Ricardo Veléz Rodriguez: segundo o MEC, o email é uma orientação e não uma determinação (Marcello Casal jr/Agência Brasil)
Clara Cerioni
Publicado em 25 de fevereiro de 2019 às 18h36.
Última atualização em 25 de fevereiro de 2019 às 20h52.
São Paulo — O Ministério da Educação (MEC) enviou nesta segunda-feira (25) um email a instituições de ensino do país solicitando que no início do ano letivo, diretores organizem os alunos para cantar o hino nacional.
O e-mail pede ainda que seja lida para as crianças uma carta do ministro Ricardo Vélez Rodríguez, que termina com o slogan do governo “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos.”
“Brasileiros! Vamos saudar o Brasil dos novos tempos e celebrar a educação responsável e de qualidade a ser desenvolvida na nossa escola pelos professores, em benefício de você, alunos, que constituem a nova geração. Brasil acima de tudo. Deus acima de todos!”.
Também é solicitado que estes momentos sejam gravados e enviados para o governo, especificando inclusive o tamanho máximo do arquivo.
A mensagem deve conter o nome da escola, o número de alunos, de professores e de funcionários. Escolas particulares também receberam o pedido.
Segundo o MEC informou, por meio de nota, a atividade faz parte da "política de incentivo à valorização dos símbolos nacionais".
Segundo o Ministério, o e-mail não é uma ordem, mas uma orientação. "Para os diretores que desejarem atender voluntariamente o pedido do ministro, a mensagem também solicita que um representante da escola filme (com aparelho celular) trechos curtos da leitura da carta e da execução do hino", diz a nota.
O MEC não esclareceu se a mensagem foi enviada para todas as instituições de ensino do país.
Reação
Cláudia Costin, professora da FGV e ex-secretária municipal da Educação do Rio de Janeiro, diz para EXAME que introduziu o hino nas escolas da cidade e que é preciso separar as questões do decreto:
"Cantar o hino não tem nada de errado, afinal é um dos símbolos do país. O que eu não gostei é a mensagem que vem junto, de associar com o 'Brasil dos novos tempos'. O Brasil será de novos tempos quando a qualidade da educação avançar muito mais", diz.
Cláudia, que também já foi diretora sênior para educação no Banco Mundial e secretária estadual da Cultura em São Paulo, destaca que política educacional deve ser tratada como questão de Estado:
"Da mesma maneira que é proibido colocar o slogan do governo em uma obra, não se deveria associar cantar o hino a uma realização do governo Bolsonaro".
Ela também destaca que não é permitido sequer fotografar alunos sem permissão por escrito dos pais e vê a iniciativa da carta como uma nova distração:
"A sensação é que estão nos colocando para discutir questões acessórias ao invés de políticas públicas urgentes, como as condições e atratividade da carreira de professor".
Doutrinação
A oposição já reage ao episódio. No Twitter, Marcelo Freixo, deputado federal pelo PSOL, chamou a informação de "gravíssima" e disse que vai denunciar Vélez por crime de responsabilidade:
"O ministro da Educação se usa do lema de uma campanha para fazer doutrinação em massa nas escolas. Ministro, não é esse o seu papel".
O presidente Jair Bolsonaro e uma parte de seus apoiadores vem denunciando, desde a campanha, o que também apontam como doutrinação, só que da parte da esquerda, no ensino do país.
A questão seria combatida, segundo eles, pelo projeto Escola sem Partido, defendido pelo atual ministro e que teve diferentes versões desde 2014.
Os apoiadores do projeto não apresentam evidências empíricas de que a doutrinação é um fenômeno amplo nas escolas brasileiras e a questão não é vista como prioritária entre especialistas em educação.