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Meirelles vê espaço para revisar teto de gastos a partir de 2024

Ex-ministro da Fazenda avalia que é preciso sinalizar responsabilidade fiscal e cortar gastos "desnecessários"

 (Sérgio Dutti/Divulgação/Divulgação)

(Sérgio Dutti/Divulgação/Divulgação)

LP

Luciano Pádua

Publicado em 11 de novembro de 2022 às 09h40.

Última atualização em 11 de novembro de 2022 às 10h05.

O ex-ministro da Fazenda e ex-presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, avalia que, a partir de 2024, seria o momento adequado para revisar as regras do teto de gastos, o mecanismo que obriga os gastos públicos a crescerem no mesmo nível da inflação.

"A partir de 2024 -- quando, segundo a emenda constitucional que introduziu o teto diz --, já está chegando a hora de fazer algumas revisões no teto. Já havia uma previsão inicial de que o teto seria revisado alguns anos depois", disse Meirelles em entrevista à EXAME. "Isso pode ser feito colocando alguma coisa que levasse conta o crescimento do PIB ou alguma coisa acima da inflação."

Meirelles prescreveu o seu receituário para a economia brasileira. Para ele, a queda do mercado na última quinta-feira, 10, não tem relação com os gastos adicionais já contratados para 2023 mas com o temor da continuação de uma "linha de expansão de despesas nos anos seguintes a partir de 2024".

Para o ex-ministro, embora seja compreensível a reação do mercado, ainda é "cedo" para fazer conclusões sobre como será o novo do presidente da República eleito, Luiz Inácio Lula da Silva. Governo do qual, até o momento, não recebeu convite. Ele, porém, diz manter ótima relação com integrantes da equipe de transição e que busca contribuir como pode. "Não recebi o convite formal para ocupar o cargo do Ministério. Não tem nada de concreto a respeito", afirmou.

Confira os principais trechos da entrevista com Henrique Meirelles:

Nesta quinta-feira, 10, o mercado reagiu muito negativamente aos sinais da chamada PEC da Transição. Fala-se em 175 bilhões de reais a mais. Qual a avaliação do senhor desse movimento do mercado hoje e dos sinais que vem lá de Brasília?

O mercado está preocupado, o que é normal num período como esse. Por outro lado, é muito importante que se defina muito bem por quanto tempo dura essa questão da PEC da Transição. Quer dizer, se for uma questão para um ajuste em 2023 e que fique mais ou menos nessa linha,  o mercado tende a se acalmar.  A questão toda é se continuar uma expansão meio na linha de uma licença para gastar sem limite. Aí, o mercado pode se estressar e continuar se estressando um pouco. É normal nesse começo que haja muito nervosismo. Esperamos que as coisas se esclareçam e comecem a sinalizar, no pós-transição, como será uma linha de equilíbrio do governo.

Para 2023, o "furo" já parece contratado e estava exposto nas propostas tanto de Lula quanto de Jair Bolsonaro. Por que o mercado reage com tanta animosidade a esse déficit ("waiver", como tem sido chamado)? E qual é o problema essencial de um de um expansionismo fiscal? 

A reação do mercado não é necessariamente voltada a essa PEC, mas olhando para frente. O mercado não está reagindo tão forte em relação a 2023, mas em relação à possível continuação de uma linha de expansão de despesas nos anos seguintes a partir de 2024. Me parece mais uma preocupação sobre uma possível repetição de modelos econômicos no Brasil que já deram errado no passado. Mas está um pouco cedo. Apesar de ser compreensível a reação do mercado de ter que se posicionar, os agentes financeiros têm de tomar posições. Mas o importante são os desdobramentos futuros. Isso que vai ficar mais claro nos próximos dias com o planejamento e detalhes do governo na medida em que ele defina a linha de ação para os próximos anos.

O senhor recebeu algum convite para fazer parte do Ministério da Fazenda? Como está o contato com a equipe de transição?

A minha relação com equipe de transição é muito boa. Tenho excelente relação com o vice-presidente, Geraldo Alckmin, e pessoas como o Persio Arida. Mas eu não recebi o convite formal para ocupar o cargo do ministério. Não tem nada de concreto a respeito. Busco ajudar. Mas estou muito bem no setor privado no conselho mundial da Binance, que é a maior corretora de criptomoedas do mundo, e estou construindo um banco digital em parceria com a Associação Comercial de São Paulo (ACSP).

Qual seria a alternativa para "ancorar" as expectativas de um futuro fiscalmente responsável? 

Não existe uma bala de prata. O que existe é uma necessidade, de fato, de fazer um processo claro tranquilo e sinalização de responsabilidade fiscal. É normal que o mercado reaja com sinalização, com nervosismo às vezes. Há uma sobrerreação (overreaction) que se ajusta no dia seguinte. Por enquanto existe muita indefinição, então temos esse quadro.

Mas o senhor vê um cenário de uma outra âncora possível ou ainda projeta um futuro mantendo o teto?

Eu gostaria de criar esse sentimento de excepcionalidade para o ano de 2023. A partir de 2024 -- quando, segundo a emenda constitucional que introduziu o teto diz --, já está chegando a hora de fazer algumas revisões no teto. Já havia uma previsão inicial de que o teto seria revisado alguns anos depois. Isso pode ser feito colocando alguma coisa que levasse conta o crescimento do PIB ou alguma coisa acima da inflação. O importante é sinalizar uma âncora fiscal para não ficar simplesmente uma impressão de que existe uma licença para gastar e pronto. Exatamente para acalmar não só o mercado financeiro, mas os agentes econômicos do Brasil inteiro.

Há quem critique o arranjo de tornar constitucional a discussão do orçamento, o que a PEC do teto fez quando aprovada. Técnicos falam em excesso de poder do Congresso sobre o orçamento. O senhor tiraria o teto da Constituição?

Não, estar na Constituição é importante. Inclusive essa PEC de Transição é importante que seja uma proposta de emenda constitucional exatamente para que isso seja o plenamente discutido com a sociedade, o Congresso e haja uma maioria inequívoca, na medida em uma emenda constitucional precisa de aprovação 3/5 da Câmara em dois turnos e 3/5 do Senado em dois turnos. Isso dá uma estabilidade fiscal no país, mais confiança e controle das contas públicas.

Se o senhor pudesse comandar a economia brasileira novamente, quais seriam as prioridades de sua agenda?

Sinalizar uma frente de responsabilidade fiscal. O próprio presidente Lula já sinalizou que existem muitas estatais que, nas palavras dele, só dão prejuízo. Há muita empresa federal, como por exemplo a empresa que foi constituída anos atrás para construir o trem bala entre Rio e São Paulo. O projeto foi abandonado há muitos anos por ser considerado inviável. A empresa continua, o orçamento, o prédio, o pessoal, as contas de água, luz e telefônica... O importante é eliminar isso [este tipo de gasto] para exatamente adicionar às despesas necessárias seja na área social seja na área de infraestrutura. Isso que importa.

Uma fonte de arrecadação possível seria a recriação de um imposto nos moldes da CPMF. Como o senhor avalia essa possibilidade de retorno?

Ela [impostos nos moldes da CPMF] trabalha no sentido contrário ao da tributação socialmente justa. Todos pagam a mesma alíquota. Se uma pessoa compra comida paga CPMF. Não acho uma forma de tributação eficaz do ponto de vista econômico, inclusive porque ela incide sobre a economia de forma muito erática. Quanto mais transação exista mais imposto se paga.

Há alguma reforma tributária que seria capaz de elevar a arrecadação e talvez abrir o espaço fiscal necessário?

Existe uma proposta de reforma tributária no Congresso que eu acho muito positiva (PECs 45 e 110). Ambas receberam um projeto substitutivo - com modificações portanto - que foi feito por unanimidade entre todos os estados brasileiros. Ela faz uma mudança completa e uma fusão do ICMS, IPI, Confins, entre outros, criando um imposto único, o imposto de bens e serviços (IBS). Isso simplifica tremendamente a arrecadação, permite crescimento maior, facilita a tributação e fiscalização e pode levar um aumento da arrecadação sem haver aumento de alíquota. Estudos feitos em conjunto com Banco Mundial mostraram que a alta complexidade tributária do Brasil é um dos maiores problemas que levam à baixa produtividade da economia brasileira.

Retomando um pouco a questão do teto, hoje há pressão sobre as despesas de uma maneira que não se pode fazer muita coisa sem furar o teto e existe uma demanda urgente com aumento de pobreza e tudo que foi pactuado pelas urnas nesse curto prazo. O senhor acha que tem que aumentar também as despesas com a máquina, por exemplo, em ciência e tecnologia ou com investimentos públicos?

À frente, pode se fazer algumas alterações no teto, mas é importante como eu disse - e repito - cortar despesas desnecessárias. Eu usei o exemplo do trem bala, de despesas que existem e companhias que não têm mais finalidade que, na medida que sejam fechadas, só causam benefício ao país.

Falando em benefícios, e os benefícios fiscais, que hoje estão em torno de 4% do PIB. Como o senhor avalia uma revisão deles?

Está aberto o campo para diminuir alguns benefícios fiscais. Não estamos falando da Zona Franca de Manaus. Há benefícios que foram concedidos por razões específicas. Para falar sobre isso é necessário fazer o exame um a um e chegar a conclusões, como inclusive fizemos em São Paulo o muito sucesso em 2021.

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