O ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta: "O presidente sabia, assim como os outros ministros, quais seriam as consequências, principalmente daquelas medidas de aglomeração em que ele participou" (Getty/Getty Images)
Lucas Amorim
Publicado em 9 de agosto de 2020 às 09h12.
Última atualização em 10 de agosto de 2020 às 08h54.
Médico ortopedista e ex-deputado federal, o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta comandou o ministério da Saúde do governo de Jair Bolsonaro até 16 de abril. Até aquele dia, a pandemia do novo coronavírus havia provocado duas mil mortes. Na ocasião, o então ministro pregava o distanciamento social como forma de reduzir o ritmo da transmissão do vírus, até que estados e municípios conseguissem criar mais leitos de UTI para que os casos graves pudessem ser tratados. O presidente da República discordava da orientação. Acreditava que a quarentena enterraria a economia (e seu governo junto). Pouco menos de quatro meses foram suficientes para que a Covid-19 alcançasse a trágica marca de 100 mil vidas ceifadas no país e sepultasse a tese de que Mandetta estava exagerando e espalhando pânico entre população, argumento de Bolsonaro para demitir o ministro no meio da pandemia. Proibido de trabalhar por seis meses pela Comissão de Ética da Presidência da República, caso único entre ex-titulares da Saúde, Mandetta acompanha a evolução da pandemia, enquanto finaliza um livro no qual contará sua experiência à frente da pasta durante a maior epidemia dos últimos 100 anos. Em entrevista concedida nesse sábado (8), data em que o Brasil ultrapassou 100 mil mortes pela doença, Mandetta afirmou que o presidente Bolsonaro foi alertado de que os óbitos atingiriam esse patamar e que é dele a maior parcela de responsabilidade pela cifra trágica. Ainda segundo Mandetta, os militares estão à frente do ministério apenas para cumprir ordens e ocupá-lo até que a pandemia passe, e a pasta possa, então, ser negociada politicamente.
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Em março, ainda à frente do ministério, o senhor previu que a pandemia seria longa e que o número de mortes só cairia de forma acentuada em setembro. O senhor previu também que chegaríamos a 100 mil mortes, como chegamos neste sábado. O presidente da República foi informado desse número?
Olha, nunca falei em números para a população porque achei que causaria um grande estresse nas pessoas. Falei do tempo, porque os nossos estudos mostravam que a pandemia teria um comportamento de aproximadamente vinte semanas. Também tínhamos o entendimento que seria uma epidemia em diferentes estágios nas diferentes cidades do território nacional. Nós tínhamos três caminhos para enfrentar a doença. O primeiro, fazendo uma oposição dura ao vírus, com isolamento, controle, monitoramento, o que certamente daria um número mais baixo de óbitos. Tínhamos o segundo caminho, com a posição do presidente da República, que era quase de liberar geral e passar por essa doença como se nada estivesse acontecendo, o que seria uma tragédia de altíssimas proporções. E tínhamos um cenário intermediário, no qual a gente imaginava graus diferentes de adesão ao isolamento, de acordo com a liderança à frente do processo, e, depois, aprofundamento do isolamento nas cidades que tivessem transmissão maior, que foi o que se tentou. Eu demonstrei ao presidente as consequências desses três cenários.
Mas o senhor o senhor mostrou ao presidente os números de óbitos desses cenários e os 100 mil estavam dentro dessas projeções?
Sim, estavam. O presidente não pode jamais dizer que não sabia o que iria acontecer com a tomada de decisão dele. Ele sabia, assim como os outros ministros, quais seriam as consequências, principalmente daquelas medidas de aglomeração em que ele participou, daquele discurso de ”vamos todo mundo trabalhar”, com o desprezo à ciência, com a tentativa de retirar toda e qualquer prerrogativa de governadores e prefeitos, não só os diminuindo, mas retirando sua autoridade, dando um álibi para que as pessoas acreditassem que não seriam atingidas e fossem em direção à doença. Muito desses números são em função do entendimento que o presidente da República teve sobre a doença e do desmanche que ele fez do ministério da Saúde, para que o ministério parasse de alertar as pessoas e parasse de coordenar o trabalho de combate à pandemia.
Que parcela de responsabilidade o presidente Bolsonaro tem nessa conta de mortes?
Acho que ele tem a parcela principal, porque ele cometeu uma sequência de erros. Primeiro, foi contra a própria assessoria técnica do ministério. Depois, ele se enredou por ter uma assessoria própria, não daqueles que estavam mais próximos e tinham responsabilidade pela pasta. Ele quis escutar pessoas que diziam que não passaríamos de mil mortes, que diziam que a Covid-19 seria mais uma gripezinha. Ele quis escutar isso e deu voz para essas pessoas, os negacionistas e obscurantistas.
Quem são essas pessoas? O senhor está falando do deputado Osmar Terra?
O Osmar é um deles. Ele que falou que seriam apenas mil mortes, mas há outros vários. Há uma constelação no entorno dele, tanto de gente política, quanto de gente técnica que embarcou e quis acreditar que essa virose seria igual a outras, como a H1N1, outras epidemias que não tiveram o impacto que essa está tendo. Teve gente falando que o vírus não iria proliferar no calor. Manaus, por exemplo, embarcou nessa e teve a maior tragédia, por não se preparar adequadamente para o impacto do vírus, que já mostrava como seria em outros países.
Mas quando o senhor falava da gravidade da situação que estava por vir, o que o presidente dizia? Ele tentou entender a doença, estudou minimamente o assunto?
Não. Nunca. Existem pessoas que quando se depararam com um diagnóstico de que não gostam, reagem negando a situação. Dizem que o médico está errado, xingam o profissional de idiota. Isso acontece com algumas pessoas diante de diagnósticos duros. Em seguida, elas desenvolvem raiva de quem deu o diagnóstico. Ficam com raiva de Deus, perguntam “por que eu?”, “por que no meu governo?”. Depois, em geral, vem a fase da depressão ou da reflexão, que é quando a pessoa se convence e passa a colaborar com o tratamento. Ela chega à conclusão de que tem mesmo a doença, entende que o médico só lhe deu o diagnóstico, entende que o remédio tem efeitos colaterais, mas que ela terá de passar por aquilo. Nessa etapa, depois da reflexão, a pessoa decide rezar, ter fé, mas aceita fazer a quimioterapia, mesmo sabendo que o cabelo vai cair, que ela vai ficar fraca, mas o objetivo é fazer tudo para estar no menor percentual de mortes. É aí que você ganha o paciente para aderir ao tratamento. No caso do presidente, primeiro ele negou. Depois, a raiva fez com que ele mudasse o ministério. Foi a raiva da notícia, não a raiva de mim.
Mas o presidente passou pela doença e não mudou de posição...
Não mudou. Continua negando e com raiva de quem tenta enfrentar o problema. Eu até pensei que ele passaria pela fase reflexiva depois de contrair a doença, achei que ele sairia com um outro olhar, mas o presidente nunca fez a reflexão. Passou pela doença sem ter feito um segundo de reflexão. Nem esses números absurdos o levaram a ter uma palavra de conforto para 100 mil famílias que perderam pessoas, pais, filhos, avós, irmãos, maridos, esposas, amigos. Nem a doença, nem ele sabendo que estava com um médico do lado dele, fazendo eletrocardiograma três vezes ao dia, nem o receio da morte, nem o receio da complicação, nem pensar que tem gente na favela com a mesma doença, mas que essas pessoas não têm uma ambulância de prontidão na porta de casa, como ele tem, não tem helicóptero à disposição para caso de urgência, não tem vaga reservada no CTI, como ele tem, nada disso o fez refletir sobre a doença. O Boris Johnson, primeiro-ministro da Inglaterra, por exemplo, teve a doença e saiu dela dizendo “gente, vamos reposicionar tudo”. O Trump -- que também começou subestimando a pandemia e é louco para ser um negacionista -- viu que, politicamente, aquela opção era um desastre. Ele não teve a doença, mas teve que dar um passo atrás e se reposicionar. O nosso presidente, não. Ele continua negando e continua com raiva de quem tenta enfrentar o problema. É como o cara que recebe uma carta com uma notícia ruim e quer matar o carteiro.
O Brasil poderia estar em uma situação diferente?
Com certeza. O Uruguai tem 37 mortes. Há maneiras e maneiras de enfrentar a pandemia. É preciso ter uma liderança capaz de convencer as pessoas para que elas façam uma adesão -- e isso nós estávamos conseguindo por meio do SUS, através de uma comunicação franca com a população, uma comunicação diária, com horário marcado. Por isso era importante mostrar os boletins e expor as nossas dificuldades. Por isso, dizíamos, naquela fase, que não tínhamos máscara, que estávamos tentando trazer da China, que tinha parado de exportar tudo. Por isso, pedimos para pouparem o sistema de saúde. No início, tínhamos de fazer aquele “segura todo mundo” para aumentar a capacidade do sistema de atendimento. Era preciso segurar a velocidade de transmissão para economizar os equipamentos de proteção individual, os respiradores, até que a China começasse a abastecer o mercado de novo. Se nós tivéssemos atravessado abril, até a metade de maio, segurando bem o Brasil inteiro, todo mundo falando a mesma língua, seria diferente. A adesão chegou a 80% da população! Inicialmente, tínhamos um governo federal presente e falando a mesma língua dos secretários estaduais e secretários municipais. Por um momento, tivemos as armas para não ter esse resultado lamentável. Essas armas foram retiradas do SUS.
Quando essas armas foram retiradas, quando o senhor saiu do ministério?
Quando saí, ainda acreditamos que o meu sucessor (Nelson Teich) fosse levar o trabalho em frente. Mas no começo ele já permitiu a entrada de militares e começou o desmanche da equipe técnica. Quando ele (Teich) saiu, toda a equipe médica foi exonerada. Ficamos no pior dos mundos, à deriva, porque as pessoas sentadas nas cadeiras de comando não têm condição de gerar política, não têm memória do que havia sido feito até ali, não tem memória da epidemia, não tem a expertise, não são treinados em fazer saúde pública, não têm nem formação para isso.
Como o senhor avalia o fato de o ministério da Saúde ser comandado por tantos militares?
Imagine que você estivesse em uma guerra e colocasse médicos para planejar as bombas e os ataques. Você teria uma probabilidade enorme de ser derrotado. Médicos são pacifistas que não tem noção do que é fazer uma guerra. A mesma coisa é a guerra em saúde contra um agente viral. Diferente da guerra militar, em que você deve guardar segredos para surpreender o inimigo, na saúde, quanto mais informação verdadeira sobre o vírus for divulgada, maior é a capacidade da população construir linhas de defesa para escapar da doença. De outro lado, quanto mais se engana a população, dizendo que tem um remédio salvador, por exemplo, menos as pessoas vão conseguir se defender. Informação é a principal matéria-prima para o enfrentamento de uma epidemia. Fora isso, os militares entraram no ministério para cumprir ordens, porque para isso eles são bons Ainda mais quando são militares da ativa, que possuem a perspectiva de promoção militar. Eles estão lá para cumprir missão, ganhar promoção, medalha. Essa perspectiva da recompensa por serviços prestados faz com que eles cometam esse tipo de papel que o Exército está seguindo na condução lastimável dessa epidemia.
O senhor já falou que o ministério da Saúde havia perdido a credibilidade para enfrentar a pandemia. O que isso significa e por que isso aconteceu?
Significa que o sistema, os médicos e a população passaram a trabalhar e a agir sem ouvir ou dar qualquer tipo de crédito ao ministério da Saúde. Isso significa perder um dos pilares principais de combate à pandemia. Lembra daquele Wizard (Carlos Wizard Martins, que foi nomeado secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos e desistiu do cargo antes de assumir)? Ele chegou a dizer que iria recontar o número de óbitos porque era uma número fantasioso ou manipulado! Isso é uma barbaridade! Achei que ele fosse exumar as pessoas e fazer uma auditoria. Depois, falaram que não iam mais liberar os números nem passar os boletins diários. Tiveram que receber uma ordem do Supremo Tribunal Federal para fazer o que o ministério da Saúde tem como rotina e como obrigação, que é registrar os números do país. A imprensa teve que fazer um consórcio e iniciar uma apuração paralela, porque se não fizessem, iriam (o ministério) represar os números para soltar lá na frente.
O senhor está dizendo que o governo federal sabotou o enfrentamento à pandemia?
Eles sabotaram o SUS na parte científica durante toda a condução dessa doença. O ministério interrompeu o grande projeto de aquisição e colocação dos kits e aparelhos para a testagem em território nacional, necessário para a pesquisa com a Universidade Federal de Pelotas, para fazer um inquérito no Brasil inteiro de forma a sabermos o percentual da população que já tem anticorpo. Eles ficaram focados nesse negócio de cloroquina, para poder fazer a vontade do presidente com uma medicação que não tem comprovação científica. Perderam completamente a ciência. O irônico é que agora estão correndo atrás de uma vacina, que depende justamente da ciência, a única porta de saída da pandemia. O presidente disse dias atrás que o governo está fazendo o possível e o impossível para evitar mortes. Eu acho que eles estão fazendo o que o vírus quer. Eles são parte da doença.
Mas qual era a ideia do presidente? Ele chegou a dizer ao senhor que o melhor seria que todo mundo fosse para a rua e quem tivesse de se infectar, que se infectasse, quem tivesse de que morrer, que morresse, e que tudo acontecesse o mais rápido possível para a vida voltar ao normal?
Exatamente. Ele usava umas teorias da assessoria paralela que ele tinha e criou a história da quarentena vertical. Queria mandar todo mundo abaixo de 60 anos para a escola e o trabalho e fazer um isolamento só de idosos, como se os idosos não morassem na mesma residência e como se as pessoas não fossem se infectar e contaminar todos os lares da população brasileira. Se essa ideia tivesse vingado, estaríamos falando de quatro ou cinco vezes mais óbitos. Seria uma tragédia ainda maior.
O presidente afirmou que o senhor pensava em um único problema, a saúde, enquanto ele pensava em dois: a saúde e a economia. O senhor acha justa essa avaliação?
Esse é um falso dilema. Em todas as histórias de epidemias de que se tem notícia, os estudos mostram que países e lugares que tentaram preservar a economia às custas da saúde levaram muito mais tempo para recuperar a economia. Esse foi um erro do ponto de vista econômico, um erro do ponto de vista político e um erro para a saúde. Um triplo erro. Ele dizia que eu estava pensando apenas na primeira onda, enquanto ele estava pensando na segunda. Não existe uma primeira, segunda ou terceira onda. A pandemia ataca a educação, a cultura, os meios de comunicação, a sociedade como um todo. Esse inimigo não escolhe em qual setor ele vai, ele apenas quer um organismo para se multiplicar e passar para o próximo. Ele é um ser que vive da transmissão. O PIB da China caiu, dos Estados Unidos caiu, do planeta Terra inteiro caiu. Todo o capitalismo, que é uma roda de consumo, foi travado. Isso aconteceu porque o que está em jogo é a vida, e a própria população tem o instinto de sobrevivência e constrói um comportamento à revelia de qualquer tipo de orientação. E acho que as orientações que a gente deu no início foram fundamentais para controlar um quadro extremamente pior, porque se fosse no caminho daqueles negacionistas, nós estaríamos completamente perdidos.
O que ou quem nos salvou de chegar no pior cenário e qual seria o pior cenário?
Posso falar que seriam números muito mais superlativos. Só não nos saímos pior porque o SUS é um pacto federativo de três entes: federal, estadual e municipal. Quando o governo federal troca o ministro e a equipe técnica do ministério e manda os generais ficaram lá e não se manifestarem sobre mais nada, deixando a doença contaminar, nós ainda tivemos as duas outras pernas do sistema, os governadores e os prefeitos. Acabou a coordenação nacional e passou a ser uma coordenação estadual e municipal. O Congresso e o STF também foram importantes. Quando expliquei ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e ao presidente Davi Alcolumbre, do Senado, o que estava por vir, e eles sabem exatamente passo a passo do que iria acontecer, falamos até sobre o auxílio emergencial, porque as pessoas precisariam de uma ajuda, eles começarem a se movimentar. De dez medidas para o enfrentamento do impacto social da epidemia, nove foram do parlamento. O Congresso provocou a produção de projetos de lei, votou o crédito extraordinário, a flexibilização da lei de responsabilidade fiscal... Se o executivo tinha a preocupação de ultrapassar o limite de gastos, o Congresso tirou tudo isso da frente e falou “faça!”.
O que devemos esperar pela frente, considerando que estamos em plena flexibilização?
Nós temos um número enorme de pessoas que não saíram de casa e não tem anticorpos. É um estoque que o vírus está louco para atacar. Ao mesmo tempo, começa a se espalhar essa sensação de que a vacina está quase aí, o que conspira para que o vírus tenha mais organismos nesse segundo semestre. Alguns estudos mostram que quando você chega em 20% ou 22% de contágio há uma queda de infecção. Creio que vamos viver nesse platô que estamos vivendo há 70, 80 dias por mais tempo. O problema é que as pessoas vão se embrutecendo. Começam a pensar que a situação melhorou porque o dia fechou com 1100 mortos, em vez de 1300, como se não fossem cinco Boeings caindo na nossa cabeça diariamente. Elas vão cansando, achando que isso é uma fatalidade, vão arriscando e vão perpetuando e mantendo o combustível para o vírus vá queimando. Quando chegarmos a 500 mortos, vão achar que está bom, pois o número não comove mais. A notícia da morte já ficou companheira das pessoas. Isso vai fazendo com que as pessoas relaxem. Até o dia que tivermos a vacina, o que ainda não sabemos quando será, vamos queimando em pira lenta.
Vamos ter então mais dezenas de milhares de mortes?
Eu acho que sim. Mas eu não falo em números. Os números e cenários que eu tinha entreguei ao presidente. Inclusive, o que estamos passando.
O que o senhor faria hoje, se estivesse no ministério?
Estaríamos chamando a atenção de cidade a cidade e estado por estado. Manaus hoje já passou pelo seu pico e já está em um número muito baixo. Porto Alegre e Rio Grande do Sul, por outro lado, está subindo, entrando agora naquele platô crônico. Na cidade de São Paulo as mortes estão caindo, mas no estado e no interior estão subindo. Então você teria que agora estar fazendo um trabalho não mais horizontal, como era aquele que fazíamos de conscientização coletiva.
O senhor acredita que o Brasil terá mais facilidade ou dificuldade para retomar a economia no pós-pandemia?
Mais problemas, claro. Hoje, por exemplo, o brasileiro não pode entrar na Europa. A imagem do Brasil no exterior não sei se é pior na área de meio ambiente ou de saúde. Os estrangeiros olham para o Brasil e acham que vão se contaminar se vierem para cá. Enquanto a Europa inteira fez quarentena, fez lockdown, aqui ficou tudo desorganizado e os nossos números são enormes. Nessa última semana o Brasil foi o primeiro lugar no número de óbitos. Se pegarmos turismo, negócios, enfim, o que dá a vida para a economia são as pessoas poderem circular sem medo da doença.
Qual é o futuro do ministério da Saúde?
As trevas da ciência e da saúde. Estamos vivendo um cala a boca. Provavelmente, o ministério será ocupado pelos militares até o vírus passar e depois, com essa nova formatação que o presidente fez com os partidos políticos, imagino que será dividido para compor as indicações políticas.
O senhor quer dizer que a pasta vai entrar nas negociações com o Centrão?
É a única coisa que explica a permanência de militares da ativa ocupando as cadeiras provisoriamente. Quem vai ocupar essa cadeira, se vai ser negociado de porteira fechada, se vai ser dado para algum partido ou se vai ser fatiado para múltiplos partidos, não sei. Isso a gente vai ver nesse semestre. Da mesma forma que o ministério da Saúde foi historicamente ocupado pela barganha política -- porque isso aconteceu nos governos Temer, Dilma, Lula e por aí vai --, também será no governo Bolsonaro. Deixará de ser um ministério técnico para ser político.
Mas esse não foi o caso do senhor também? O presidente Bolsonaro não chamou o senhor para acomodar uma demanda política?
Não. Quando ele me chamou, era para fazer um trabalho técnico e isso era enaltecido. Eu passei 2019 fazendo um trabalho interno, arrumando, estava tudo muito bagunçado. Eu praticamente não falei, não dei entrevista. Passamos o ano recuperando a atenção primária, aprovando o Médicos pelo Brasil na Câmara dos Deputados.Tocamos vários projetos estruturantes que ficariam e impactariam o SUS. Esse era o combinado. Quando chegou a pandemia, tecnicamente o que se exigia era que o ministro assumisse a responsabilidade do cargo, porque é uma situação que envolve todo o território nacional. O reposicionamento que eu fiz do ministério me dava a prerrogativa para conversar com o ministro da Itália, da Inglaterra, do mundo todo. Estávamos na plenitude da técnica. Quando eu estava exercendo um trabalho técnico, ele foi interrompido em nome de uma interpretação política. A decepção que eu tive com o presidente e com esse governo não é pelo que vai acontecer pela frente, mas do que aconteceu na maior crise sanitária da história do país, que você precisava, ao meu ver do trabalho técnico que envolvia uma comunicação direta, transparente, integral, sem nenhum tipo de esconderijo ou manipulação por parte do governo. Infelizmente, a pessoa não quis. Ele queria esse ministério omisso, que não fala e não faz.