André Mendonça: ministro da Justiça negou que a pasta investigue pessoas identificadas como integrantes de movimentos antifascistas (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
Agência O Globo
Publicado em 6 de agosto de 2020 às 21h10.
Última atualização em 7 de agosto de 2020 às 17h13.
Em ofício enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro da Justiça, André Mendonça, negou que a pasta investigue pessoas identificadas como integrantes de movimentos antifascistas. Mas, ao comentar as atividades do serviço de inteligência da pasta, acusado de monitorar essas pessoas, Mendonça argumentou que elas devem ser mantidas sob sigilo, não podendo ser compartilhadas nem mesmo com o Judiciário. No documento, o ministro fez uma distinção entre atividade de inteligência e investigação criminal.
"A investigação criminal tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais. A Atividade de Inteligência, por seu turno, dedica-se a produzir conhecimentos para assessorar o processo decisório das autoridades públicas. Assim, é dever dizer que não há qualquer procedimento investigativo instaurado contra qualquer pessoa específica no âmbito da SEOPI [Secretaria de Operações Integradas do Ministério da Justiça], muto menos com caráter penal ou policial. Noutras palavas, não compete à SEOPI produzir 'dossiê' contra nenhum cidadão e nem mesmo instaurar procedimentos de cunho inquisitorial", diz trecho do documento.
Mendonça enviou o ofício em resposta a uma decisão da ministra Cármen Lúcia, do STF. Ela determinou que o Ministério da Justiça prestasse esclarecimentos sobre a existência de um relatório de inteligência produzido pela Seopi sobre 579 pessoas identificadas como integrantes de movimentos antifascistas. O caso foi revelado por uma reportagem do portal UOL.
Em outro documento enviado em conjunto com o texto de Mendonça, o advogado da União Bernardo Batista de Assumpção acrescentou mais alguns argumentos. Disse, por exemplo, que uma ação baseada apenas em reportagem jornalística, "à míngua de qualquer elemento probatório", não deve ter continuidade no STF. O texto tem uma redação dúbia sobre a existência de relatórios de inteligência acerca de movimentos antifascistas, dizendo que essas atividades são sigilosas e, por isso, não são usadas para embasar investigações criminais.
"Os contornos legais do SISBIN [Sistema Brasileiro de Inteligência] não deixam dúvidas de que a atividade de inteligência é plenamente legítima e não significa pré-julgamento ou emissão de carga de valor positivo ou negativo sobre determinado contexto, de sorte que seu inerente caráter reservado justifica-se por conta da necessidade de preservação dos atores sociais e estatais tratados nas informações, que, cumpre repisar, não se confundem com investigações policiais ou quaisquer medidas correlatas", diz trecho do documento.
Depois ainda acrescenta: "compelir os órgãos de inteligência a desempenharem suas atividades com escopo fechado e tão-somente após verificada a presença de elementos robustos de existência de concreta ameaça aos interesses nacionais redundaria não apenas no esvaziamento da função de inteligência em si, como também acabaria por submeter a inadmissíveis riscos a integridade e segurança do Estado e das pessoas".
A decisão de Cármen foi tomada numa ação em que o partido Rede Sustentabilidade pede a "imediata suspensão da produção e disseminação de conhecimentos e informações de inteligência estatal produzidos sobre integrantes do ‘movimento antifascismo'", além do envio do conteúdo produzido para o Supremo e a abertura de um inquérito na Polícia Federal para investigar o caso.
No documento entregue ao Supremo, Mendonça pediu que a ação seja rejeitada e que o STF adote uma postura de autocontenção, ou seja, que não interfira no assunto. Ele afirmou que vazamento de informações de inteligência é fato grave, e que elas não podem ser compartilhadas nem mesmo com o Judiciário. Segundo Mendonça, caso isso ocorresse, haveria consequências para o Brasil, como dificuldades para trocar informações com outros países, inclusive no combate a crimes transnacionais.
O ministro também disse que se colocou à disposição do Congresso para prestar esclarecimentos sobre o caso, o que ocorrerá na sexta-feira, às 15h. Afirmou ainda que a "atividade de inteligência não visa grupo ou movimento específico, mas, sim, toda e qualquer atividade que possa configurar ameaça potencial à Segurança Pública, às instituições democráticas e à violação de direito e garantias fundamentais do cidadão".