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Metanol nas bebidas é a ponta do iceberg do mercado ilegal, diz especialista em combate a fraudes

O prejuízo que o mercado ilegal de bebidas causa no ano gira em torno de R$ 88 bilhões

Hoje, 36% das bebidas destiladas vendidas no Brasil são ilegais, falsificadas, contrabandeadas ou adulteradas (iStock/Getty Images)

Hoje, 36% das bebidas destiladas vendidas no Brasil são ilegais, falsificadas, contrabandeadas ou adulteradas (iStock/Getty Images)

Luiz Anversa
Luiz Anversa

Repórter

Publicado em 13 de outubro de 2025 às 15h21.

Última atualização em 13 de outubro de 2025 às 17h29.

No final de agosto, a Receita Federal, em parceria com diversos órgãos nacionais, desencadeou uma megaoperação chamada de Operação Carbono Oculto, considerada a maior ação já realizada contra a principal organização criminosa do Brasil, o Primeiro Comando da Capital (PCC).   

Segundo as investigações, o esquema envolvendo cadeia de postos de combustível movimentou mais de R$ 52 bilhões entre 2020 e 2024. 

Semanas depois daquele episódio, os combustíveis ganharam novamente a atenção do público. Dessa vez, por causa do metanol, solvente utilizado para adulterar combustíveis e que passou a ser encontrado em bebidas destiladas comercializadas pelo Brasil. Apenas em São Paulo, o número de vítimas de intoxicação por metanol aumentou para cinco mortes confirmadas e 23 casos confirmados, com mais de 170 casos em investigação. 

Para Rodolpho Ramazzini, diretor de Comunicação da Associação Brasileira de Combate à Falsificação, a origem desse metanol seriam "sobras" de postos clandestinos autuados pela operação Carbono Oculto que o crime organizado ainda conseguiu aproveitar. Ramazzini fez a declaração em primeira mão à EXAME no final de setembro. "A crise do metanol expõe um problema conhecido há anos: o da falta de controle que estimula a falsificação de bebidas e a atuação do crime organizado. É a ponta do iceberg", diz o executivo.

 

Confira entrevista exclusiva com o diretor da ABCF: 

A EXAME publicou em primeira mão sobre uma possível ligação da crise do metanol com a atuação do crime organizado, mais especificamente o PCC. O que mudou desde então?  

Rodolpho Ramazzini: De lá para cá, pouca coisa mudou. Vimos um conflito de informações entre as autoridades que sequer sabem a origem do problema, mas uma coisa é clara: o crime organizado está linkado na falsificação de bebidas e nesse mercado ilegal de bebidas já há alguns anos. É, no mínimo, muito suspeito quinze dias após a Operação Carbono ser deflagrada, que comece a aparecer bebida falsificada no mercado, com contaminação por metanol. E esse metanol deve ter saído dessas mesmas empresas ligadas ao crime organizado, que estão envolvidas na adulteração de combustível e na falsificação de bebidas.  

 

O metanol é apenas a ponta do iceberg do mercado ilegal de bebidas do Brasil?  

RR: Sem dúvida. A crise do metanol expõe um problema conhecido há anos: o da falta de controle que estimula a falsificação de bebidas e a atuação do crime organizado. 

Qual é o tamanho desse mercado paralelo hoje em dia? Quais bebidas são mais falsificadas?  

RR: São 88 bilhões de reais de prejuízos anuais. As bebidas mais falsificadas de longe são os destilados. Segundo diversos estudos e declarações do próprio setor, da Federação de Hotéis, Restaurantes e Bares do Estado de São Paulo, dentre outros, hoje 36% das bebidas destiladas vendidas no Brasil são ilegais, falsificadas, contrabandeadas ou adulteradas. 

Quais as principais deficiências do Brasil para combater esse tipo de crime?  

RR: A principal deficiência surge da ausência de um controle no setor de produção de bebidas. Com a interrupção do Sicobe em 2016 pela Receita Federal, o Estado passou a depender exclusivamente da autodeclaração das empresas de todos os tipos de bebidas, criando brecha para a fraude. O descontrole dos últimos anos fez o volume de bebidas falsas crescer de modo exponencial. 

A ABCF bate bastante na tecla do Sicobe. O TCU já mandou religar o sistema, mas a Receita Federal ainda resiste. Pode explicar melhor como está a situação hoje?  

RR: Nos últimos cinco anos, pelo menos, o setor de bebidas vem sendo afetado pela falsificação. E isso se deve ao descontrole. Em 2016, com o desligamento do Sicobe, que rastreava em tempo real tudo que era produzido nas fábricas brasileiras, o volume de bebidas falsas no mercado brasileiro explodiu. E o crime organizado migrou para esse setor devido à falta de fiscalização, para escoar os lucros das operações criminosas. Além de bebidas frias, o Sicobe passou a controlar em 2011 mais de 900 marcas de bebidas destiladas. Ainda que digam que o sistema não avalia a qualidade, ele rastreava toda a cadeia de produção e coibia, sim, o crime organizado. 

Recentemente houve a maior operação do ano contra cigarros irregulares, outro setor que sofre há décadas com a falsificação. Existem projetos como o Sicobe para o setor de cigarros também?  

RR: O setor de cigarros já possui um sistema de rastreio chamado Scorpios, composto por equipamentos contadores de produção, para o controle, registro, gravação e transmissão dos quantitativos medidos pela Receita Federal. Os equipamentos possibilitam, ainda, o rastreamento dos produtos em todo o território nacional, para identificar a origem e reprimir a produção e importação ilegais, bem como, a comercialização de produtos falsificados. O Scorpios tem se mostrado muito eficaz porque evidencia o que é falso do que é legal, rastreando também a produção desde a origem do produto.  

Quais outras áreas da economia estão sendo prejudicadas pelas falsificações? O crime organizado está em todas elas?  

RR: Segundo o relatório Follow the Products – Rastreamento de Produtos e Enfrentamento ao Crime Organizado no Brasil, elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, as facções criminosas migraram do setor ilegal para o mercado legal, aturando no setor de combustíveis, bebidas, cigarros e até ouro. Segundo o documento, a receita estimada desses grupos nesses setores, somente no ano de 2022, aproxima-se de 147 bilhões de reais, enquanto, no mesmo período, a venda de drogas (cocaína) teria gerado receitas de 15 bilhões de reais. 

Em 2025, em números, quanto representa essa economia paralela de produtos pirateados? 

RR: Os números de 2025 não estão fechados ainda, mas certamente estão na casa de 500 bilhões de reais/ano. 

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