Lula (Ton Molina/Getty Images)
Agência de notícias
Publicado em 18 de março de 2024 às 07h24.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sinalizou a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) insatisfação com ações analisadas pela Corte que tratam de assuntos da pauta de costumes. Ele avalia que o julgamento de temas que provocam controvérsia na sociedade, como a descriminalização do porte de maconha para uso pessoal e do aborto, levam desgaste para o governo.
A leitura é de que uma parcela da população não diferencia iniciativas do Judiciário e do Executivo, o que causa rejeição ao Palácio do Planalto, dentro de um quadro que já é de queda de popularidade, como mostram pesquisas recentes. O presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, no entanto, já demonstrou que pretende seguir com essa agenda adiante.
Lula levou a preocupação com a pauta de costumes, defendida historicamente pela esquerda, a três ministros: Gilmar Mendes, Cristiano Zanin e Flávio Dino. Segundo auxiliares, o presidente não tenta impor a posição, mas deixa a contrariedade evidente. A boa relação do Planalto com a Corte é citada como um elemento que abre caminho para este tipo de conversa. O presidente investe na articulação com o STF para driblar a ascensão do poder do Congresso, onde o governo enfrenta dificuldades.
O chefe do Executivo argumenta que cabe ao Legislativo enfrentar esses temas e também aponta que é importante levar em consideração o arranjo institucional entre os Poderes. A avaliação, compartilhada entre ministros de Lula, é que a força da direita não vai recuar e que essa agenda é usada para corroer a imagem do governo e inviabilizar uma melhora na aceitação entre evangélicos, por exemplo.
A pesquisa Quaest divulgada no início do mês, apontando queda de três pontos percentuais na aprovação a Lula — o índice passou de 54% para 51% — levantou um alerta. Uma ala do governo defende que o presidente acentue os movimentos ao centro, tática que sofreu prejuízos quando, por exemplo, o chefe do Executivo subiu o tom nas críticas a Israel. Líderes governistas no Congresso também entendem que a pauta de costumes dificulta a relação com o Parlamento e aglutina o bolsonarismo, que está à frente de comissões importantes na Câmara, como a de Constituição e Justiça (CCJ) e a de Educação.
Um dos principais articuladores de Lula no Congresso cita que, com uma base que se move a cada projeto, é preciso “andar com lanterna acesa” para desarmar bombas e que, ao tocar em temas ideológicos, o STF desvia o foco da aprovação de pautas econômicas.
Parlamentares da base lembram que, toda vez que o STF se debruça sobre um assunto desta seara, o Congresso, de maioria conservadora, dá uma resposta — impondo derrotas ao ponto de vista do Palácio do Planalto.
Na semana passada, a CCJ do Senado aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) das Drogas, que leva para o texto constitucional a definição de que portar ou possuir qualquer quantidade de entorpecentes é crime. A votação foi simbólica, mas senadores petistas marcaram posição contra o texto. A aceleração da tramitação é uma resposta ao julgamento em curso no STF sobre o porte de maconha para uso pessoal. Já há na Corte cinco votos a três pela descriminalização e uma maioria formada a favor da definição de uma quantidade para diferenciar usuário de traficante, mas sem ainda uma decisão a respeito do parâmetro específico a ser estabelecido. A análise foi paralisada na semana passada, após um pedido de vista do ministro Dias Toffoli.
Auxiliares de Lula viram como problemática a repercussão, no ano passado, do voto da então presidente da Corte, Rosa Weber, pela descriminalização do aborto até a décima segunda semana de gestação. O posicionamento foi tomado poucos dias antes de sua aposentadoria, em uma ação movida pelo PSOL. Na visão de ministros, o impacto do voto na sociedade atrapalhou uma tentativa de aproximação de Lula com evangélicos. Ainda não há data para o assunto voltar à pauta.
Barroso já indicou, porém, que não vai mudar o curso da agenda da Corte — ele entende que essas pautas podem servir como um legado da gestão.
— Não é defender o aborto: trata-se de enfrentar esse problema de uma forma mais inteligente do que a criminalização, porque prender a mulher não serve para nada — disse o presidente do STF em evento no dia da mulher.
Mesmo internamente, no entanto, há quem defenda uma guinada, com o contexto político ganhando mais peso. Ministros do STF ouvidos de forma reservada ponderam que, ao pautar determinados casos, a Corte acirra ânimos e pode ver sua relação com o Planalto prejudicada.
A compreensão destes interlocutores do STF é a de que Barroso deveria se concentrar em temas mais “leves”, como processos ligados ao meio ambiente e aos direitos sociais, deixando assuntos capazes de gerar maior animosidade para depois das eleições municipais.
— O STF deve estar alheio e indiferente ao que pensa o Executivo. O STF deve cumprir a lei e a Constituição, mas sem nenhuma interferência ou sugestão de qualquer poder. O Supremo deve agir com independência — avalia Carlos Velloso, ministro aposentado e ex-presidente da Corte.
Em processo de aproximação desde que Barroso chegou à presidência do STF, Lula e o ministro têm histórico marcado por divergências ao longo dos últimos dez anos, por posicionamentos adotados pelo ministro em temas que, direta ou lateralmente, tratavam do petista.
Em 2021, por exemplo, Barroso votou contra a declaração de parcialidade do ex-juiz Sergio Moro contra Lula no caso do triplex do Guarujá. No julgamento, o ministro disse que a Lava-Jato revelou um quadro “impressionante e assustador de corrupção, estrutural, sistêmica e institucionalizada”. Barroso, defensor da prisão após condenação em segunda instância, também foi contra a concessão de um habeas corpus preventivo a Lula em 2018 — o petista foi preso três dias após o julgamento.
Também foi Barroso quem, em 2018, deu o voto condutor, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), contra o pedido de registro de candidatura do petista, que desejava disputar a Presidência naquele ano. A relatoria do ministro no caso chegou a ser questionada pela defesa de Lula, que liderava as pesquisas. Na época, Barroso defendeu a aplicação da Lei da Ficha Limpa, pela qual Lula estava inelegível, e disse que o TSE não estava se debruçando sobre a moralidade do então candidato ou seu legado político.
A pauta sobre descriminalização do aborto nas primeiras 12 semanas de gestação voltou ao Supremo Tribunal Federal (STF) com o voto favorável da então presidente da Corte Rosa Weber, que se aposentou em setembro. O julgamento foi suspenso, com o pedido de destaque de Luís Roberto Barroso. No Senado, a oposição reagiu, defendendo a discussão do tema no plenário na Casa. O argumento é que o Supremo estaria assumindo as funções do Legislativo.
O tema, incômodo ao Planalto, tem a capacidade de inflamar na internet a oposição e a rede bolsonarista, que são radicalmente contrárias ao debate. O episódio mais recente envolveu a divulgação de uma nota técnica do Ministério da Saúde que reforçava uma informação para os casos de interrupção de gravidez já previstos em lei. Adversários do governo distorceram o texto, sugerindo que o plano era a legalização geral do aborto. Com a repercussão, a nota foi suspensa.
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado já aprovou a PEC que considera crime o porte e aposse de substância ilícita — maconha, inclusive — em qualquer quantidade. O texto, agora, vai a plenário. No julgamento do STF, paralisado por um pedido de vista de Dias Toffoli, há cinco votos a três pela descriminalização do porte de maconha e uma maioria já formada a favor da definição de uma quantidade que pode ser levada.
Assim que o assunto começou a avançar no Supremo, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), se adiantou e apresentou a PEC das Drogas como forma de pressionar a Corte e marcar posição. Nas redes, a base bolsonarista, que desde a campanha tenta associar a imagem de Lula à liberação das drogas, embora o petista nunca dito isso, reforçou o discurso, encampando o posicionamento do Senado, ao mesmo tempo em que se opõe à esquerda