(Criar Brasil/ Youtube/Reprodução)
Agência de notícias
Publicado em 15 de maio de 2023 às 16h38.
Morreu neste domingo, aos 70 anos, o juiz Theodomiro Romeiro dos Santos, conhecido por protagonizar a primeira condenação à morte na história da República, no dia 18 de março de 1971, durante a ditadura militar, quando ouviu a sentença de um conselho especial da Justiça.
A causa de sua morte não foi divulgada.
O guerrilheiro nasceu em Natal, no Rio Grande do Norte, e entrou na luta contra a ditadura aos 14 anos. Quando ouviu do tribunal a sentença de morte, seu semblante permaneceu sereno, como descreveu a edição do GLOBO na época. Ele contou mais tarde que tinha certeza de que sua pena seria atenuada.
Oito anos depois, fugiu da Penitenciária Lemos Brito, foi morar na França com a sua família e, após retornar ao Brasil, tornou-se juiz do Tribunal Regional do Trabalho.
Em 2016, passados 45 anos da condenação diante de uma mesa cheia de homens fardados, sua história na guerrilha foi contada no documentário “Galeria F”, de Emília Silveira.
Aposentado em 2012, após quase 20 anos atuando como magistrado em Pernambuco, Theodomiro ocupou a titularidade de varas da Justiça do Trabalho em cidades como Catende, Cabo, Salgueiro e Serra Talhada. Entre 2000 e 2004, foi presidente da Associação de Magistrados Trabalhistas (Amatra VI).
Na reportagem do GLOBO informando sobre a condenação, o procurador Antônio Brandão de Andrade disse que a sentença serviria de exemplo “aos agentes de Moscou e de Cuba que elegeram a violência e o terror como tônica de seu inconformismo e como advertência aos maus brasileiros”.
Apesar de jovem, Romeiro era um preso importante. Em janeiro de 1971, ele estava na lista de 70 presos políticos que os sequestradores do embaixador suíço Giovani Bucher queriam libertar em troca da soltura do diplomata. Mas o governo não aceitou, exigindo que o nome do potiguar fosse substituído para continuar às negociações.
Na época estudante, Theodomiro estava no Dique do Tororó, em Salvador, com dois de seus companheiros de luta armada, quando um jipe chegou junto deles fritando os pneus no asfalto. Naquela terça-feira, 27 de outubro de 1970, três agentes da ditadura militar desceram do carro e, sem se identificar, foram logo imobilizando o trio.
Eles conseguiram algemar Romeiro a seu amigo Paulo Pontes, mas o terceiro guerrilheiro, Getúlio Cabral, saiu correndo pela Avenida Vasco da Gama. Os dois detidos foram, então, rapidamente enfiados no jipe, que partiu em perseguição. Ao encurralar o fugitivo, porém, os agentes desviaram sua atenção dos presos.
Ao perceber a distração, Romeiro abriu sua pasta e tirou um revólver de dentro. Quando viu que os inimigos saíam do carro apontando as armas, ele disparou, matando o sargento Valter Xavier de Lima, da Aeronática, e ferindo um policial federal. Cabral escapou, mas os outros ficaram detidos.
Nas semanas seguintes, o jovem integrante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) foi torturado de várias formas, em sessões que duravam horas, primeiramente na sede da Polícia Federal na capital baiana e, em seguida, no Forte do Barbalho.
Num depoimento, o potiguar conta que atirou nos agentes porque viu que seu amigo seria alvejado. Em seguida, ele foi desarmado e não morreu por pouco. Um militar apontou a pistola enquanto outro dizia: “Mata! Mata!”. Diante da hesitação, este segundo agente tomou a arma e fez que ia disparar, mas também desistiu: “Vamos para a delegacia”, disse.
Nas semanas seguintes à captura, Theodomiro foi torturado sem piedade. Ele ficou com uma contusão permanente na coluna, de tanto tempo que passou pendurado no pau-de-arara. E também com um problema crônico no joelho, alvo de violentas pancadas de cassetete.
Romeiro sofreu ainda choques elétricos, afogamentos e passou 33 dias na solitária, no Forte do Baralho. Seus olhos foram queimados com éter. Pensou várias vezes que morreria ali.
Ironicamente, ele só ficou tranquilo quando soube de um carcereiro que seria condenado à morte. Deduziu que, se iria a julgamento, então não seria executado na prisão. Além disso, como era estudante e não tinha antecedentes criminais, havia grandes chances de sua pena ser atenuada.
No dia de sua fuga, o ex-combatente saiu andando pela porta da Penitenciária Lemos Brito, em Salvador, antes de se meter pelo interior da Bahia, mudando de carros e esconderijos até conseguir asilo no exterior. O documentário “Galeria F” refaz esse trajeto com o próprio Romeiro, acompanhado do primogênito.
A fuga e a caçada que se seguiu foram amplamente divulgadas por jornais, rádios e emissoras de TV. O guerrilheiro do PCBR só descansou quando conseguiu exílio, após meses escondido. Ele foi para o México, onde ficou apenas dez dias, antes de se mudar para a França.
Romeiro viveu em Villemomble, no Sul do país, até 1985. Ao longo desses anos, trabalhou como pintor de parede e metalúrgico. Quando sua condenação expirou, ele voltou ao Brasil, quinze anos após o tiroteio no Dique do Tororó, e foi recebido com festa por amigos e apoiadores.
O potiguar se estabeleceu em Recife, onde trabalhou na Companhia Energética de Pernambuco (Celpe) e na Justiça Federal, após ser aprovado em concurso. Formou-se em Direito e fez um novo concurso, desta vez para juiz do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 6ª Região (Pernambuco)
Theodomiro deixa quatro filhos. Bruno, Fernando Augusto e Mário são fruto de seu primeiro casamento. Seus nomes são homenagens a amigos guerrilheiros mortos pela repressão. Já a filha caçula, Camila, é filha de sua última esposa, Virgínia Lúcia. Seu velório e enterro acontecem no Cemitério Morada da Paz, nesta segunda-feira, às 14h.