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Metrô e monotrilho não adiantam, diz pesquisador

Construção de novas linhas levaria entre cinco e dez anos e seria insuficiente para absorver a nova demanda por transporte criada no período

Monotrilho de Las Vegas: só a primeira fase de construção saiu do papel (Getty Images/EXAME.com)

Monotrilho de Las Vegas: só a primeira fase de construção saiu do papel (Getty Images/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 20 de janeiro de 2014 às 17h08.

São Paulo - O pesquisador Adalberto Maluf Filho, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo, é um dos maiores especialistas do país em monotrilhos. Ele escreve uma tese de mestrado sobre esse sistema de transporte e já trabalhou na elaboração de políticas públicas nas secretarias de Relações Internacionais e do Verde e do Meio Ambiente da Prefeitura de São Paulo. Na entrevista abaixo, Maluf Filho diz que os monotrilhos defendidos pelo Metrô serão mais caros e menos eficientes do que prega o governo. Leia abaixo os principais trechos:

EXAME.com - O projeto do monotrilho do Morumbi é melhor que os do exterior?

Maluf Filho - Esses projetos são muito polêmicos em vários países. Em geral, as empresas que vão construir o sistema prometem um custo bem menor que o real. Já os cálculos dos passageiros que serão transportados são sempre superestimados. Por esse motivo, muitos países, como a Coreia do Sul e a Tailândia, desistiram de implantar o sistema de transporte após gastarem alguns milhões com estudos mais aprofundados. No Brasil, o problema é o mesmo. Autoridades falavam que o monotrilho custaria 70 milhões de reais por km, mas vai sair pelo dobro disso.

EXAME.com - Os benefícios do monotrilho justificam esse gasto?

Maluf Filho - O monotrilho do Morumbi vai ter uma capacidade máxima para transportar 20.000 pessoas por hora em cada sentido. Inicialmente eles previam comprar 37 trens, mas o edital diz que 24 deverão ser comprados pelo vencedor da licitação. Além disso, o governo prevê que seja possível transportar oito passageiros em cada metro quadrado de trem. Em Dubai, só cabem quatro por metro. Então é possível que a estimativa de transportar 20.000 passageiros por hora seja bastante otimista. Por outro lado, é possível conseguir mais do que isso com corredores para ônibus rápidos que funcionem como os de Curitiba. Lá, o passageiro paga a tarifa antes de entrar dentro do ponto e depois embarca por várias portas. Isso reduz o tempo de parada dos ônibus. Com 250 milhões de reais, dá para construir um corredor de ônibus com capacidade para 30.000 passageiros por hora. O monotrilho custará 12 vezes mais e transportará menos gente.

EXAME.com - Não há nada no projeto do monotrilho do Morumbi que seja positivo?

Maluf Filho - O monotrilho é bom na parte que liga a estação Jabaquara do Metrô até o aeroporto de Congonhas. É assim que ele funciona no Japão, por exemplo. Em Tóquio e Osaka, há monotrilhos que ligam as cidades aos aeroportos com alto grau de confiabilidade. Mas é importante lembrar que o custo operacional do monotrilho é maior, o que exige bilhete mais caros. No Japão, a passagem sai por mais de 5 dólares.


EXAME.com - No Morumbi, o monotrilho não poderia integrar o bairro ao resto da cidade?

Maluf Filho - Eu acho que não haverá demanda que justifique. A linha toda vai custar entre 3 bilhões e 4 bilhões de reais, mas só será usada pelos moradores de Paraisópolis [uma grande favela incrustada dentro do Morumbi]. A maioria dos moradores possui veículo privado e o bairro é pouco adensado. Além disso, a linha 5 do metrô [que vai ligar as estações Capão Redondo e Chácara Klabin, cortando o Morumbi] já vai fazer esse trabalho de desafogar a zona sul em direção ao centro.

EXAME.com - Mas a cidade não precisa de mais metrô?

Maluf Filho - O importante é ter um sistema integrado de mobilidade. Cada nova linha do metrô vai custar de 2,5 bilhões a 5 bilhões de reais e não vai resolver o problema porque demora entre cinco e dez anos para ser construída. Ao mesmo tempo, a cada dois anos e meio, o número de viagens realizadas na cidade aumenta em 1 milhão. Isso significa que o metrô não é suficiente para absorver a nova demanda. Todo o orçamento para o transporte público vai ser colocado em uma ou duas dessas linhas, sem que sobre dinheiro para mais ônibus, ciclovias ou melhorias de calçada.

EXAME.com - Nos países desenvolvidos, não foi feito um grande investimento em metrô?

Maluf Filho - Londres tem 1.500 km de metrô e trens urbanos, mas o número de pessoas que anda de ônibus é duas vezes maior. Uma rede integrada de transporte público só se cria pela superfície. Em São Paulo, 75% dos passageiros estão nos ônibus. Mesmo quem vai de metrô só costuma chegar ao destino final de ônibus. As pessoas só vão deixar o carro em casa se o transporte público estiver perto da porta de casa e do trabalho. As maiores cidades da Europa e dos EUA construíram suas redes de metrô há várias décadas, quando ainda era possível fazer isso sem um número excessivo de desapropriações. Hoje, essas mesmas cidades estão investindo em corredores para ônibus rápidos.

EXAME.com - O ônibus não é mais poluente que o trem?

Maluf Filho - Eles estão investindo em corredores para ônibus movidos a energia elétrica, que também move os trens.

EXAME.com - Se houver mais corredores de ônibus, não sobrará menos espaço para os carros? Os congestionamentos não podem se agravar?

Maluf Filho - Não existe solução para o transporte individual nem em São Paulo nem em outras grandes cidades do mundo. Nova York já percebeu isso e não investe em avenidas e pontes há décadas. Los Angeles fez o contrário, possui dezenas de vias expressas, algumas com cinco ou seis faixas de rolamento. Mas o que se vê são congestionamentos para todos os lados. A única solução para a mobilidade em São Paulo é o transporte público. É uma decisão política complicada, mas necessária. Se o Brasil continuar a crescer, vai haver cada vez mais gente com carro nas ruas da cidade, e os congestionamentos serão cada vez piores.
 

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