TEJERO: “comparado com a Espanha, o Brasil está uns 20 ou 30 anos atrás no respeito aos homossexuais” / Divulgação
Da Redação
Publicado em 16 de outubro de 2018 às 11h38.
Última atualização em 16 de outubro de 2018 às 18h59.
MADRI – O jornalista e consultor político espanhol Luis Tejero é um apaixonado pela política brasileira. Em duas oportunidades, Tejero morou no Rio de Janeiro, onde foi correspondente do jornal espanhol El Mundo. No primeiro período, de 2010 a 2011, acompanhou a ascensão da ex-presidente petista Dilma Rousseff à Presidência da República. A experiência de acompanhar a campanha petista o motivou a escrever “A construção de uma presidenta”, livro em que analisa o discurso político e os artifícios de marketing por trás de Dilma.
Na segunda oportunidade, de 2015 a 2017, viu de perto o ocaso da líder petista, com o processo de impeachment. Desde o ano passado, de volta a Madri, sua cidade natal, Tejero é consultor da MAS Consulting, empresa que presta assessoria de imagem a políticos de diversos países na América Latina. Em seu escritório, no centro de Madri, Tejero recebeu EXAME para analisar a eleição brasileira. E, mais especificamente, a ascensão do candidato Jair Bolsonaro, do PSL. Na entrevista a seguir, Tejero explica por que há espaço na sociedade brasileira para um discurso que serve como uma antítese completa ao comum nos anos petistas. Além disso, analisa os motivos para ficar preocupado com o futuro da democracia no Brasil.
Por que um candidato como Jair Bolsonaro está tão bem nas pesquisas?
Há um ano ele tinha 15% dos votos. Eu mesmo não esperava que quando ele fosse ficando mais conhecido, com ideias próprias sobre homossexualismo, ditadura, família tradicional, mais gente o abraçasse. Mas passou um ano e Bolsonaro continua subindo sem ter feito uma mudança de caráter. Trabalho na área de comunicação política. Então eu sei que quando você pega um candidato que tem um problema, que tem assunto polêmico, você tenta esconder, maquiar, mas ele não. Ele não moderou discurso sobre homossexuais, sobre a ditadura, a tortura. Ele nunca disse “Isso que eu falei nos anos 90 foi um erro, agora amadureci”. Nunca fez isso e continua pensando igual. Ele continua falando a mesma coisa e cada dia que passa ele tem mais intenção de voto.
Por que ele continua tão popular com esse tipo de discurso?
Essa eleição é entre petistas contra antipetistas. Bolsonaro é o principal nome anti-PT. Por outro lado, há milhões de brasileiros que concordam realmente com as ideias e propostas do Bolsonaro. Eu não concordo com a ideia de que quem vota no Bolsonaro é fascista. Tem alguns que são realmente de extrema direita, mas tem outros que não são de extrema direita mas votam no Bolsonaro porque ele é o único candidato viável para frear a chegada do PT.
É a busca por um salvador da pátria?
Acho que o apoio ao Bolsonaro tem muito de rejeição a tudo o que está aí. É ao PT mas também ao PSDB e MDB, ou seja, todos os que ficaram no poder entre 1985 até agora. Os brasileiros, decepcionados com o impeachment de Dilma, queriam tirar o PT do poder. Mas, dois anos depois, viram que a solução não foi a melhor do mundo, tanto que o Temer é mais impopular que a Dilma, coisa que era praticamente impossível de conseguir. Uma parte do povo brasileiro está procurando um herói, alguém que termine com toda a corrupção que está aí. Bolsonaro representa isso. Há dois eixos nessa eleição. O novo contra o velho e o limpo contra o sujo. O Bolsonaro se apresenta como o novo e o limpo. Embora tenha estado 27 anos como parlamentar, ele é visto como alguém que nunca participou dos conchavos, do toma lá dá cá de Brasília. Nessas duas batalhas, ele sai ganhando, pelo menos nas percepções. Ele é percebido como quase um outsider, um novo que vai entrar aí para resolver tudo. Ele sempre fala que foi mencionado por algum doleiro desses, creio que Alberto Youssef, como o único que não aceitou propina. Apesar disso, ele não é uma figura carismática. Do ponto de vista da comunicação política, não é um cara carismático, não tem uma oratória espctacular, não é como Bill Clinton ou Barack Obama ou outros desses políticos que quando fala todo mundo presta atenção. Mas é um cara que fala as coisas verdadeiras.
O que você quer dizer com coisas verdadeiras?
É o mesmo sentido do presidente americano Donald Trump, de falar as coisas que o povo quer ouvir. Boa parte da população não quer ouvir aquelas coisas politicamente corretas, certinhas. Ele saiu dessa linha dos certinhos que falam o que todo mundo quer escutar, ele fala as verdades. O Bolsonaro fala o que 30 ou 40% da população brasileira quer escutar.
Há quem diga que a vitória do Trump se deve uma guerra cultural entre setores mais progressistas da sociedade contra os mais conservadores, e não por questões ligadas à economia. Existe um elemento cultural também no bom desempenho de Bolsonaro?
Depois de morar no Brasil por três anos, acho que o Brasil é uma sociedade mais conservadora que os principais países europeus. Comparado com a Espanha, acho que o Brasil está uns 20 ou 30 anos atrás, no sentido de direitos sociais, respeito aos homossexuais etc. O primeiro beijo gay na televisão brasileira foi recentemente e foi uma guerra. Como se fosse uma coisa terrível. Conheço brasileiros, principalmente evangélicos, que falam que a TV Globo está tentando impor que as crianças sejam todas gays. Bolsonaro só colocou voz a essa população. Não é que ele seja um líder e que o povo está seguindo um líder. Ele começou a falar coisas que o povo já pensava. E isso virou moda, agora é bem-visto dizer que está alinhado com os ideais do Bolsonaro.
Há algum paralelo entre a eleição brasileira e de outros países na América Latina?
A América Latina tem uma grande experiência em caudilhos, em líderes autoritários, que concentram todo o poder e que não dependem tanto do sistema partidário. São eles que criaram o sistema. Foi o que aconteceu com Chávez na Venezuela, Perón na Argentina e que tem acontecido em outros países. Bolsonaro poderia ser um desses líderes que reinventam o sistema. Está tentando fazer isso pelas vias democráticas, mas tem falado coisas que dão a entender que, se não conseguir pelas vias democráticas, poderá tentar outras maneiras. É como um Chávez de direita, populista, autoritário, mas não tem o mesmo carisma nem o apelo social, essa coisa de abraçar e proteger povo. O discurso de Bolsonaro está mais para Trump, tem uma coisa de falar de cima para baixo com o povo. O Chávez era diferente: “eu sou o povo, estou dentro do povo”, assim como é Lula. Bolsonaro é mais de dar ordens.
Como você analisa a influência de uma eventual vitória do Bolsonaro para a América Latina?
O Brasil teve liderança naquele momento da onda rosa, de líderes de centro-esquerda que subiram ao poder ao longo dos anos 2000. Não sei se o Bolsonaro seria capaz de liderar uma corrente semelhante do outro lado. Um Brasil de Bolsonaro se fecharia mais e seria mais voltado às questões internas. E talvez, como é comum em líderes autoritários, haveria um inimigo externo. Que, neste caso, poderia facilmente ser a Venezuela de Maduro. Não tanto às vias de fato, mas brigas de discurso, brigas de Twitter. Dizer que vai mandar imigrantes venezuelanos embora etc, para arranjar mais apoio dentro de casa. Como um bode expiatório. Como Cuba sempre faz com os Estados Unidos.
Qual é o saldo da eleição de 2018 para a democracia no Brasil?
O saldo deve ser a chegada de um líder autoritário que já falou todas as coisas que ele falou, ou a volta do PT, um partido que já ficou mais de 13 anos e que saiu por muitos motivos, que teve momentos bons e ruins e que já teve as chances para fazer o que tinha que fazer. Ainda é cedo para o PT voltar ao poder. O PT é necessário ao Brasil, por ser o maior partido de centro-esquerda. O PT precisa fazer a autocrítica. Se voltam agora, o risco é eles acharem que estava tudo certo. Se voltarem agora seria uma vitória do discurso do golpe. Não vou entrar no mérito se foi ou não golpe. Mas se eles vencem agora, premia-se esse discurso. Seja Bolsonaro ou seja PT no curto prazo não vejo um futuro muito brilhante para o Brasil. Nos dois casos haverá quase 50% dos brasileiros profundamente insatisfeitos com o resultado. Isso já aconteceu em 2014, com o questionamento do PSDB sobre a lisura do pleito, e deve ficar ainda mais forte agora. Há muita polarização. Por outro lado, não penso que o Brasil vai virar uma ditadura, como muita gente de esquerda teme. Tem esse risco sempre e esse risco está crescendo, mas quero pensar que esse risco está nos 15% e não nos 80%.