Macedo, que completou 74 anos em fevereiro, foi beneficiado por regra que diminuiu prazo prescricional pela metade a réus com mais de 70 anos (Alan Santos/Presidência da República/Divulgação)
São Paulo - Quatro meses antes de deixar o caso contra o bispo Edir Macedo prescrever, a Justiça Federal de São Paulo consultou o Ministério Público Federal (MPF) sobre a perda do direito de punir os réus. Mesmo com a informação de que o prazo estava próximo, a 2ª Vara Criminal não fez nada para evitar a prescrição do processo criminal, que investigava o líder da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e outras três pessoas por lavagem de dinheiro.
A possibilidade de o crime prescrever foi levantada nos autos da ação penal desde maio deste ano, de acordo com os registros de andamento do processo analisados pela reportagem. E teria sido evitada com o pronunciamento da juíza Silvia Maria Rocha, titular da vara especializada em crimes financeiros.
No entanto, a magistrada só publicou a sentença da ação penal no dia 29 de outubro, dez dias após a Agência Pública e a Folha de S. Paulo revelarem que a causa em relação a Macedo havia prescrito em setembro.
Na decisão judicial, Rocha reconheceu que o prazo legal para o julgamento do líder da Universal e do bispo João Batista Ramos da Silva havia se esgotado mas não justificou a demora em sentenciar o caso.
Edir Macedo, de 74 anos, e João Batista, 75, foram beneficiados pela regra que reduz pela metade a contagem da prescrição para os acusados com mais de 70 anos de idade. Segundo o Código Penal, o prazo para o crime de lavagem de dinheiro é de 16 anos — mas, no caso dos religiosos, o período para eventuais punições cai para oito anos. A denúncia contra os religiosos foi protocolada pelo Ministério Público em 2011.
Após a fase de alegações finais, a vara pediu à Procuradoria que se manifestasse sobre “eventual ocorrência da prescrição, quanto ao delito de lavagem de dinheiro, com relação aos acusados Edir Macedo Bezerra e João Batista Ramos da Silva”. A resposta do órgão chegou no fim de maio. Na ocasião, “o Ministério Público Federal afirmou não ter havido o transcurso do lapso prescricional, uma vez que a denúncia foi recebida em 16/09/2011”, segundo o texto da sentença.
Com o conhecimento da data para cálculo do prazo, a Justiça demonstrou estar ciente da urgência em sentenciar. Em um despacho de 3 de junho, por exemplo, foi determinado o rápido envio dos autos para decisão: “inocorrência da prescrição. Venham conclusos para sentença imediatamente”. Mas a sentença que poderia interromper a prescrição não veio a tempo.
Na decisão dada após o prazo, a juíza Silvia Maria Rocha escreveu que o crime estava “fulminado pela prescrição” e afirmou que, ainda que assim não fosse, “o próprio órgão acusador pugnou pela absolvição dos referidos réus no que tange à lavagem de dinheiro”.
A juíza faz referência ao fato de o MPF ter pedido a absolvição dos acusados em suas alegações finais, após o juiz de primeira instância Marcelo Costenaro Cavali ter derrubado a tese inicial da Procuradoria quanto à ocorrência de estelionato no caso.
O juiz não considero que as doações poderiam ser consideradas “coerções” por terem se dado no contexto religioso. Assim, não haveria origem “suja” na arrecadação da igreja — o crime de a lavagem de dinheiro prevê, por definição, um crime anterior.
Rocha, no entanto, poderia contrariar a decisão do Ministério Público e absolver ou condenar os réus de acordo com seu entendimento sobre os aspectos técnicos da causa. Procurada pela reportagem, a 2ª Vara informou que a juíza prefere não dar entrevista sobre o caso ou se manifestar fora dos autos, e que os fundamentos utilizados para a decisão estão narrados na sentença. Já o Ministério Público Federal afirmou que ainda não foi oficialmente comunicado da decisão e, por isso, não vai se manifestar.
Há um mês, ao comentar a morosidade da Justiça em levar adiante o processo, a juíza havia atribuído a lentidão ao fato que a 2ª Vara Criminal opera, hoje, com apenas um juiz para exercer funções que normalmente seriam de dois juízes.
“Observo, ainda, que há uma ordem estabelecida para sentenciar os processos, elaborada de acordo com o critério do CNJ [Conselho Nacional de Justiça], conjuntamente com as possibilidades da vara”, afirmou.
Na decisão final, Rocha também apreciou as situações dos outros dois réus na ação penal, o ex-bispo Paulo Roberto Gomes da Conceição e a executiva Alba Maria Silva da Costa — que, por serem mais jovens, não se beneficiam da redução na prescrição.
Os dois foram absolvidos sob o argumento de que não foram apresentadas provas de autoria de ambos nos crimes indicados. Ainda assim, a juíza apontou, na sentença, que há “robustos elementos de materialidade delitiva” quanto ao crime de evasão de divisas.
Macedo e Bispo João Batista não foram absolvidos nem condenados, uma vez que a juíza reconheceu a prescrição no caso deles.
O processo contra o bispo e as outras lideranças da IURD começou a tramitar em setembro de 2011, após a denúncia criminal do Ministério Público relatar que dirigentes da Universal adotaram estratégias para usar o dinheiro doado por fiéis em operações financeiras fraudulentas e, assim, comprar emissoras de TV e rádio e bens. O MPF apresentou um histórico das operações financeiras atribuídas a dirigentes da Universal desde o começo de década de 1990.
De acordo com a denúncia do órgão, feita pelo procurador da República Silvio Luís Martins de Oliveira, o esquema utilizava duas empresas offshores, a Investholding Limited e a Cableinvest Limited, sediadas em paraísos fiscais. Parte das receitas bilionárias da instituição também era encaminhada por doleiros para contas controladas por pessoas ligadas à Universal em cinco bancos nos Estados Unidos.
Ainda segundo a denúncia, transferências em dinheiro também ocorreram entre porta-malas de carros, nos estacionamentos de templos da Universal ou entre cofres alugados em uma mesma instituição financeira, de acordo com testemunhas citadas pelo Ministério Público. Em junho de 2005, quando era deputado federal e presidente da Universal, o Bispo João Batista foi abordado pela polícia no aeroporto de Brasília com malas de dinheiro contendo cerca de R$ 10 milhões em espécie.
De acordo com a denúncia, o dinheiro voltava ao Brasil por meio de empréstimos realizados pelas offshores em favor de pessoas ligadas à Universal, que atuavam como “laranjas”. Os recursos foram usados para comprar participações em emissoras de rádio e TV e bens.
Segundo o Ministério Público, dados oficiais fornecidos pela Receita Federal mostram que a Universal arrecadou mais de R$ 5 bilhões de 2003 a 2006.
Além de lavagem de dinheiro, Edir Macedo foi inicialmente denunciado por estelionato e a de falsidade ideológica, acusações rejeitadas pela Justiça Federal; e também pelos crimes de evasão de divisas e formação de quadrilha.
Em nota, a assessoria de imprensa da IURD afirmou que as acusações são “completamente equivocadas” e comemorou a sentença favorável aos outros réus e a Macedo, “perseguido, fiscalizado e investigado como acontece há mais de 30 anos”. Já o bispo João Batista e o advogado que defende Paulo Roberto Gomes da Conceição e Alba Maria Silva da Costa não se manifestaram.