S.OS Pinheiro: moradores vivem dias de pânico (Léo Caldas/EXAME/Exame)
Karla Mamona
Publicado em 6 de julho de 2019 às 08h45.
Última atualização em 7 de julho de 2019 às 14h12.
Maceió - Há mais de um ano, a petroquímica Braskem é o assunto principal entre os moradores de Maceió, capital de Alagoas. O motivo é a possibilidade de afundamento de três bairros na cidade – Pinheiro, Mutange e Bebedouro – causado, segundo o governo, pela extração de sal-gema feita pela companhia.
A Braskem faz a extração de sal-gema, matéria-prima usada na produção de plástico, desde 1975 em Maceió. O polígono de concessão da companhia ocupa uma área de quase 2 mil hectares a 5 quilômetros do centro da cidade. Antes da paralisação das atividades, a empresa lavrava uma área de 83 hectares.
Um relatório publicado em maio pela CPRM (Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais), uma autarquia do Ministério de Minas e Energia, concluiu que a movimentação do sal entre 900 e 1220 metros de profundidade somada a estruturas geológicas antigas da região é responsável por rachaduras no solo e em construções que começaram a aparecer ao longo do último ano.
Os danos foram agravados pela infiltração de água de chuva nas falhas já existentes. E foi depois de uma forte chuva, em fevereiro de 2018, que os moradores dos bairros perceberam o surgimento de rachaduras nos imóveis. O problema aumentou de tamanho após um tremor de 2,5 graus na escala Richter sentido na capital alagoana, em março do ano passado.
A Braskem afirma que não é possível chegar a tal conclusão sem a realização de estudos mais aprofundados sobre o tema. De qualquer forma, a crise em Alagoas é uma das tantas que coloca dúvidas sobre seu futuro, conforme reportagem publicada na edição 1189 de EXAME.
A Justiça bloqueou 3,6 bilhões de reais da Braskem para garantir indenização às famílias afetadas pelo incidente em Maceió. Novos desdobramentos são imprevisíveis. “Queremos auxiliar a comunidade para que os moradores retornem a suas casas e a Braskem possa voltar a operar”, afirmou Fernando Musa, presidente da companhia.
Com medo de desabamento dos imóveis e do afundamento dos bairros, a Defesa Civil elaborou um plano de contingência. Os bairros, que abrigavam um total de 40 mil pessoas, foram divididos por cores em um mapa para diferenciar as áreas que deveriam ser evacuadas imediatamente e as que são monitoradas, podendo ou não ter retirada da população local.
A Defesa Civil e a prefeitura elaboraram um treinamento de evacuação para a população e as equipes de resgate. Apesar dos esforços dos órgãos competentes, alguns moradores relataram que o plano foi mal executado quando necessário. Eles esperavam que tocasse uma sirene para alertá-los, mas não houve este aviso sonoro. O único som que os alertavam eram de sirenes de ambulâncias e carros de polícia.
Até agora, cerca de 500 famílias deixaram suas casas para trás. Quem teve que sair de imediato devido ao risco recebe da prefeitura o valor de R$ 1.000 por mês. Outros se mudaram do bairro por conta própria com medo de perder a vida.
A equipe de reportagem de EXAME visitou duas vezes a unidade de atendimento da Defesa Civil no bairro do Pinheiro. No primeiro dia, as portas estavam fechadas porque estava fora do o horário de atendimento, das 8h às 14h. No segundo dia, encontrou moradores em busca de informações sobre o pagamento do auxílio-aluguel.
A apreensão e as informações ainda desencontradas causa todo tipo de questionamento entre os moradores da região. O telefone de Geraldo Vasconcelos de Castro Junior, uma das lideranças do movimento S.O.S Pinheiro, não para de tocar e de receber mensagens. “Estamos vivendo um clima de terror. As pessoas estão abaladas psicologicamente”, diz.
Segundo ele, desde quando começaram as rachaduras nos imóveis seis pessoas que moravam no bairro do Pinheiro morreram de problemas cardíacos. Fato que ele atribui ao nervosismo que eles passaram durante este período.
A possibilidade iminente de uma tragédia, podendo ser maior do que a que ocorreu em Brumadinho (MG), em janeiro deste ano, devido à população dos três bairros, está sendo acompanhada pelo Conselho Nacional de Justiça.
O assunto está sendo discutido pelos integrantes do Observatório Nacional de Casos Complexos de Grande Impacto e Repercussão com objetivo de ajudar na elaboração de plano de gestão de risco.
Durante a reunião realizada no final de junho, Raquel Dodge, procuradora-geral da República, destacou a complexidade do caso e o potencial de perdas de vidas humanas. E foi clara ao dizer que a tragédia não pode se concretizar.
Os três bairros têm perfis socioeconômicos diferentes. O Pinheiro, um dos bairros mais tradicionais da capital alagoana, é considerado um bairro de classe média alta. Já os bairros de Bebedouro e Mutange, têm casas mais modestas e até mesmo uma área invadida na encosta da lagoa Mundaú, onde a Braskem tem 35 minas de extração de sal-gema.
Segundo a prefeitura de Maceió, as casas que são irregulares serão demolidas. Além do afundamento do solo, estas casas podem ser engolidas pela lagoa que está avançando bairro adentro com a movimentação do terreno.
Além do medo de perder vidas, a cidade de Maceió enfrenta outro desafio: o prejuízo financeiro causado pelo esvaziamento do bairro. Em relato a EXAME, o dono de um supermercado no bairro do Pinheiro afirmou que seu negócio tem operado no vermelho, com um prejuízo de mais de 100 mil reais por mês desde o ano passado, quando houve essa evasão do bairro. “Infelizmente, já mandei muito funcionário embora. Até a conta de energia estamos tentando reduzir”, diz. O caso do supermercado é apenas um entre as quatro mil empresas operantes nos bairros.
A Associação dos Empreendedores do Pinheiro calcula que estas empresas empregam 10 mil pessoas, postos que estão em risco pela situação econômica da região. Segundo Alexandre Sampaio, presidente da Associação dos Empreendedores, o bairro faturava R$ 1 bilhão por ano. “Além do imóvel, a conta do prejuízo da operação e até da reconstrução da marca tem que ser feita. Alguém tem que pagar por isso”, diz.
As respostas sobre o que deve ser feito para evitar o afundamento dos bairros em Maceió ainda não são claras. A Braskem já anunciou o fechamento definitivo das minas. A solicitação do encerramento das atividades ocorreu, segundo a própria companhia porque ela não tem mais licença social para operar na região.
Antes do anúncio de fechamento, em abril deste ano, a Braskem assinou, juntamente com o Ministério Público do Estado de Alagoas, Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho em Alagoas e Município de Maceió um acordo de cooperação técnica.
Neste termo, a empresa se comprometeu a implementar uma série de medidas nos bairros afetados, como instalação de um sistema de drenagem pluvial, colocação de equipamentos de GPS para detecção da movimentação do solo, recuperação da pavimentação de vias e a revisão de estrutura de edificações.
Os moradores do bairro Mutange, que estão mais próximos da lagoa e que correm o maior risco, aguardam a liberação de 1240 unidades habitacionais do programa Minha Casa, Minha Vida que serão entregues, até o início do ano, conforme anunciado pela prefeitura. Em meio ao caos, o sonho da casa própria virou um pesadelo.
Em nota enviada à EXAME, a Braskem afirmou que as conclusões sobre o laudo elaborado pela CPRM foram precipitadas, trazem inconsistências relevantes e não apontam soluções definitivas a fim de assegurar a segurança aos moradores.
"A CPRM analisou menos de um terço das minas existentes que estão totalmente fora de atividade. Nas analisadas, a autarquia afirma que elas supostamente teriam desabado, mas os estudos dos sonares mostram que as minas estão estáveis, confirmando sua regularidade. Além disso, a CPRM diz que houve aumento no volume das cavernas com água pressurizada, mas não esclareceu que esse comportamento era justificável pois elas estavam em atividade, ou seja, estavam sendo exploradas, dentro dos padrões de segurança, e que tinham realmente de mudar de tamanho entre o período analisado."
A companhia aponta ainda que os estudos não identificaram condução elétrica em uma das cavernas de sal. Isso ocorreu, segundo a empresa, simplesmente por terem feito um corte a 900 metros de profundidade, enquanto que a caverna analisada de fato se encontrava, a 930 metros. Além disso, o Braskem afirma que a CPRM não considerou a falha geológica do Pinheiro, uma falha que teria sido reativada por conta da sucessão de vários abalos sísmicos, principalmente os que ocorreram com maior frequência a partir de 2016.