiro, de 19 anos, zelavam pelo menino no sétimo dia. "Não ficou nenhuma lembrança dele. Toda criança tem uma foto, mas o Vitor, não. Nem no celular", diz a senhora, enquanto percebe que até os cachorros pisaram na "catacumba" do neto. "Descaso", diz.
Insegurança e demarcação
De acordo com o coordenador substituto da Funai em Chapecó, Clóvis Silva, todos os anos os índios saem após o período das aulas com as crianças para vender artesanato.
O conselheiro da Aldeia Condá, Miguel Sales, disse que agora estão com medo de ir até a cidade. "Pelo que se vê hoje, estamos abandonados. Não podemos vender nossos produtos nem nos dão condições para isso. O Ministério Público sempre diz que vai ajudar por meio de parceria com a prefeitura, mas isso nunca sai do papel.
Combinaram de a cada oito dias levar cinco a dez índios para a cidade em um carro oficial, mas ainda não colocaram em prática", disse ele. Para Sales, se a Justiça demarcasse logo as terras, não haveria tantas disputas e brigas.
Os indígenas não se conformam com a versão policial da morte do menino, que desconsidera crime étnico. Eles não desconectam a brutalidade da sua realidade de outra história por trás do assassinato de Vitor: a busca pelo espaço indígena na região.
Segundo o historiador Clóvis Brighenti, desde 1940 eles vêm sendo expulsos do seu território até por servidores que deveriam protegê-los. Com o território expropriado, os caingangues da Condá viviam abrigados em barracos de lona no centro até a década de 1990.
Nessa época, muitos foram espancados por moradores. A repulsa da sociedade fez com que fossem removidos para o local atual. A aldeia tem 2.300 hectares e fica na zona rural. Cerca de 800 pessoas vivem lá.
O isolamento fez muitos nem sequer aprenderem o português. Eles falam em Jê. Apesar dos movimentos de proteção, a violência continua brutal, segundo o Conselho Missionário Indigenista.
A Funai está pleiteando sete terras na região. "São três tribos no Sul do País", justificou Silva. Já Piovezana considera que o fim da disputa se encontra na mão do governo porque a organização e aproveitamento da terra está na mão "de quatro cinco pessoas", enquanto 85% dos indígenas estão sem terra.