Manuela D'Ávila: confira a entrevista da candidata do PCdoB à EXAME (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Leo Branco
Publicado em 28 de novembro de 2020 às 08h00.
Última atualização em 28 de novembro de 2020 às 15h52.
Na reta final de uma disputa apertada pela Prefeitura de Porto Alegre (RS), Manuela D'Ávila (PCdoB) tem 42% das intenções de voto contra 49% de Sebastião Melo (MDB), pela última pesquisa Ibope, realizada nesta semana.
Em entrevista à EXAME, disse que aposta no investimento público para movimentar a economia da cidade. Suas propostas no governo vão desde aumentar as compras de pequenos empreendimentos locais até o estimular o microcrédito a pequenos empreendedores, com garantia da prefeitura.
Uma de suas primeiras atitudes será suspender o aumento recente do Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbano (IPTU).
Veja os principais pontos da entrevista com D´Àvila:
Tanto o governo do estado quanto a prefeitura têm agendas para combater o racismo. Ao ser eleita, o que a senhora faria de diferente em relação ao que já existe hoje?
Quando registramos nosso programa de governo no Tribunal Regional Eleitoral (TRE), já incluímos um plano de construção de uma cidade antirracista. Essa é a diferença da nossa candidatura. Essa pauta ganhou muito destaque, lamentavelmente, a partir do assassinato do Beto Freitas, no Carrefour, mas já preocupava mulheres e homens negros que vivem em Porto Alegre, que é a cidade com maior desigualdade entre negros e brancos no país.
Prevemos um conjunto de ações. Primeiro, levantamos a ideia de que os servidores precisam ser capacitados para serem atores na construção dessa nova realidade. Queremos construir nas escolas aquilo que há bastante tempo o movimento negro luta, que já é legislação, mas que não é implementado, como a inclusão do conteúdo relacionado à história dos negros no Brasil e no Rio Grande do Sul no conteúdo didático, como é o caso da batalha de Porongos.
Enfrentar o racismo na cidade também passa por medidas de combate à desigualdade territorial, porque Porto Alegre é uma cidade super segregada territorialmente. Além disso, prevemos a construção casas de acolhimento a mulheres vítimas de violência doméstica, que atinge, sobretudo, as negras.
Entrando no tema da economia, um ponto que chama atenção na prefeitura de Porto Alegre é que a atual gestão tem feito um trabalho de ajuste fiscal e conseguiu estancar de alguma maneira o crescimento do déficit e das dívidas. Ao ser eleita, a senhora mudará algo na direção do trabalho que vem sendo feito nas últimas gestões?
Nós teremos uma gestão fiscal absolutamente responsável. Mas achamos que, nesse último período, o déficit social foi tremendo na cidade e, ao mesmo tempo, a projeção orçamentária enviada à Câmara era sempre maior no começo da gestão do que aquela realizada. Além disso, muitos investimentos saem no último ano de governo, o que não é adequado. Precisamos garantir que os investimentos públicos aconteçam para que a economia se movimente, por isso temos um conjunto de medidas para garantir que Porto Alegre abra um novo ciclo de desenvolvimento econômico.
Nossas medidas de enfrentamento à crise passam, por exemplo, pela suspensão do aumento do IPTU. Isso não vai reduzir a arrecadação, significa que ela vai deixar de aumentar. Prevemos um impacto de R$ 34 milhões nas contas, mas acreditamos que, mantendo negócios abertos, esse valor poderá retornar aos cofres a partir do ISS e do retorno do ICMS.
A partir do ano que vem, as cidades terão de lidar com uma série de despesas obrigatórias. Todas as prefeituras brasileiras vão ter mais despesas, por exemplo, com o Fundeb, que deve ter significar 290 milhões de reais em despesas a Porto Alegre. Vai dar para fazer essa liberação fiscal, ou seja, evitar o aumento de impostos, considerando que a conta para a cidade vai ficar mais cara?
Nosso programa não trabalha com aumento de tributos. É possível seguir esse plano com a gestão responsável e com o caixa no dia a dia. Agora, é importante dizer que a prefeitura gasta, em média, 1,7 bilhão de reais em compras governamentais, que são compras feitas de maneira absolutamente burocráticas, mesmo que a legislação permita que nós compremos parte das micro e pequenas empresas.
Então, para nós, atingir os 20% das compras, que são basicamente R$ 340 milhões, de pequenas empresas e tentando fomentar a economia local também garante que a cidade arrecade mais. Esse tipo de política é muito inspirado em países desenvolvidos, sobretudo europeus, que praticam a chamada economia dos comuns, dos circuitos mais curtos econômicos, para tentar retomar a atividade.
A gestão atual avançou na contratação de organizações sociais na área de saúde e também avançou nas parcerias público privadas em outras áreas, inclusive em educação. Essa é uma agenda que continuará no seu mandato?
A pandemia pede estabilidade na área da saúde, o que não ocorreu no atual governo. As terceirizações geraram uma verdadeira crise no atendimento básico, deixando parte da população desassistida. Nossa proposta é garantir que os trabalhadores que são da estratégia municipal da saúde da família tenham sua situação regularizada, como a justiça federal já nos disse que é possível. Mas não há nenhuma condição de romper contratos antes de a pandemia acabar.
Já as PPPs referentes à iluminação pública vão continuar. No entanto, entendemos que deve haver prioridade para regiões mais vulneráveis, onde há mais conflitos sociais relacionados à violência.
Uma proposta que a senhora colocou recentemente, de crédito para empreendedores com o fundo garantidor gerou bastante repercussão. Gostaria de entender melhor como isso funcionaria e se é possível usar esse instrumento numa situação de contas públicas pressionadas, como elas estarão a partir de 2021.
O setor bancário vem passando por diversas transformações ultimamente, com foco em políticas de curto prazo para alavancar economias locais. Evidentemente, é possível para Porto Alegre seguir esse plano, já que a cidade tem um valor orçamentário bastante equilibrado. É uma ação que também pode oferecer retorno para nós. Santa Catarina, por exemplo, já alcança níveis bem elevados de microcrédito para pequenos e médios empreendedores, então acreditamos que é possível garantir 200 milhões de reais em crédito.
Essas políticas podem ter altos impactos na região de periferias. Em Porto Alegre, mais de 18% dos desempregados procuram trabalho há mais de dois anos. Esse cenário faz com que as pessoas empreendam: é o salão do bairro, o docinho de festa, o bolo de festa etc.
Existe também uma agenda do empreendedorismo de desburocratização de processos públicos, como abertura e fechamento de empresas, por exemplo. O que a senhora pretende fazer dentro dessa seara?
Eu gosto bastante da proposta da Sala do Empreendedor (Salas do Empreendedor são locais de atendimento das Prefeituras Municipais que facilitam os processos de abertura de empresas). Queremos aperfeiçoar essa ação. Também me inspiro bastante no modelo do Flávio Dino, governador do Maranhão, que é o estado onde o empresário abre o negócio de forma mais rápida, são só seis horas. Se foi possível fazer lá, é possível fazer em Porto Alegre que já avançou com iniciativas, como a Sala do Empreendedor.
Se eleita, a senhora vai assumir o mandato com o campo político oposto tanto na gestão do governo do estado quanto no campo nacional. Teme ter dificuldades ao colocar em prática sua agenda?
Não, o governador Eduardo Leite tem se mostrado um homem muito comprometido com o diálogo e com a política como ela deve ser feita. O governo não pode escolher a quem olha, nem o presidente deveria poder olhar. Agora, eu tenho não basta só ter uma boa relação com governo e presidente, é preciso ter coragem de lutar para defender os interesses do povo. Isso pode significar dar as mãos ou disputar com quem nos governa.