Feminicídio: "São 72% de casos em que a polícia sequer teve chance de agir", afirmou o secretário-executivo da SSP-DF (Kittisak Jirasittichai/EyeEm/Getty Images)
Agência Brasil
Publicado em 21 de abril de 2019 às 15h00.
Última atualização em 21 de abril de 2019 às 15h09.
O Distrito Federal registrou 68 casos de feminicídio de março de 2015 a 18 de março deste ano. Em 2018, quando se constatou o maior número de crimes, foram confirmados 26 casos, uma média de 2,1 por mês.
Apenas este ano, foram registrados cinco assassinatos de mulheres - quase a metade dos 12 crimes contabilizados ao longo do ano de 2017.
A equipe da Câmara Técnica de Monitoramento de Homicídios e Feminicídios (CTMHF), órgão subordinado à Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF) que reuniu os dados, mostra que o padrão nacional de vínculo entre vítima e agressor também se repete na capital federal.
A relação estável ou o casamento era o modelo de união que predominava entre eles, correspondendo a 58,8% do total. Em 23,5% dos casos, vítima e agressor já haviam se relacionado dessa forma, estando já separados no momento do crime.
De acordo com o estudo, em 72,1% dos casos de feminicídio, as mulheres já tinham sido agredidas pelos companheiros antes de serem mortas e não tinham prestado queixa na delegacia.
Quase metade (42,6%) delas sofria agressões frequentemente, situação que foi percebida e relatada por vizinhos ou pessoas de seu círculo social, quando questionadas pelas autoridades policiais, após o feminicídio ocorrer.
Na avaliação da Secretaria de Segurança Pública, a decisão de não registrar um boletim de ocorrência amplia a desproteção das vítimas. No total, destaca a análise da CTMHF, apenas 14 (20,6%) delas obtiveram medida protetiva na Justiça, como forma de garantir que o agressor ficasse longe e que elas vivessem com mais segurança.
"São 72% de casos em que a polícia sequer teve chance de agir. Não tivemos notícia, não tivemos a menor condição de agir, nós, da segurança pública e também outros órgãos públicos que poderiam proteger a mulher", afirma o secretário-executivo da SSP-DF, Alessandro Moretti. "E em metade dos casos, vizinhos, amigos e familiares poderiam ter noticiado e também não procuraram a polícia."
Em um quinto das ocorrências (20,6%), os homens mataram suas ex-companheiras por não se conformar com a decisão delas de colocar um ponto final no relacionamento. A maioria dos feminicídios, um total de 40, equivalentes a 58,8% dos casos, teve como contexto desentendimentos gerados por ciúmes ou outras questões que causaram tensão entre o casal.
Apesar de o estudo pontuar vários fatores no rol daqueles que desencadearam as tragédias, o secretário executivo da SSP-DF afirma que a violência contra a mulher está sempre associada à possessividade dos homens que transformam suas parceiras ou ex-parceiras em objetos.
"Quando se faz o levantamento da motivação, aparecem vários outros [além de ciúmes], como, por exemplo, motivo fútil", afirma. "O que mais importa é que, quando se compila [o dado], se chega à verdadeira gênese da motivação, que é o sentimento de posse."
Em um dos casos de feminicídio registrados pela secretaria, a mulher estava grávida quando foi assassinada, justamente porque o agressor se revoltou diante do anúncio da gestação.
Ainda segundo o estudo, 20 vítimas (29,4%) eram mães e, com a perpetração do feminicídio, 29 crianças, com idade média de 10,4 anos, viraram órfãs.
O secretário executivo ressalta que o governo do Distrito Federal tem buscado coibir o feminicídio a partir de um protocolo que se difere do adotado no restante do país. "Todo crime violento letal contra mulher é considerado feminicídio, inicialmente. Se a mulher morta é encontrada com sinais de violência. Geralmente, em outras unidades da federação, é registrado como homicídio e, durante a investigação, [a condição de feminicídio] vai se confirmar ou não. Aqui no DF, é invertido. Independentemente da causa, inicialmente se registra como feminicídio, para depois, eventualmente, se desqualificar [como tal]."
Para Moretti, esse protocolo contribui para que não se minimize o feminicídio e se dissemine o entendimento de que é um crime bastante grave. Segundo ele, a norma modifica a forma como as autoridades policiais e o Poder Judiciário conduzem seus trabalhos. "A resolução [que estabelece o protocolo] é bastante interessante, porque determina todo um modo de agir, de como a família vai ser tratada, de definir todos os exames periciais que devem ser feitos, uma série de medidas bastante rígidas quanto à apuração", acrescenta.
Moretti afirma que análises aprofundadas dos dados podem contribuir para a construção de políticas públicas mais eficazes. Um exemplo são as ações de prevenção do feminicídio, que devem ser dirigidas aos diferentes públicos-alvos, conforme seu perfil.
"Quando o agressor tem nível superior, sei quem ele mata e qual o meio que emprega. Quando tem mulher de nível superior, também sei por quem é morta. É enxergar o crime de maneira mais inteligente", afirma o secretário executivo.
De acordo com os dados, 48,5% dos crimes foram cometidos com arma branca. Em 26,5% dos feminicídios no DF, foram empregadas armas de fogo.
"O problema [do feminicídio], a gente enfrenta no combate. Porque, afinal, qual é a dificuldade do feminicídio? É que não é um crime que acontece na rua, e sim dentro de casa. É preciso que a vítima comunique [as agressões à polícia e procure ajuda ou que alguém que veja e denuncie", argumenta.
Dos 68 casos reportados, 62 (91,25%) ocorreram nas residências das vítimas. Os demais episódios tiveram como cenário estabelecimentos comerciais (5,9%), espaços públicos (1,5%) ou outros locais (1,5%).
Em 21 de março, três dias após a divulgação do relatório da SSP ser encerrado, os números de feminicídio e tentativa de feminicídio já cresceram. Um deles ocorreu no Itapoã, na residência da vítima, que, segundo a Polícia Civil, foi ferida com uma faca peixeira, pelo ex-companheiro, de 21 anos, que desaprovava o fim da relação.
No dia 11 de abril, um homem, de 33 anos, foi detido após espancar e tentar estrangular uma mulher com um fio de DVD. O caso ocorreu na Ceilândia, região administrativa do Distrito Federal que concentrou a maioria dos feminicídios citados no estudo. Na localidade, nove (13,2%) crimes dessa natureza foram confirmados. Samambaia figura em segundo lugar, com sete ocorrências (10,2%), seguida por Planaltina e Recanto das Emas, que empatam com três casos (4,4%) cada, e Taguatinga, em que foram registrados dois (2,9%).