Lula: Supremo negou habeas corpus por 6 votos a 5 (Rodolfo Buhrer/Reuters)
Raphael Martins
Publicado em 5 de abril de 2018 às 00h26.
Última atualização em 5 de abril de 2018 às 18h36.
Na novela que se tornou a política brasileira, virou rotina assistir às reviravoltas do Supremo Tribunal Federal, que torna impossível prever suas decisões. Esta quarta-feira era oportunidade de ouro para uma nova surpresinha.
Mas a Suprema Corte manteve o entendimento recente que autoriza a prisão de condenados em segunda instância e negou um habeas corpus preventivo ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Foram 6 votos a 5.
Na prática, o petista poderá ser preso nos próximos dias pela condenação a 12 anos e um mês por corrupção passiva e lavagem de dinheiro determinada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região em janeiro. Tudo depende da apreciação de um último recurso no TRF-4 e da canetada do juiz federal Sergio Moro, que determina onde Lula inicia o cumprimento de pena.
“Vozes individuais vão cedendo em favor de uma voz constitucional, objetiva, desvinculada das diversas interpretações jurídicas colocadas na mesa para interpretação”, disse a ministra Rosa Weber, que deu voto decisivo para o desempate. A ministra é contrária às prisões em segunda instância, mas vem sumariamente negando pedidos de liberdade relatados por ela em respeito à decisão do plenário.
Em seu voto, ela afirmou que as decisões colegiadas devem prevalecer sobre as individuais para o bem da segurança jurídica. O argumento causou polêmica entre advogados criminalistas e constitucionalistas, pois a ministra vota contra suas convicções e teria votado diferente caso as ações que questionam as prisões em segunda instância de forma ampla estivesse em pauta.
Para investidores e analistas ouvidos por EXAME, o ponto positivo da decisão do Supremo é justamente a previsibilidade jurídica. A rejeição do habeas corpus é mais um sinal de que não há acordão no caso Lula e que ele estará interditado nas próximas eleições, apesar de que a provável confirmação desse cenário chegue com o calendário eleitoral muito avançado.
O marco fundamental para a estabilidade deve ser a decisão do Tribunal Superior Eleitoral se Lula participa ou não do pleito de 2018. “A decisão de hoje é uma sinalização positiva de que o Supremo não deve interferir na aplicação da Lei da Ficha Limpa”, afirma José Márcio Camargo, economista-chefe da Opus Investimentos.
A rigor, mesmo que o habeas corpus fosse aceito na esfera penal, Lula continuaria condenado em segunda instância. Esta é uma das condições para a rejeição de candidaturas na Justiça Eleitoral pela Lei da Ficha Limpa.
Condenação em um “órgão judicial colegiado” pelos crimes imputados ao ex-presidente fazem dele inelegível, sem margem para dúvida. Mas cabe recurso à rejeição do registro tanto no TSE como no próprio Supremo.
Por isso, a cúpula do PT garante que a candidatura de Lula será registrada com o ex-presidente preso ou solto, na data limite pela lei eleitoral, o próximo dia 15 de agosto.
Dali até o julgamento do registro, o petista está liberado para qualquer compromisso de campanha, como comícios, propaganda no rádio e TV, entre outros. Seu nome poderia ser trocado pelo “plano B” do PT até o dia 17 de setembro. O primeiro turno das eleições está marcado para o dia 7 de outubro.
O contexto de incerteza até 20 dias antes das eleições de 2018 seria a materialização do estresse para investidores. Não há nada como a previsibilidade para tranquilizar economistas e não é segredo que agentes de mercado preferem uma candidatura comprometida com medidas de ajuste fiscal.
O argumento é que, para manter o cenário de níveis baixos de inflação e juros, será necessário manter a política econômica do governo Michel Temer (MDB). A agenda proposta por Lula indica, por ora, uma reversão das mudanças já aprovadas, como a reforma trabalhista e o teto de gastos, e engavetamento da reforma da Previdência — salvo a surpresa de surgir a nova Carta ao Povo Brasileiro.
Com Lula preso, ou muito perto disso, sua candidatura fica mais distante. Os resultados na bolsa e no câmbio serão refletidos apenas nesta quinta-feira, pois o julgamento terminou depois do fechamento de mercado. Nesta quarta-feira, o índice Bovespa teve queda de 0,3% e a moeda americana subiu a 3,34 reais por conta da ameaça de guerra comercial entre Estados Unidos e China.
O efeito veio desde as bolsas asiáticas, que estiveram em baixa desde a abertura do mercado em razão da batalha Donald Trump versus Xi Jinping. Amanhã, pode haver alguma euforia, mas, para analistas consultados por EXAME, não será um efeito de médio prazo.
Isso porque, novamente, a preocupação do investidor está na seara eleitoral. O cenário econômico está dado: com inflação controlada, a rota de juros deve continuar a mesma até que o TSE decida o que fazer.
“A insegurança jurídica de uma mudança de entendimento do Supremo acabaria, de certa forma, afastando o investidor e gerando volatilidade de mercado. Como houve reação no julgamento em segunda instância, pode haver alguma empolgação momentânea, mas o grosso das movimentações e preços será com a decisão do TSE”, diz o analista-chefe da Rico Investimentos, Roberto Indech. “Hoje acaba sendo mais um capítulo do que temos visto nas últimas semanas.”
No plano político, o Supremo afasta, em alguma medida, as teorias sobre o “grande acordo nacional” dos áudios do senador Romero Jucá (MDB-RR), “com o Supremo, com tudo”.
“Esse acirramento do ambiente político e da desconfiança nas instituições daria força aos candidatos outsiders, com discursos fortes contra o establishment”, afirma o cientista político Ricardo Sennes, sócio da Prospectiva Consultoria.
“Como o importante é saber qual o tamanho da atuação de Lula nas eleições, a rejeição do habeas corpus tende a manter tudo como está. Se houver prisão, é preciso ver como os partidos e coligações vão reagir.”
Lula preso pode consolidar sua rejeição e dificultar a transferência de votos para seu “plano B”. Seria um cenário de eleição sem favoritos claros.
Ou sua provável prisão pode gerar uma narrativa de mártir capaz de unir partidos de esquerda e polarizar a disputa contra candidatos de centro ou de direita.
A decisão desta quarta-feira do Supremo Tribunal Federal trouxe alguma clareza. Mas só alguma. As eleições serão emboladas até os 45 minutos do segundo tempo, com o Judiciário como indesejado protagonista. Mas poderia ser pior. O que, para investidores e analistas, já é uma vitória.