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Maria Inês Fini, ex-presidente do Inep: “Enem 2019 sofreu censura”

Professora que presidiu o Inep entre 2016 e 2018 aponta má gestão do órgão como causa dos erros no Enem e diz que houve “pente-fino” no banco de questões

MARIA INÊS FINI: penso que há uma paralisação desastrosa tanto no MEC quanto no Inep (José Cruz/Agência Brasil)

MARIA INÊS FINI: penso que há uma paralisação desastrosa tanto no MEC quanto no Inep (José Cruz/Agência Brasil)

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Da Redação

Publicado em 4 de fevereiro de 2020 às 08h00.

Última atualização em 4 de fevereiro de 2020 às 08h02.

No início de 2019, Maria Inês Fini teve sua gestão no Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) encerrada de forma brusca. A professora foi exonerada do cargo de presidente da autarquia ainda nos primeiros dias de mandato do presidente Jair Bolsonaro, após estar desde 2016 à frente da instituição 一 responsável, entre outras funções, por dados da educação brasileira e a realização do Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem.

Mais de um ano depois, em entrevista a EXAME, Fini afirma que a edição do Enem aplicada em 2019 sofreu censura na gestão Bolsonaro ao ter seu banco de questões periciado por três pessoas indicadas pelo governo e que, segundo ela, não eram conhecidas pelos técnicos do Inep.

“A prova desse ano mostra um pouco essa censura. Do ponto de vista histórico, o período de 1964 foi eliminado, sequer foi tocado no assunto”, disse. Professora aposentada da Universidade de Campinas (Unicamp), Fini ajudou a criar a primeira versão do Enem em sua primeira passagem pelo Inep, entre 1997 e 2002, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso. Em 2019, para além do conteúdo das questões, a prova virou tema de nova polêmica após um erro na correção afetar as notas de milhares de alunos e criar uma desconfiança geral acerca dos resultados do exame.

A EXAME, Fini falou sobre os erros nesta edição da prova, o ensino superior no Brasil e sua gestão à frente do Inep. Veja abaixo os principais trechos da conversa.

Desde que Bolsonaro assumiu, o Inep já teve quatro presidentes. Como isso afeta o funcionamento do órgão e das políticas de educação no Brasil?

O que vemos hoje é um caso de gestão, para não dizer desastrosa, infeliz. Isso tanto no Inep quanto no Ministério da Educação. Pessoas foram guindadas a cargos sem conhecer absolutamente nada de educação. Há trinta anos a gente vêm trabalhando para melhorar um sistema extremamente desigual que nem a mudança do PSDB para o PT conseguiu destruir, e que agora está desmoronando.

Antes de tudo, o Inep é um instituto de trabalho técnico de muita sofisticação. Não há espaço para improvisar. Passamos a ver equipes altamente capacitadas sendo colocadas em posições subalternas e sendo guiadas por pessoas que não entendem nada daquilo que é a função do Inep. Isso só poderia resultar nesse erro que vimos agora na última edição do Enem. Essas mudanças no Inep são estritamente políticas.

Como se deu seu processo de saída do Inep?

Minha saída se deu por uma interpretação completamente equivocada por parte do presidente e de seus filhos acerca de uma questão do Enem 2018 onde se pedia que o aluno identificasse as características de um dialeto, o Pajubá, que é a linguagem da comunidade LGBT. Essa foi a desculpa que usaram para me tirar do cargo e aparelharem o Inep com pessoas de outra formação.

Se você olhar para o MEC, vai ver que as políticas estão paradas. Cadê a política do livro didático; cadê a formação de professores para alfabetização; cadê a discussão do Fundeb [fundo de financiamento da educação básica e que está em discussões para ser renovado]? Não temos mais nada.

Só se fala, se faz proselitismo, e nada daquilo que custamos tanto para construir está tendo continuidade. Penso que há uma paralisação desastrosa tanto no MEC quanto no Inep. Estamos vendo o Ministério da Educação fazendo tudo, menos educação.

 

Qual é a responsabilidade do MEC e do Inep na elaboração do Enem?

O MEC apenas pega o resultado do Enem e passa para o banco do Sisu [Sistema de Seleção Unificada, que oferece vagas em universidades federais]. Quem faz o Enem é o Inep, desde a convocação e treinamento de professores até a logística de policiamento para garantir a segurança da prova.

A gráfica faz a primeira leitura mecânica da folha de respostas do aluno e, nessa edição, houve uma falha mecânica da gráfica e também de gestão de tecnologia do Inep. Sem dúvida, atualmente a falha mais grave é de gestão política. Faltou habilidade do Inep e do MEC. Quando há uma crise, é preciso avaliar causa e consequência de maneira muito mais correta do que foi feito.

Como você enxerga a evolução do Enem nos últimos anos? A prova de fato revolucionou o acesso à educação superior?

O Enem foi criado com o intuito de qualificar as estruturas de pensamento da juventude. Era uma prova mais interdisciplinar e o ministro Fernando Haddad [do PT, ministro entre 2005 e 2012] resolve transformá-la em um grande vestibular nacional, com conteúdo similar aos vestibulares tradicionais. A prova continua sendo um exame muito bem feito, mas não tem mais o caráter de sua criação. Ao mesmo tempo, a mudança de foco transformou o Enem em uma política pública extremamente significativa para a juventude. Muitos jovens se beneficiaram.

Agora, mais uma vez, a Base Nacional Comum Curricular traz essa discussão. É imperativo que a estrutura do Enem seja modernizada e que o exame passe a cobrar outras capacidades mentais que não a memória. Dificilmente isso acontecerá com a atual gestão do Inep, porque a verdade é que não se deixa os técnicos qualificados trabalharem.

Quais são os maiores desafios de elaborar uma prova das proporções do Enem?

Por mais que a gente domine a logística, em um exame dessa proporção, uma das variáveis sempre pode escapar ao controle. Ao longo desses 20 anos, o Enem foi se aprimorando em diversas gestões governamentais, não houve interrupção desse aprimoramento. Com toda a tecnologia de suporte, você elimina uma série de problemas. A logística em si não é um problema, o principal problema é a gestão.

O Enem já foi alvo de outros problemas em sua aplicação em anos anteriores, como questões vazadas. Mas é a primeira vez que há erros na própria correção do exame. Como você avalia essa última edição da prova?

Antes mesmo de ser nomeado, o primeiro presidente do Inep que me substituiu indicou uma comissão de censura que ia fazer uma leitura para tirar aquilo que, ideologicamente, eles achavam que estava comprometendo o Enem. Nos primeiros dias de janeiro de 2019, três pessoas desconhecidas tiveram acesso ao ambiente seguro do Inep, leram todos os itens do banco de questões do Enem e retiraram desse banco as perguntas que eles achavam que tinham algum problema ideológico. Nós nunca vimos quais são essas questões e essas pessoas sumiram.

A prova desse ano mostra um pouco essa censura. Do ponto de vista histórico, o período de 1964 foi eliminado, sequer foi tocado no assunto. As outras questões, nós não sabemos, porque até hoje o Inep não disse quais foram as perguntas anuladas nem o porquê. Foi uma prova bem feita? Sim. Uma prova estruturalmente organizada? Sim. Mas já houve certa seleção de questões. Eu avalio que a aplicação foi correta, embora lamentavelmente esses erros tenham acontecido.

Esses erros comprometem a credibilidade da prova? A resposta dada pelo MEC foi suficiente para tranquilizar os estudantes?

Espero que não, mas até hoje há pessoas questionando os resultados. A resposta dada pelo MEC não foi suficiente para se comunicar nem tranquilizar o público, garantindo que todas as provas foram revisadas. Espero que isso não arranhe a estrutura do Enem, mas com o erro, não sei como o MEC pode garantir a credibilidade dessa edição.

Como você avalia o atual ministro do MEC e os rumos que a pasta está tomando?

Prefiro não entrar nesse assunto.

O Fundeb está prestes a ser renovado. Você acha que a União deve dar mais recursos para estados e municípios na nova versão?

Dependendo de como você olha, o recurso pode parecer muito pouco ou pode parecer correto. Se você propuser uma contrapartida da união muito maior, você quebra o Brasil. Tem que haver um equilíbrio muito grande na distribuição desses recursos. O próprio Congresso Nacional e grupos de especialistas já estudam isso há mais de dez anos.

O Ministro da Educação diz que não vai considerar esses estudos e que ele tem uma proposta para fazer ao governo, que pode ser editada como Medida Provisória. Isso é uma falta de respeito muito grande com todos nós brasileiros. O mais preocupante é a ignorância do Ministro em relação aos estudos que foram propostos. São pesquisas baseadas em fundamentos econômicos. Você não pode fingir que isso não existe e editar uma Medida Provisória.

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