(Jason Redmond/Reuters)
Agência O Globo
Publicado em 30 de maio de 2022 às 19h36.
Última atualização em 30 de maio de 2022 às 19h41.
Parado desde 2015 no STF, o processo que julga a inconstitucionalidade de artigo da Lei Antidrogas (nº 11.343, de 2006) pode autorizar o porte pessoal de maconha, em pequenas quantidades, no país. Até aqui, o assunto já teve manifestações favoráveis dos ministros Gilmar Mendes (relator da pauta), Luis Barroso e Edson Fachin, mas o então ministro Teori Zavascki pediu vistas, o que travou a continuidade do julgamento na época.
Entenda como está a ação nesse momento e os próximos passos da matéria:
Em 2009, foram encontradas, durante inspeção de rotina, 3 gramas de maconha dentro da cela de Francisco Benedito de Souza, um mecânico que cumpria pena de um ano e dois meses por porte de arma de fogo no Centro de Detenção Provisória de Diadema. O defensor público Leandro Castro Gomes, responsável pelo caso, alegou inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei Antidrogas, durante a defesa do mecânico, que acabou sofrendo nova condenação, de dois meses de prestação de serviços comunitários.
O defensor decidiu, então, apresentar um recurso ao STF, com a tese da inconstitucionalidade. O julgamento foi colocado em pauta somente em 2015, mas foi interrompido no mesmo ano.
A Defensoria Pública defende, na ação, que o artigo 28 da lei 11.343 viola os princípios constitucionais da garantia da intimidade, vida privada, da honra e da autodeterminação, presentes no artigo 5º da Constituição Federal.
"O argumento é de que não cabe ao Estado a questão da autolesão. A ação está dizendo que a lei restringe em grau máximo a garantia da vida privada, quando reprime-se uma conduta que é uma autolesão. Ou seja, eu não poderia ser punido por um prejuízo que causo somente a mim mesmo", explica Ladislau Porto, advogado da Associação de Apoio à Pesquisa e Pacientes da Canabis Medicinal (Apepi), uma das instituições brasileiras que hoje lutam pela descriminalização da maconha.
O relator do caso, ministro Gilmar Mendes, concordou com a tese de inconstitucionalidade e, inclusive, foi além da maconha, ao dizer que a tese valeria para qualquer substância. Em seguida, votaram os ministros Luis Barroso e Edson Fachn, também favoráveis à inconstitucionalidade do artigo.
Barroso foi o único ministro que chegou a estabelecer uma proposta de limite para diferenciação de quantidade que seria considerada como tráfico: 25 gramas. Abaixo disso, o caso seria de consumo pessoal. Essa é a regra que vale em Portugal e que serviu de inspiração para o ministro. Já Fachin, apesar de concordar com a inconstitucionalidade, afirmou que as regras deveriam ser feitas pelo Congresso Nacional.
O quarto a votar seria o ministro Teori Zavascki, mas ele pediu vistas do processo, o que interrompeu o julgamento. Em janeiro de 2017, Zavascki faleceu em um acidente aéreo.
Substituto de Zavascki no STF, o ministro Alexandre de Moraes passou a ser o responsável pelo destravamento da ação. No final de 2018, ele liberou o processo, o que significa que agora o presidente do STF tem a prerrogativa para pautar o julgamento, o que não ocorreu durante a gestão de Dias Toffoli. E o presidente atual, ministro Luiz Fux, não deu sinais de que irá liberar a pauta tão cedo.
Caso os ministros do STF concordem com a tese da Defensoria Pública, o artigo 28 da Lei Antidrogas passa a ser inconstitucional e, consequentemente, torna-se liberado, a princípio, o porte pessoal da maconha. O julgamento tem efeito erga omnes, ou seja, é de repercussão geral. Isso significa que todas as pessoas que hoje respondem por causa da tipificação do artigo 28 terão seus processos extintos. Mas isso não quer dizer que a venda de maconha será autorizada, o que muda é que, com a decisão, pessoas não poderiam mais ser criminalizadas caso sejam flagradas com a droga para uso pessoal.
A depender da votação, considerando a posição do relator Gilmar Mendes, é possível que a tese valha para qualquer tipo de substância. Mas o advogado Ladislau Porto lembra que ainda não há como ter certeza se o STF definiria uma quantidade específica como regra para que se diferencia consumo pessoal de tráfico.
"A questão da quantidade ainda é muito obscura, porque a lei não diferencia. Ela não cita quantidade, cita intenção, o que diferenciaria tráfico do consumo. O melhor seria temos uma lei nova, porque por enquanto continuaria uma interpretação subjetiva, que muitas vezes recai no racismo. A lei cita as "circunstâncias do fato", como forma de classificação como tráfico, como analisar o local em que a pessoa estava e sua condição social", explicou o especialista.
Na Câmara dos Deputados, tramita o Projeto de Lei nº 399, de 2015, que visa a autorizar o cultivo da erva, para fins medicinais, veterinários e cosméticos. Mas, por enquanto, associações e entidades que lutam pela descriminalização da maconha vêm recorrendo a liminares judiciais para que não sejam processados pela Lei Antidrogas, é o caso da Apepi, que obteve autorização para que seus associados cultivem, manipulem e distribuam a planta entre eles, para fins medicinais ou terapêuticos.
"Há pelo menos outras dez associações que já conseguiram liminares. Acho que a melhor forma de pressionar o judiciário é a sociedade demandar sobre o tema. Na nossa ação, dizemos que a lei é inconstitucional, porque ela fere o direito à saúde, à vida, e à dignidade", explicou Ladislau Porto.
(Agência O Globo)
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