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Marçal sinaliza candidatura em 2026, mas juristas apontam risco de inelegibilidade

Ações na Justiça Eleitoral por "cortes monetizados" e divulgação de fatos "sabidamente inverídicos" devem ser obstáculos para os planos do candidato derrotado em SP

Pablo Marçal (PRTB)
 (FLOW/Divulgação)

Pablo Marçal (PRTB) (FLOW/Divulgação)

Publicado em 10 de outubro de 2024 às 12h05.

Última atualização em 10 de outubro de 2024 às 14h51.

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Desde a derrota no primeiro turno da eleição para prefeito de São Paulo, neste domingo, 6, o influenciador Pablo Marçal (PRTB) vem aventando seu desejo de concorrer ao cargo de governador ou presidente em 2026. No entanto, qualquer que seja seu plano, o influenciador terá que "combinar com a Justiça Eleitoral", avaliam advogados especialistas em direito eleitoral ouvidos pela EXAME.

No Tribunal Superior Eleitoral (TSE) há mais de uma centena de processos movidos contra o influenciador ao longo de sua campanha eleitoral entre agosto a outubro. As ações variam de pedidos de respostas, a maioria requeridos pelo atual prefeito Ricardo Nunes (MDB), notícias-crime, uma boa parte feitas pelo apresentador José Luz Datena (PSDB), a representações por propaganda eleitoral irregular.

O principal obstáculo para os planos de Marçal, porém, devem ser as Ações de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE). Esse tipo de representação corre na Justiça Eleitoral, sem caráter criminal, e é conhecida por ter uma tramitação rápida na Corte. Há pelo menos 9 processos do tipo contra Marçal registrados no TSE.

Todas as AIJE contra Marçal apuram se houve, por parte do candidato, o uso indevido dos meios de comunicação e se, a partir dessa utilização irregular, a representação teve gravidade suficiente seja qualitativa, de ser uma conduta inaceitável, ou quantitativa, por ter afetado um grande número de pessoas. Comprovada a denúncia, o agente pode ter seus direitos políticos cassados.

"Ele pode ter os planos que ele quiser. Precisa combinar com a Justiça Eleitoral, onde parece-me que ele não terá vida fácil", disse um conhecido advogado no meio político.

Falso laudo médico

O advogado Fernando Neisser, membro da Coordenação Acadêmica da ABRADEP (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político) e presidente da Comissão de Direito Político e Eleitoral do IASP (Instituto dos Advogados de São Paulo), vê "ambos os critérios (qualitativos e quantitativos da AIJE) mais do que atendidos" no episódio do falso laudo médico apresentado por Marçal para associar o deputado Guilherme Boulos (PSOL), seu adversário na eleição, ao uso de drogas.

O caso ocorreu na antevéspera do primeiro turno, quando o candidato, agora derrotado, publicou um documento afirmando que Boulos teria sido atendido em 2021 por um surto psicótico, e que um acompanhante teria apresentado um exame toxicológico que mostraria a presença de cocaína no sangue do deputado.

O suposto laudo apresentava um número errado no campo do RG do candidato do PSOL e a assinatura de um médico que estava morto e já constava como inativo no CRM.

A Justiça determinou a exclusão da postagem nas redes sociais e viu indícios de falsificação. Antes de ser apagado, o post de Marçal já acumulava mais de 380 mil curtidas e milhares de reproduções. No dia seguinte, a Polícia Federal, em menos de 24 horas para a realização do primeiro turno, abriu um inquérito contra o influenciador e uma perícia atestou que o laudo era falso — a Polícia Civil de São Paulo também investiga o caso.

Já na segunda, 7, o jurídico da campanha de Boulos ingressou com uma AIJE que deve levar Marçal à inelegibilidade por 8 anos, garante Neisser.

"Há a divulgação de fatos sabidamente inverídicos, o crime de injúria eleitoral, o crime de difamação eleitoral, o crime de falsidade com fins eleitorais e, muito provavelmente, Pablo Marçal não fez tudo isso sozinho, conforme se promover essa investigação tende a haver também o crime de associação criminosa", afirma o advogado especialista em direito eleitoral. "Esse é um crime comum, está no Código Penal, mas quando ele é praticado em conjunto com crimes eleitorais, ele é apurado junto e processado também na Justiça Eleitoral. É o que chamamos de crime conexo."

Para ele, Marçal será "julgado e cassado". "Não tenho nenhuma dúvida, o que ele fez é de um nível de gravidade altíssima. Ele será banido por oito anos da política", diz. 

Inelegibilidade à vista

A avaliação de Neisser é corroborada pelo advogado e professor Sidney Neves, presidente da Comissão de Direito Eleitoral do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O especialista contesta a alegação de Marçal feita logo após a divulgação de que o laudo era falso. Ainda no sábado, o então candidato justificou que não tinha ligação com o documento e que apenas havia recebido e repassado.

O influenciador também classificou como "desproporcional" a decisão da Justiça de suspender suas redes sociais por conta do ato. Neves explica que, nesse tipo de caso, a Justiça Eleitoral, em tese, costuma levar em considerar a autoria do fato – se há provas de que se praticou o ato ilícito –, e o fato de ser beneficiário de um ato irregular.

"Você observa o próprio resultado da eleição de São Paulo, um resultado muito apertado, um pleito disputado em que os candidatos tiveram uma margem de um para o outro muito pequena. Então a pergunta que faço é: Marçal não se beneficiou desse fato que afeta a reputação de outro candidato? E eu não tenho dúvida. A utilização de um documento falso, ainda que ele afirme que 'só recebeu e repassou', o fato de ele repassar não é um simples fato de repassar. Ele tem milhões de seguidores, pessoas que o acompanham, que observam o que ele escreve e publica, e levam em consideração", diz o advogado.

Segundo o especialista, o princípio da diligência — isto é, assegurar a legalidade do processo, um dos pilares da ética do Direito — foi rompido pelo candidato do PRTB.

"O alcance que ele tem não é o mesmo alcance de uma pessoa comum, ele potencializa — e potencializa muito mais quando se é um candidato. Tudo isso deve ser considerado pela Justiça Eleitoral com um elemento que amplifica o fatos e que ele pode sim ser um beneficiário (da mentira)", afirma. "Não se pode mensurar isso em votos, mas é possível mensurar isso em destruição de uma reputação, de alguém que uma pessoa acolá poderia votar, que é o caso do Boulos, segundo colocado no pleito, e que ele Marçal queria assumir essa posição para continuar na disputa."

Os advogados concordam também que a derrota de Marçal nas urnas retira o senso de urgência que o julgamento do caso teria se o influenciador tivesse avançado para um segundo turno. Ainda assim, seguindo o artigo de duração razoável de um processo, os especialistas acreditam que dentro de um ano Marçal será declarado inelegível na segunda instância.

Segundo um advogado eleitoral que pediu reserva à EXAME, há gravidade suficiente nas condutas para uma declaração de inelegibilidade. Além disso, pondera, quando Marçal faz discursos falando sobre a possibilidade de se candidatar nas eleições de 2026, ele alimenta os processos contra ele. "Isso faz com que os adversários todos pressionem ou não deixem a Justiça Eleitoral, que por si só já é uma justiça muito célere, esqueça essas ações", diz a fonte.

Punição pedagógica

Na avaliação dos especialistas ouvidos pela EXAME, caso deve repercutir como uma função pedagógica para os futuros pleitos. Ou seja, seria necessário alguma "reprimenda significativa" para que casos como este não se repitam no futuro. "Hoje é com um candidato de esquerda, daqui a pouco é com um candidato de direita, então se não houver uma mão forte da Justiça Eleitoral, mostrando para os políticos de modo geral que esse tipo de ação é inaceitável, isso vai acontecer de novo", afirma um advogado.

Neisser e Neves traçam ainda paralelos do caso com o do ex-deputado estadual Fernando Francischini, que foi cassado em 2021 por divulgar notícias falsas contra o sistema eletrônico de votação.

A condenação também foi citada como precedente para Marçal pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, que pediu explicações do influenciador, no final de semana, sobre o uso irregular da rede X, antigo Twitter.

Cortes monetizados

Além disso, os advogados destacam que há condições para tornar Marçal inelegível por outra AIJE movida, nesse caso, pelo PSB, partido da então adversária na disputa, a deputada federal Tabata Amaral.

A peça jurídica acusa Marçal de abuso de poder econômico e uso indevido de meios de comunicação ao promover cortes monetizados e fazer da eleição "grande negócio".

O processo atualmente é o que está mais avançado e teve apensado a ele outras AIJEs ingressadas pela vereadora Silvia Andrea Ferraro, que acaba de ser reeleita pelo mandato coletivo da Bancada Feminista do PSOL na Câmara Municipal de São Paulo.

Novos desafios para a Justiça Eleitoral

Os especialistas em direito eleitoral concluem que a Justiça, a partir da eleição em São Paulo, foi lançada a novos desafios. Entre eles o de atualizar uma legislação que pouco responde ao comportamento provocativo às regras de um candidato como Marçal e que tem domínio na internet.

"Sem dívida, hoje o que domina e determina as eleições e as discussões políticas está nas redes sociais e na internet", afirma a advogada especialista em direito eleitoral Angela Cignachi, membro do Instituto Brasileiro de Direito Eleitoral (IBRADE). "Tem muita regrinha para tudo, outdoors, pinturas de rua, propaganda em residência, mas são temas que não têm mais a relevância que tinham até pouco tempo atrás. E, por outro lado, vemos uso de redes sociais de forma extremamente profissional de todos o candidatos e uns ingressando na politica em razão desse marketing, então têm que ser revisitadas essas regras".

Procurada, a assessoria de Pablo Marçal não respondeu até a publicação dessa matéria. O espaço segue aberto.

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