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Marina Silva: "É necessária a renovação política, sem negá-la"

Em entrevista a EXAME Hoje, Marina ataca de forma comedida os últimos três presidentes e despista sobre a candidatura para 2018

Marina Silva: a ex-senadora diz que não é opção exclusiva do partido para o Planalto em 2018 (Alexandre Severo/Divulgação)

Marina Silva: a ex-senadora diz que não é opção exclusiva do partido para o Planalto em 2018 (Alexandre Severo/Divulgação)

Raphael Martins

Raphael Martins

Publicado em 17 de julho de 2017 às 18h34.

Última atualização em 17 de julho de 2017 às 19h24.

Desde as primeiras sondagens para a eleição de 2018, o nome da ex-senadora Marina Silva rivaliza no topo como umas das preferidas do eleitorado. Chegou a liderar as primeiras pesquisas Datafolha, mas agora aparece em terceiro, rivalizando com o deputado federal Jair Bolsonaro e atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Entre analistas, a queda se deve ao sumiço de Marina e suas opiniões nos momentos que Brasília pega fogo.

A fundadora da Rede Sustentabilidade passa agora a falar. Em entrevista a EXAME Hoje, ataca de forma comedida os últimos três presidentes, explica mais uma vez a agenda de renovação política de seu partido e despista sobre a candidatura.

“É legítimo que a Rede tenha pré-candidatos. Quanto mais estrelas no céu, mais claro o caminho”, diz. “Não nego que meu nome está colocado [para as eleições], sinto-me muito honrada por isso”.

Os melhores trechos da conversa estão abaixo.

O presidente Michel Temer ainda tem forças para se manter no Planalto?

Esse cenário é dramático para o nosso país, um prejuízo enorme para a sociedade em todos os setores, mas, principalmente, aos mais frágeis. Temos 14 milhões de desempregados e uma situação de descrédito em relação aos principais partidos e lideranças políticas. Recentemente, tivemos uma presidente impedida, que só não teve o mandato cassado com seu vice pelo TSE porque o tribunal ignorou a farta comprovação trazida pelos autos de que houve uma fraude eleitoral em 2014. Temos um presidente em exercício que tem um pedido convincente da Procuradoria-Geral da República para que seja investigado pelo Supremo, e que usa dos mesmos métodos da ex-presidente Dilma de tentar aliciar deputados, pela distribuição de cargos e liberação de emendas, além de fazer pressão na CCJ com substituições de deputados. Temos um ex-presidente condenado pela Justiça em primeira instância. Tudo isso suscita na sociedade brasileira muitas interrogações. O pior dos caminhos é achar que se resolve um problema dessa magnitude criando artificialmente lideranças. Aliás, uma boa parte dos problemas que temos hoje vem dessa ideia de que se pode botar um poste para disputar eleição, porque devem mostrar a força e manter a vaidade ao dizer que elegeu alguém do zero. A sociedade tem que fazer um esforço de inovação política, mas sem a negação da política. Temos que sair do presidencialismo de coalizão, baseado na cooptação por meios espúrios, que vemos sendo revelados na Lava-Jato, para um presidencialismo de proposição, onde a composição do governo e maioria do Congresso é feita por programa e não a distribuição de pedaços do estado para serem privatizados pelos partidos e pelos senhores feudais.

Se a senhora assumisse a Presidência hoje, o que faria para melhorar o programa de governo?

Eu não gosto de falar em hipótese, porque não gosto de me colocar num lugar que a sociedade não me colocou — ainda que eu diga que essa eleição foi uma fraude e não representou o voto livre dos cidadãos. Foi a decisão tomada com base nas informações que a sociedade tinha. As pessoas não votaram em nós, muito em virtude de um trabalho de desconstrução por parte de quem não tinha programa [campanha de Dilma Rousseff]. Apresentamos um programa, pagamos o preço. A política econômica que deu certo a partir do Plano Real tinha que ser institucionalizada, não ficar a mercê das estratégias eleitoreiras de quem quer que seja. É isso que acontece nas democracias evoluídas: institucionalizar as conquistas para que possam ser perenes, independentemente de quem está no governo. As vitorias têm que ser da sociedade. Imagina se o fim do Apartheid só funcionasse com Mandela.

Em um cenário sem o ex-presidente Lula, a senhora é a primeira colocada nas pesquisas de opinião. A senhora é candidata?

As candidaturas não devem ser postas de acordo com quem será ou não candidato por outros partidos. Uma candidatura que se reduz a isso não leva em consideração a responsabilidade de um a contribuição que possa dar, independente dos adversários. Todas as legendas têm direito, quando dentro das leis, a lançar os candidatos que quiserem. Dei uma contribuição em 2010, praticamente partindo do zero, porque achava que deveria colocar o debate para a busca de nova governabilidade e realinhamento político do Brasil, sem polarização e reconhecendo a preservação de conquistas e corrigindo erros. Em 2014, por uma ação política, não pude sair candidata pela Rede, porque não foi concedido o registro do partido. Foi feito um apoio programático ao PSB. Agora, depois de duas campanhas, tenho senso de responsabilidade maior. Tive mais de 20 milhões de votos, sem fazer parte desses esquemas criminosos de desvio de dinheiro público para campanha e estruturas faraônicas e debates cinematográficas de marqueteiros sem compromisso com o povo. A quantidade de votos é uma demonstração de uma parte da sociedade está buscando um novo caminho e uma outra maneira de votar.

Em 2018, temos o partido montado e programa mais conhecido. O que falta para a senhora se colocar na disputa?

Temos que pensar em qual a melhor contribuição que posso dar. Em 2014, não achei que a melhor ideia era sair candidata me filiando de última hora a um partido, mas apoiar o PSB com Eduardo Campos. Agora, com esse senso de responsabilidade e nessa situação que o Brasil está, é legítimo que a Rede tenha pré-candidatos. Quanto mais estrelas no céu, mais claro o caminho. Não nego que meu nome está colocado [para as eleições], sinto-me muito honrada por isso. Mas o pior dos mundos é ficar mais uma vez refém da lógica da ‘eleição pela eleição’, ou presos naquele nome em lugar de discutir quais seriam as bases para o Brasil após a Lava-Jato, quais os nomes para que se possa transitar do presidencialismo de degradação para de proposição. Não pensamos nos esquemas para se perpetuar no poder, por 20 ou 30 anos, como partidos que nunca dialogaram em nome daquilo que é melhor para o Brasil, e agora se juntaram para desmoralizar a Lava-Jato, aprovar leis para inibir e constranger juízes e autoridades do Ministério Público e fazer artimanhas para diminuir recursos da Polícia Federal.

Então há vontade pessoal de concorrer.

Eu sou uma pessoa que encara a política como serviço. A quem me pergunta se tenho medo, digo que medo todos temos, mas quem tem compromisso com o país, não dá espaço para o medo. O Brasil precisa é de compromisso. Não só dos que têm força e poder.

Dentre os grandes nomes da política brasileira cogitados para 2018, a senhora é a única filiada a um partido pequeno. Há a chance de ter um partido menor na Presidência com as regras eleitorais que temos?

Se formos pensar na reforma que está aí, só chegarão ao poder o PT, PMDB e PSDB. O tempo de TV, o fundo partidário e todas as estruturas são feitos para eles. Mas a sociedade é maior que todo e qualquer partido. Sempre pode nos surpreender. Talvez agora as mudanças não sejam feitas apenas pelos partidos, mas também pelos movimentos. Na história do Brasil, nas diferentes áreas, as maiores contribuições são da iniciativa social. Os ganhos de políticas socioambientais vêm da sociedade, as lutas dos direitos humanos que geraram os marcos regulatórios, a universalização a saúde pelo SUS veio de movimentos de médicos, sanitaristas, agentes de saúde. Foi a população que freou o projeto de abuso de autoridade e de anistia do caixa dois. Espero que se mobilizem também para que o que aconteceu na CCJ [reprovação do relatório favorável à investigação do presidente Michel Temer] não aconteça no plenário e o presidente possa ser levado à Justiça. Em um momento que poderíamos estar fazendo uma transição para um país mais justo e democrático, temos de lidar com o apego ao poder.

A Rede teve um resultado pouco expressivo nas últimas eleições municipais. Qual a estratégia para mudar o quadro em 2018? O que muda e o que se mantém?

Temos apenas dois anos. O registro saiu na reta final de filiação para as eleições de 2016. Isso também não foi por acaso. Ter 30 dias para filiar as pessoas fez boa parte das pessoas que se interessavam pela Rede terem procurado outros caminhos. Para trocar de partido, só poderia fazer a mudança para partidos novos. Foi assim até o registro do Solidariedade e do PSD. Quando saiu o registro da Rede, foi aprovada a toque de caixa uma proposta de mudança para qualquer partido por 30 dias. Somos apenas o 28º partido em fundo partidário, com 12 segundos de tempo de televisão. Concorrer em eleições municipais nessas condições e fazer seis prefeitos já é uma vitória. Nossa escolha foi pela qualidade, com nossos princípios. Cada vez mais, a partir de agora, os partidos têm que se colocar em linha com os movimentos da sociedade. Quando partidos fazem qualquer coisa para ganhar tempo de TV e fundo partidário, dá no que deu. É preferível perder ganhando que ganhar perdendo. Quando fui candidata, perdi ganhando. Quem ganhou, comprovadamente ganhou perdendo. Me recuso fazer perder ainda mais a sociedade brasileira.

A repulsa da população com a classe política intensificou-se nos últimos anos. Como fazer essa situação não chegar à Rede?

Cada vez mais, as pessoas vão olhar para prática das pessoas e suas trajetórias de vida. Serão muito mais determinantes que os discursos. É óbvio que é necessária a renovação política, mas não acho positivo entrar na política com o discurso de negar a política. A política está em crise e não é só no Brasil, é no mundo. Vivemos uma situação de respostas difíceis. Hoje há mais problemas que respostas. Olha o que está acontecendo nos Estados Unidos e na Europa. Em uma situação como essa, a inovação é a capacidade de pensar adiante.

Em 2018 haverá uma renovação concreta do Congresso e do Executivo?

A inovação na magnitude que precisamos não acontece em apenas uma eleição. Mas é possível o início de uma transição. É fundamental sair do pragmático para discutir projeto de país e acabar com o ambiente de rejeição da classe política. Se continuarmos fingindo que não aconteceu nada, que não há corrupção, que ninguém sabe, ninguém viu, realmente estaremos no pior dos mundos. Não é o abismo, é o fundo dele.

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