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Em coletiva, Moro explica divergências com Bolsonaro e lista propostas

Em primeira entrevista após aceitar ser ministro da Justiça, juiz disse que a ideia de que prisão de Lula é perseguição política é "álibi falso"

Moro: o futuro ministro da Justiça apresentou suas perspectivas para sua gestão frente à pasta (Daniel Derevecki/Reuters)

Moro: o futuro ministro da Justiça apresentou suas perspectivas para sua gestão frente à pasta (Daniel Derevecki/Reuters)

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Clara Cerioni

Publicado em 6 de novembro de 2018 às 16h21.

Última atualização em 6 de novembro de 2018 às 20h21.

São Paulo — Na primeira entrevista coletiva após aceitar assumir o Ministério da Justiça e da Segurança Pública no governo de Jair Bolsonaro (PSL), o juiz Sérgio Moro disse nesta terça-feira (6) que buscará um meio-termo com o presidente eleito em relação a propostas onde há divergências.

Ele evitou discordâncias frontais em temas como redução da maioridade penal, ditadura militar e armamentos, enfatizando, por exemplo, que o confronto policial deve ser um último recurso no combate ao crime.

O futuro ministro não chegou a pronunciar o nome de Bolsonaro em nenhum momento, se referindo a ele com termos como "presidente eleito".

Moro também negou que esteja colocada qualquer possibilidade de medidas discriminatórias contra minorias ou de ameaças à democracia e à liberdade de expressão.

Segundo Moro, a pauta de atuação no ministério ainda está em processo de elaboração e será apresentada em breve.

Moro antecipou que elas incluem as chamadas 10 medidas contra corrupção, propostas de forma conjunta pela Transparência Internacional e a Fundação Getúlio Vargas (Direito Rio e Direito São Paulo).

O futuro ministro também citou uma série de medidas como a alteração nas regras de prescrição de alguns crimes, uma definição clara da execução da pena em segunda instância, a proibição de progressão de pena quando houver prova de ligação com organizações criminosas, a proteção de denunciantes anônimos, a regulação mais clara de operações com policiais disfarçados e o controle das comunicações de presos em penitenciárias de segurança máxima.

Ele destacou que sua decisão de fazer a coletiva, que durou quase duas horas, foi uma "homenagem ao trabalho que a imprensa realizou em toda a Operação Lava Jato" e descartou concorrer a cargos eletivos.

Veja todos os principais pontos tratados na coletiva:

Equipe no Ministério

Questionado sobre sua equipe, Moro disse que ainda não divulgará nomes mas que a lista pode incluir  integrantes da Operação Lava Jato.

"Alguns nomes estão em mente e serão sondados, mas ainda não sei se divulgaremos de uma vez ou paulatinamente", afirmou.

Lula

O futuro ministro negou que a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenha tido relação com a corrida eleitoral. Segundo ele, a ideia de que Lula é um preso político é um "álibi falso"

"O ex-presidente foi condenado e preso porque cometeu um crime e não por conta das eleições", disse Moro.

Ele citou já em sua fala inicial que foram presos políticos de vários partidos e posições no espectro político e ao longo de vários anos.

Segundo Moro, sua decisão “não é um projeto de poder, é de fazer a coisa certa” para "afastar a sombra de retrocessos” no combate à corrupção.

Questionado sobre duas decisões recentes tomadas já em meio a campanha eleitoral, a quebra do sigilo da delação de Antonio Palocci e o adiamento do depoimento de Lula, o juiz afirmou que elas seguem o "histórico da Operação no sentido de que nós sempre demos os fatos e as provas a máxima publicidade".

Aceite para ser ministro

Moro disse que seu primeiro encontro com Bolsonaro foi na sexta-feira passada (01) no Rio de Janeiro, quando ele aceitou o convite para ser ministro.

No entanto, ele afirmou que foi procurado já no dia 23 de outubro por Paulo Guedes, o futuro ministro da Economia.

"Na semana antecedente ao segundo turno, fui procurado por Guedes para uma sondagem. No dia, eu adiantei qual era meu entendimento sobre o Ministério e disse que só poderia tratar disso depois das eleições", afirmou.

Moro também disse que a interpretação de sua ida para um cargo do governo Bolsonaro como uma espécie de recompensa é "totalmente equivocada".

Segundo, Moro sua atuação será "eminentemente técnica" e não há "nenhuma pretensão" de concorrer a cargo eleitoral.

Ele disse que entre os motivos para aceitar o cargo estavam uma “dúvida perturbadora” se a Lava Jato seria exceção na história do país ou uma mudança de patamar no tratamento da impunidade.

Desarmamento

Bolsonaro tem como uma de suas marcas registradas o gesto da arma com as mãos e uma das suas principais promessas de campanha foi a flexibilização do Estatuto do Desarmamento.

O futuro ministro da Justiça disse que essa pauta foi discutida com o presidente eleito e destacou que há uma diferença entre posse e porte.

“Existe uma plataforma na qual ele se elegeu que prega a flexibilização da posse. Dentro dessa plataforma, seria inconsistente agir de maneira contrária, mas externei ao presidente que liberação excessiva pode ser utilizada como fonte de armamento para organizações criminosas", reforçou.

Relação com Bolsonaro

Em relação a possíveis conflitos entre o presidente eleito e o futuro ministro, Moro disse que Bolsonaro "pareceu um homem bastante sensato, ponderado” e completou que tem ciência de sua "posição subordinada".

Além disso, garantiu que não vê nenhum risco à democracia ou ao estado de direito nas falas do presidente: "Ele moderou o discurso".

Vaga no STF

Uma das especulações do aceite de Moro para o Ministério da Justiça é a de que ele mira uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF), em 2020, para assumir a cadeira de Celso de Mello que irá se aposentar.

Moro elogiou a atuação de Celso e disse que por causa disso não se sente "confortável" em discutir o assunto.

Atuação das polícias

O juiz também foi questionado da ideia de Bolsonaro de criar um "excludente de ilicitude" para que policiais não sejam responsabilizados por mortes em confrontos.

Moro disse que a situação já está contemplado na atual legislação nas categorias de "legítima defesa" e "estrito cumprimento da obrigação legal", mas que "terá que ser avaliado se é necessária uma regulação melhor".

Moro disse que o enfrentamento tanto da corrupção quanto do crime organizado não passa, necessariamente, pelo confronto policial.

“A boa operação policial é quando ninguém se machuca e todos devem ter direito a igual proteção da lei, maiorias e minorias”, disse. Segundo ele, "não existe possibilidade de politicas discriminatórias".

Discurso contra minorias

Moro pontuou que “crimes de ódio são intoleráveis” e que se for necessário a Polícia Federal poderá ser mobilizada para solucioná-los. Há dezenas relatos associando apoiadores de Bolsonaro a violências verbais e físicas contra minorias já no período eleitoral.

Questionado em outro momento sobre como será sua atuação com o presidente, seus eleitores e membros do Congresso que fazem discursos de ódio com minorias, como LGBT, negros e mulheres, Moro disse que "não há propostas na mesa para tirar nenhum direito dos brasileiros".

"A partir de 2019, todas as minorias poderão ser quem são, tranquilamente. Existe alguma politica persecutória contra homossexuais ou homoafetivos? Não existe. Existe uma possibilidade disso? Zero", garantiu.

Sobre as famosas falas Bolsonaro em relação a "fuzilar a petralhada" e "ser incapaz de amar um filho gay", o juiz disse que o presidente eleito "pode ter feito declarações não muito felizes no passado."

Marielle Franco

Em relação ao assassinato da ex-vereadora do PSOL do Rio de Janeiro, Marielle Franco, o futuro ministro da Justiça diz que assim que assumir o cargo vai se inteirar das investigações para encontrar os responsáveis.

Lei Antiterrorismo

Outra proposta controversa de Bolsonaro é a ampliação da lei antiterrorismo para englobar movimentos sociais como o MST.

Para Moro, as pessoas têm liberdade de manifestação e expressão e "isso não é diferente com movimentos sociais".

"Qualificá-los como uma espécie de organização terrorista não é consistente, mas isso não significa que devem ser tratados como inimputáveis”, disse.

Ele acrescentou, ainda, que em "nenhum momento se tem a intenção de criminalizar os movimentos sociais."

Maioridade penal

Sobre a redução da maioridade penal, o juiz sinalizou que pode apoiar a proposta de redução dos 18 para os 16 anos para crimes graves. "Envolvimento com morte e casos de estupro. Um tratamento diferenciado para crimes assim parece bastante razoável”, revelou. 

Juíza substituta

Moro também falou sobre Gabrielle Hardt, a juíza que o substitui de forma interina na Operação Lava Jato. Ele disse que ela é "absolutamente preparada (...) competente, integra, que não surgiu agora”.

Ministérios com investigados

O futuro ministro também foi questionado sobre investigações relacionadas a outros membros da equipe em formação, como o próprio Guedes.

Segundo Moro, ele não "conhece essas investigações e o que se encontram nelas", mas até onde sabe “são incipientes e não acho possível emitir qualquer espécie de juízo de valor” no momento.

Ele acrescentou que o que o presidente eleito disse expressamente, na conversa dos dois, "é que ninguém será protegido de nada”.

Escola sem Partido

Moro foi questionado sobre o projeto de lei Escola sem Partido e as sugestões de Bolsonaro de que professores sejam gravados em sala de aula para combater uma suposta doutrinação ideológica.

“Em principio essa é uma questão da pauta de Educação e não da Justiça”, disse Moro, assumindo "compromisso pessoal de não opinar em assuntos relativos a outras pastas”. No entanto, destacou que “se o Ministério for questionado, vou externar a minha posição”.

Caixa 2 de Lorenzoni

Um dos braços-direto do presidente eleito e futuro ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni admitiu que recebeu 100 mil reais em caixa 2 da JBS. 

Em relação a isso, Moro disse que ele mesmo "admitiu o erro, pediu desculpas e tomou providências para repará-lo".

"Tenho grande admiração pelo Lorenzoni, por ter sido relator do projeto das 10 medidas contra corrupção. Ele foi um dos poucos deputados que defendeu aprovação mesmo sofrendo ataques severos dos colegas", afirmou.

Indígenas, imigrantes e fronteiras

Moro também foi questionado sobre sua relação com outros temas da alçada do Ministério da Justiça que escapam às suas prioridades declaradas, de combate à corrupção e ao crime organizado. O futuro ministro não entrou em detalhes, mas garantiu que "nenhuma dessas áreas será negligenciada".

Venezuela

Em relação ao fluxo de refugiados venezuelanos, o juiz se disse contra o fechamento da fronteira com o país vizinho.

"Minha posição é a mesma que a de outros membros [do governo]: não é possível fechar a fronteira, não é uma solução viável."

Ditadura

Perguntado sobre as posições de Bolsonaro em defesa do regime militar, Moro respondeu: "Meus olhos estão voltados para 2019 e não vejo essa discussão como salutar nesse momento. Não estou assumindo o ministério para discutir os fatos da década de 60".

O juiz disse que sua percepção é que "existe uma certa insatisfação no meio militar, como se eles tivessem feito aquilo [a Ditadura] sozinhos”.

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