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Metade das terras indígenas da Amazônia é alvo de mineração

Estudo revela que, das 379 áreas homologadas na Amazônia, 190 registram algum processo de interesse para garimpo

Comunidade Uirapuru , perto de Conquista do Oeste 24/4/2018. REUTERS/Ueslei Marcelino (Ueslei Marcelino/Reuters)

Comunidade Uirapuru , perto de Conquista do Oeste 24/4/2018. REUTERS/Ueslei Marcelino (Ueslei Marcelino/Reuters)

AO

Agência O Globo

Publicado em 17 de fevereiro de 2020 às 08h19.

Brasília — Um estudo encomendado pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa Mineral (ABPM) mostra que metade das terras indígenas homologadas da Amazônia Legal é foco de interesse minerário por empresas ou pessoas físicas. O levantamento mostra que, das 379 terras indígenas homologadas e localizadas na Amazônia Legal, 190 são alvo de algum tipo de processo minerário. Ao todo, 4.050 processos tramitam na Agência Nacional de Mineração (ANM) que incidem sobre terras indígenas já homologadas.

O interesse em relação à mineração na Amazônia voltou à tona no início de fevereiro, quando o presidente Jair Bolsonaro enviou ao Congresso Nacional um projeto de lei que regulamenta a exploração mineral em terras indígenas, alvo de críticas feitas por lideranças indígenas e ambientalistas.

O levantamento feito pela ABPM cruzou dados da Funai, ANM e IBGE. O resultado é apontado pelo estudo como uma espécie de bússola que indica as áreas de mais interesse de empresas que visam a exploração mineral na região amazônica.

Desde 1988, a legislação proíbe que órgãos do governo concedam autorizações para pesquisa ou exploração mineral em terras indígenas. A Constituição Federal previu a atividade mineral em áreas indígenas desde que ela fosse regulamentada por lei, o que não aconteceu ainda.

Áreas de maior interesse

O estudo aponta que a maioria dos processos minerários (61,2%) foi protocolada antes das terras terem sido homologadas, última etapa da demarcação de uma terra indígena. O restante (38,8%) foi protocolado após essa etapa. Em outras palavras: a maior parte dos pedidos de pesquisa ou de lavra em áreas que hoje são terras indígenas foi protocolada antes de o governo homologá-las e, portanto, restringir a possibilidade de exploração.

O estudo mostra que, apesar de as terras indígenas estarem espalhadas pela Amazônia Legal, o interesse minerário de empresas e pessoas físicas se concentra em oito grandes regiões. Esses grupos se localizam nas áreas conhecidas como “terras altas da Amazônia”, que têm uma formação geológica considerada favorável à presença de reservas minerais.

Apesar da geologia favorável, o estudo mostra que o conhecimento sobre a existência ou não de jazidas nessas regiões ainda é incipiente. Entre as áreas consideradas mais atrativas estão a região do Alto e Médio Rio Negro, no Amazonas, onde há informações sobre jazidas de ouro, nióbio e estanho. Outra região de interesse é a localizada sobre as terras indígenas Ianomâmi e Raposa Serra do Sol, entre os estados do Amazonas e Roraima.

No Amapá, está outro grupo, localizado sobre o Parque do Tumucumaque e a terra indígena Wajãpi. Lá, também há informações sobre a existência de jazidas de ouro, nióbio, tântalo e ferro.

Entre as regiões de interesse consideradas mais críticas estão aquelas localizadas nas terras indígenas Ianomâmi, Raposa Serra do Sol, Munduruku e Kayabi (Pará) e Uru-Eu-Wau-Wau (Rondônia).

Essas regiões são conhecidas por abrigarem garimpeiros, tanto indígenas quanto não-indígenas. Nos últimos anos, há relatos de conflitos na região, como no massacre de 2014, quando índios da etnia cinta-larga, em Rondônia, mataram garimpeiros que atuavam em suas terras na exploração de diamante.

Processos indeferidos

O estudo aponta que, apesar de numeroso, os processos minerais envolvendo terras indígenas estão sendo indeferidos pela ANM atendendo a uma recomendação do Ministério Público Federal.

Para o presidente da ABPM, Luiz Azevedo, o indeferimento dos pedidos é positivo porque “limpa” e prepara o cenário de pesquisas e pedidos envolvendo terras indígenas para um novo marco regulatório do setor, que entraria em funcionamento a partir da aprovação do projeto de lei enviado por Bolsonaro.

"Se vamos ter um novo marco regulatório, não faria sentido que esses pedidos permanecessem tramitando. Caso o projeto seja aprovado, começa um novo momento", disse Luiz Azevedo.

Azevedo afirma ser favorável à ideia principal do projeto — regulamentar a mineração em terras indígenas —, mas defende ajustes no texto. Para ele, deveria haver mais espaço para que o Congresso se manifeste sobre as áreas que deverão ser estudadas. Pelo projeto, essa atribuição recai sobre a Presidência da República.

"O texto original concentra muitas atribuições na Presidência. Por mais legítimo que o Executivo seja, entendemos que o Congresso poderia ter mais voz nesse processo. Não deveria se limitar apenas a autorizar, mas também deveria ter o poder de indicar as áreas que poderiam ser pesquisadas", explica.

Azevedo defende que as comunidades indígenas tenham mais participação no processo e poder de veto, dependendo do minério envolvido.

Para o coordenador-executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Paulo Tupiniquim, um poder de veto parcial não teria a aprovação dos indígenas.

"Não existe isso de poder vetar este ou aquele mineral. No final, quem será afetado não será o presidente, o deputado ou o empresário. São os índios. Por isso que não queremos a mineração", afirmou Tupiniquim.

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