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Lula "vendeu fumaça", diz Procuradoria em nova denúncia

Na condição de ex-presidente, Lula teria exercido tráfico de influência entre 2013 e 2015, em favor de seu filho, também acusado pela Procuradoria

Lula: seu filho, Luis Cláudio, teria recebido R$ 2,5 milhões em "vantagens indevidas" (Ricardo Stuckert/Instituto Lula)

Lula: seu filho, Luis Cláudio, teria recebido R$ 2,5 milhões em "vantagens indevidas" (Ricardo Stuckert/Instituto Lula)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 9 de dezembro de 2016 às 19h06.

São Paulo - A nova denúncia contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a primeira na Operação Zelotes, diz que o petista 'vendeu fumaça' no episódio da compra de 36 caças Gripen e da prorrogação de incentivos fiscais destinados a montadoras de veículos por meio da Medida Provisória 627.

Na condição de ex-presidente, Lula teria exercido tráfico de influência entre 2013 e 2015, em favor de seu filho Luis Cláudio Lula da Silva, também acusado pela Procuradoria da República.

Luis Cláudio teria recebido R$ 2,5 milhões em "vantagens indevidas".

O jornal O Estado de S. Paulo revelou o caso em 2015 em uma série de reportagens. O contrato entre o governo brasileiro e a empresa SAAB, no valor de U$ 5,4 bilhões, foi assinado em outubro de 2014.

A ação do Ministério Público Federal detalha que o processo da compra dos caças Gripen se arrastou por oito anos. O edital para "a maior aquisição militar da América Latina" e que viabilizaria o chamado Projeto FX -2 foi lançado em 2006.

Segundo a Procuradoria, em 2014, o governo brasileiro firmou contrato com a empresa SAAB para o fornecimento das aeronaves.

A empresa sueca teve como concorrentes um modelo francês (Rafale) que, em 2009, chegou a ser anunciado como vencedor da licitação pelo então presidente Lula, e um americano (Super Hornet), que por algum tempo (2011 e meados de 2012), foi o preferido da presidente Dilma Roussef.

Em declarações dadas ao Ministério Público Federal, o representante da SAAB afirmou que, nesse período, a empresa acreditou que seria preterida pelos americanos. "Joguei a toalha", disse Bengt Janér.

O Ministério Público Federal sustenta que houve uma nova investida por parte da empresa sueca que já possuía um contrato indireto com a M&M (via Quadricon) e que, em agosto de 2012, passou a trabalhar diretamente com os brasileiros.

As investigações da força-tarefa da Zelotes revelaram que, ao todo, a M&M recebeu da SAAB 1,84 milhão, sendo  744 mil apenas entre 2011 e 2015.

A explicação para esse reforço nos pagamentos está, segundo os investigadores, no fato de os lobistas Mauro e Cristina terem convencido os suecos que possuíam proximidade com o ex-presidente e que poderia contar com a sua influência junto ao governo para assegurar uma vitória na disputa concorrencial.

"Assim, argumentos técnicos e indicadores de eficiência tornaram-se meros detalhes diante das jactadas proximidade e amizade a agentes públicos federais", destacam os autores da ação.

O Ministério Público Federal enviou à Justiça documentos relacionados à estratégia da M&M para convencer os parceiros da SAAB que poderiam contar com o prestígio do ex-presidente para interferir na decisão governamental.

Entre as provas, segundo a denúncia, estão cartas endereçadas a Lula em, pelo menos, duas ocasiões. Uma delas foi elaborada em setembro de 2012 e recebeu o aval dos diretores da SAAB, na Suécia, antes de ser entregue ao destinatário. No texto, uma espécie de defesa dos caças produzidos pela empresa sueca.

A ação penal também faz referência a uma intensa troca de e-mails entre funcionários da M&M e do Instituto Lula, com o objetivo de viabilizar um encontro entre Lula e o líder do Partido Sindical Democrata e futuro primeiro-ministro da Suécia Sueco, Stefan Lofven.

Documentos apreendidos na sede do Instituto Lula, em São Paulo, revelaram ainda a intenção do político sueco, que defendia a escolha do modelo fabricado pela SAAB, de se reunir com o ex-presidente Lula e a então presidente Dilma Rousseff na África do Sul, por ocasião do funeral de Nelson Mandela.

Em 9 de dezembro de 2013, Lula e Dilma viajaram até o país africano para acompanhar a cerimônia fúnebre e, nove dias depois, em 18 de dezembro, o governo brasileiro anunciou a decisão de comprar 36 caças do modelo Gripen.

Era o fim de uma longa disputa e a vitória do cliente da M&M.

Também foi denunciado o casal de lobista Mauro e Cristina Mautoni, da M&M (Marcondes e Mautoni Empreendimentos e Diplomacia LTDA).

A Zelotes revelou que, assim como em 2010 - quando foi negociada e aprovada a Medida Provisória 471-, do fim de 2013 até meados de 2014, a Marcondes e Mautoni agiu de forma irregular para garantir a aprovação da MP 627.

Um dos artigos, incluídos pelo relator, o então deputado federal Eduardo Cunha, atualmente preso em Curitiba, garantiu a prorrogação de incentivos fiscais às montadoras MMC e Caoa até 2020, contrariando a posição técnica do Ministério da Fazenda.

A partir da análise dos documentos apreendidos na fase preliminar da investigação, o Ministério Público Federal sustenta que o casal usou - nesse episódio - o mesmo procedimento adotado na negociação dos caças (vendeu a promessa de influência política de Lula) para convencer os clientes a firmarem contratos milionários como a M&M.

Durante o processo de tramitação da MP 627, MMC e Caoa pagaram R$ 8,4 milhões, cada uma, à empresa de Mauro Marcondes.

Um documento manuscrito apreendido pela Polícia Federal na sede da Marcondes & Mautoni comprova a intenção de vender a influência.

A anotação traz os nomes dos presidentes da Caoa e da MMC, Antônio dos Santos Maciel Neto e Robert de Macedo Soares Rittscher, respectivamente.

Há ainda referências aos então ministros Guido Mantega (Fazenda) e Aloisio Mercadante (Casa Civil) e à presidente da República, como as pessoas que dariam a "canetada", ou sejam, permitiriam ou não a prorrogação do benefício.

A ação penal faz ainda referências a outro documento, também apreendido por ordem judicial, que registra a existência de "coisas contrárias" à aprovação da MP 627.

O texto diz que a Fazenda está "trancando tudo" e cita, como justificativa para a resistência técnica à renúncia fiscal, o contexto econômico-fiscal desfavorável e a preocupação com a avaliação das agências de classificação de riscos.

Há ainda a comprovação documental que, nesse período, Mauro manteve com os clientes uma intensa negociação e troca de mensagens acerca da discussão da MP no âmbito do Congresso Nacional.

Paralelamente a esses contatos, o lobista encontrava-se pessoalmente com Lula para, segundo os investigadores, acertar os pagamentos pelo tráfico de influência.

Um deles ocorreu poucos dias antes da inclusão do artigo 100 no texto da MP por Eduardo Cunha.

Na ação penal, os procuradores da República lembram que no fim de 2015, Mauro e Cristina foram denunciados pelo MPF pela prática de crimes durante a tramitação da MP 471.

Em maio deste ano, o juiz federal Vallisney Oliveira condenou Mauro Marcondes a 11 anos e 8 meses de reclusão por associação criminosa, corrupção ativa e lavagem de dinheiro).

No caso de Cristina, a pena imposta foi de 6 anos e 8 meses de prisão. (ação penal 0070091132015 4013400). Caberá ao mesmo magistrado apreciar a denúncia referente ao caso dos caças e da MP 627.

Já a Medida Provisória 627 foi convertida na Lei 12.973, sancionada em maio do mesmo ano. Documentos reunidos pela Força Tarefa revelaram que, nesse período, houve uma intensa movimentação entre os envolvidos.

O período marca também o início dos repasses financeiros da M&M às empresas de Luis Cláudio (junho de 2014).

Há registros, por exemplo, de que o filho do ex-presidente esteve em quatro ocasiões na sede da M&M e de que Lula, o filho e Mauro Marcondes se encontraram, também, quatro vezes no Instituto Lula.

Os encontros, avaliam os procuradores, serviram para que fosse acertada a viabilização do pagamento das vantagens indevidas.

Uma das provas é a constatação de que as minutas dos contratos foram elaboradas quase dois meses após a data informada como tendo sido a de assinatura dos documentos.

Como parte dos encontros presenciais entre os envolvidos ocorreu em 2015, após, portanto, à deflagração da Operação Zelotes, os investigadores afirmam que eles também serviram para a discussão de formas de se evitar a descoberta da prática criminosa por parte dos investigadores e da própria Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instalada do Senado Federal com o objetivo de apurar as irregularidades no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).

Mauro Marcondes chegou a ser convocado para depor da Comissão, mas alegou problemas de saúde para se livrar do compromisso marcado para o dia 6 de agosto de 2015.

Informações anexadas à ação dão conta de que o possível depoimento de Mauro Marcondes à CPI era motivo de preocupação de Lula.

A ação judicial menciona ainda outros dois aspectos. O primeiro é o fato de existir uma vasta documentação que contradiz as afirmações feitas pelo ex-presidente em depoimento à Polícia Federal.

Na época, Lula disse que, ao deixar o cargo, "tomou como decisão de honra não interferir na gestão do novo governo", e que nem ele e nem seus parentes realizaram atividade de lobby.

O segundo se refere às provas de que a LFT não prestou nenhum serviço à M&M. Um relatório da Polícia Federal constatou que o material entregue pela empresa como sendo o objeto do contrato não passava de cópias disponíveis na internet, montadas após a deflagração das investigações.

"Foram documentos apresentados impressos, sem data de formulação, sem arquivos digitais que permitiriam aferir sua 'idade'. Tudo pós-fabricado".

Para os procuradores que assinam a ação, não há dúvidas de que, pelo menos a partir de setembro de 2012, Lula tinha conhecimento da estratégia utilizada por Mauro Marcondes (de vender à SAAB, a MMC e à Caoa a ideia de que o empresário mantinha relação de proximidade com ex-presidente) e que viu nesse fato a oportunidade de garantir o enriquecimento do filho.

Para isso, o ex-presidente valeu-se do trabalho de funcionários do Instituto Lula que, por meio de ligações telefônicas e e-mails, filtravam as conversas.

"Assim, ele não subscrevia mensagens e os interessados num contato direto tinham que agendar encontro pessoal", resume um dos trechos da ação.

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