Brasil

Ministério Público e Polícia investigam João de Deus por abusos

Em espaços privados, a portas trancadas, mulheres alegam terem sido obrigadas a praticar atos sexuais e teriam o corpo tocado pelo médium

João de Deus: médium é autoridade religiosa espírita e conhecido no mundo das celebridades (Wikimedia Commons/Reprodução)

João de Deus: médium é autoridade religiosa espírita e conhecido no mundo das celebridades (Wikimedia Commons/Reprodução)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 10 de dezembro de 2018 às 11h01.

Última atualização em 11 de dezembro de 2018 às 11h07.

Brasília e Goiânia — O Ministério Público de Goiás e a Polícia Civil já apuram há meses denúncias de abuso sexual envolvendo o médium João Teixeira de Faria, o João de Deus.

Nesta segunda-feira, 10, o Ministério Público criou uma força tarefa para acolher os depoimentos das vítimas. Foi criado um email para total descrição das denúncias: denuncias@mpgo.mp.br.

Segundo Luciano Miranda Meireles, coordenador do Centro de Apoio Operacional (CAO) Criminal, a força tarefa será formada por quatro promotores e uma equipe de psicólogos para apurar todas as novas denúncias.

"Até agora, o que temos é uma reportagem de TV. Não temos nada de concreto. Por isso, criamos esse email, que será acessado somente pelos promotores que integram a força tarefa, e criamos uma rede em todo país para esse acolhimento das vítimas. Elas não precisam vir à Goiânia para fazer a denúncia", disse Meireles.

Dois depoimentos já estão marcados para amanhã, 11, no Ministério Público de São Paulo e de Minas Gerais. "É importante ressaltar que quem vai investigar esses novos casos será o Ministério Público e não a Polícia Civil. Por isso, caso o número de vítimas seja muito grande vamos destacar mais promotores para essa força tarefa", afirmou Meireles.

Mesmo não tendo os casos concretos para investigação, o promotor disse, ainda, que com base nas entrevistas da reportagem, João de Deus pode ser enquadrado em três crimes: estupro, violação sexual mediante fraude e estupro de vulnerável. As penas variam de 6 a 15 anos de prisão.

"Os casos não serão julgados em separado. Por isso, se tivermos, por exemplo, 10 vítimas que se enquadram no crime de estupro de vulnerável, a pena pode ser de 150 anos", acrescentou Meireles.

As primeiras denúncias

No sábado, o programa da TV Globo Conversa com o Bial trouxe dez relatos. A reportagem obteve um depoimento de uma estudante de São Paulo, que atuava como guia em Abadiânia e vai à Justiça.

A paulista, que preferiu não se identificar, pretende procurar esta semana o Ministério Público para formalizar a denúncia. "Não quero dinheiro, quero Justiça", afirmou.

Os abusos teriam ocorrido desde 2016, em quatro ocasiões distintas. Antonia (nome fictício), de 28 anos, foi a Abadiânia pela primeira vez em 2015. Depois, começou a atuar como guia. Sua responsabilidade era levar pessoas de São Paulo para o centro espiritual.

Segundo o Ministério Público, outras denúncias foram encaminhadas à Polícia Civil do Estado de Goiás ainda no primeiro semestre.

O delegado-geral da Polícia Civil, André Fernandes de Almeida, confirmou à reportagem que foram abertas investigações em outubro pela Delegacia Estadual de Investigações Criminais (Deic). "Ele está sendo investigado há 45 dias, bem antes de o caso ter sido levado à TV."

O delegado contou que a apuração foi transferida para a Deic, na capital goiana, pela complexidade da situação e pelo risco de haver intimidação das testemunhas, além do fato de ser uma delegacia especializada.

Mais mulheres procuraram distritos neste fim de semana, alegando terem sido vítimas de João de Deus.

Ao Fantástico, da Rede Globo, o MP disse neste domingo ter relatos de assédio desde 2010 e deve criar uma força-tarefa para analisar todas as queixas. O programa levantou acusações desde os anos 1980.

Considerando reportagens da TV Globo e do jornal O Globo, feitas nos últimos três meses, há mais de 30 relatos de mulheres entre 30 e 40 anos.

Sempre em um espaço particular, a portas trancadas, elas alegam ter sido obrigadas a praticar atos sexuais e teriam o corpo tocado por João de Deus para "uma limpeza espiritual".

Espiritismo

Após as acusações, a Federação Espírita Brasileira (FEB) veio a público para destacar que "o Espiritismo orienta que o serviço espiritual não deve ocorrer isoladamente, apenas com a presença do médium e da pessoa assistida".

"Não recomenda, portanto, a atividade de médiuns em trabalho individual, por conta própria", afirmou, em nota oficial.

A reportagem não conseguiu localizar João de Deus no domingo para tratar do caso. À TV Globo, seu advogado, Alberto Toron, destacou que ele "recebe com indignação as denúncias", e nega qualquer ilegalidade.

"Era assédio"

Uma estudante paulista que se identificou como Antônia falou sobre o assédio cometido por João de Deus, quando procurou ajuda do médium.

"Terminado o trabalho, ele pediu para que eu o encontrasse numa sala contígua ao salão onde os fiéis são atendidos. Ao chegar à sala, João pediu para que trancassem a porta (foi quando uma acompanhante de Antonia, ficou com olhos fechados, virada para parede)".

"João dizia que a limpeza dos chacras teria de ser feita sem a observação de ninguém. Ele colocou o pênis para fora e perguntou a minha idade. Disse 26. E ele respondeu: 'Então você vai mexer aqui 26 vezes'. Fiquei desorientada, mas não consegui fazer nada além de obedecer.

"Chegando à pousada, chorei muito. Mas não conseguia abandonar o trabalho. Além disso, acreditava que ele ajudava as pessoas. Não conseguia ver o que era o ritual, o que era abuso. Em outras três ocasiões, os abusos se repetiram. Num determinado momento, não consegui continuar (como guia). Em outubro do ano passado, porém, decidi voltar para Abadiânia. Ao ver que eu estava sempre acompanhada de um homem, ele evitou se aproximar", disse.

"Daí ficou claro para mim que se tratava de assédio. De que não havia nada de limpeza de chacras. Ao ver o depoimento de mulheres (na TV Globo) decidi dividir a história. Claro que foi doído. Mas, ao mesmo tempo, me ajudou a me libertar, a ver que não estava sozinha e não precisava carregar a culpa que ainda carregava.

(Com Ana Paula Machado)

Acompanhe tudo sobre:abuso-sexualAssédio sexualGoiásJoão de DeusMulheresPolícia CivilPolícia FederalReligião

Mais de Brasil

STF forma maioria para manter prisão de Robinho

Reforma Tributária: pedido de benefícios é normal, mas PEC vetou novos setores, diz Eurico Santi

Ex-vice presidente da Caixa é demitido por justa causa por assédio sexual