Lucas de Aragão Arko Advice (Arko Advice/Divulgação)
Alessandra Azevedo
Publicado em 22 de janeiro de 2021 às 10h21.
Última atualização em 22 de janeiro de 2021 às 12h00.
Faltando pouco mais de uma semana para as eleições que decidirão os próximos presidentes da Câmara e do Senado, em meio a uma disputa bastante acirrada e decisiva para o segundo ciclo do governo Bolsonaro, o cientista político Lucas de Aragão, da Arko Advice, conversou com a EXAME sobre o cenário político atual e as perspectivas para 2021. Para ele, este é o ano de o governo priorizar a agenda econômica e garantir um bom relacionamento com o Congresso, independentemente de quem sair vitorioso nas disputas.
Sem engajamento do Planalto, a chance de avanço em reformas, privatizações e outras pautas necessárias para a retomada econômica do país é praticamente nula. "O governo, incluída aí a equipe econômica, precisará também de uma comunicação efetiva junto à sociedade, para explicar por que as medidas são importantes. E, o que também é essencial, vai ter que saber priorizar a agenda", afirma Aragão. Emplacando ou não o candidato do Planalto, a pauta tem que sair do papel.
O governo e o Congresso também precisarão ficar atentos a outros temas em alta, como a possibilidade de extensão do auxílio emergencial, ainda em meio à pandemia do novo coronavírus, e a chance de se avançar com algum dos pedidos de impeachment do presidente Jair Bolsonaro. "A gente precisa de inúmeras variáveis acontecendo para que o processo de impeachment seja uma realidade. Hoje, não é", resume Aragão.
Veja os principais trechos da entrevista:
Como você vê o cenário no Congresso hoje, com a disputa pelas presidências da Câmara e do Senado? As eleições podem ter consequências no clima político para aprovar matérias?
A eleição, principalmente da Câmara, sempre foi muito importante, mas neste governo tem variáveis que fazem dela ainda mais importante. O governo Bolsonaro não tem uma base formal organizada. E há rachas dentro de partidos, como temos visto na eleição da Câmara. O que se vê é um Congresso fragmentado, do ponto de vista de quem é oposição, quem é independente, quem é base. Ao mesmo tempo, o governo tem uma agenda econômica intensa que precisa avançar neste ano, até porque ano que vem começa a se pensar muito mais na eleição presidencial. 2021 é o ano em que não vai ter outra opção, a não ser tentar avançar na pauta. É o ano que resta, por exemplo, para as ideias do ministro Paulo Guedes. Mas tudo isso exige bom trânsito no Congresso.
A eleição e as consequências dela, com essa divisão entre os partidos, podem atrapalhar a agenda econômica?
A vitória, seja de Baleia Rossi (MDB-SP) ou de Arthur Lira (PP-AL), não gera um destino final na agenda de reformas. Uma vitória do Lira não significa avanço automático, tampouco uma vitória do Baleia significa que elas estão sepultadas. Ambos têm tido, nos últimos anos, um histórico de votação mais reformista. Votaram a favor do teto de gastos, da reforma da Previdência, do saneamento e da lei do gás. Mas, como a eleição ficou muito polarizada, com um governista e outro independente, o mercado pode entender uma vitória do Lira como vitória do governo e uma vitória do Baleia como derrota do governo, e isso gera, pelo menos nos primeiros minutos, uma percepção de avanço na agenda, caso Lira vença, e um pessimismo, caso Baleia vença.
Se ambos têm posicionamentos parecidos, o que poderia dificultar o avanço de reformas e privatizações?
Neste ano, o que vai definir o andamento das reformas é o governo. Vai ter que se empenhar muito, em qualquer um desses cenários. Não pode gerar atritos com o Congresso, mesmo que o Baleia vença, nem tratá-lo como oposição, porque isso pode fechar portas dentro do grupo, que inclui MDB, PSDB, DEM. O centro político, dentro do Congresso, está tão rachado, que as grandes reformas vão precisar de votos dos dois grupos. Uma PEC precisa de 308 votos. Invariavelmente, vai precisar de votos que não estão no grupo do Lira. O governo, incluída aí a equipe econômica, precisará também de uma comunicação efetiva junto a sociedade, para explicar por que as medidas são importantes. E, o que também é essencial, vai ter que saber priorizar a agenda. O Congresso hoje não tem o espaço de digestão que já teve no passado, não tem mais essa submissão à agenda do Executivo.
Na sua avaliação, existe espaço para alguma privatização neste ano?
Acho que sim, mas o governo vai ter que escolher suas batalhas. Talvez a mais madura que existe hoje seja a da Eletrobras. Mas acho que não é uma privatização fácil. Para avançar, o governo vai ter que tratar com imensa prioridade. Se esperar que simplesmente o Congresso vote e aprove naturalmente, isso não vai acontecer. É um debate possível, mas difícil. Se for só mais uma das várias ideias que saem do Planalto e vão para o Congresso, não vai para a frente. Difícil imaginar até o final do ano múltiplas privatizações sendo aprovadas.
E você vê disposição do governo em ter boa relação com o Congresso e priorizar a agenda?
Vejo que o governo está se esforçando na relação com o Congresso nesses últimos 12 meses. Tem feito movimentações nesse sentido, ao redefinir seus líderes, por exemplo, trazendo nomes experientes, como Ricardo Barros, para ser líder na Câmara. Abriu espaço no Executivo para partidos que apoiam o governo ou que tenham influência, como Fábio Faria (ministro das Comunicações). Mas, como não tem uma base aliada organizada, a cada projeto inicia-se uma nova negociação. Isso encarece, atrasa e faz com que a intensidade reformista do Congresso fique muito aquém do que o governo gostaria e do que o mercado esperaria.
A disputa pela presidência do Senado também está entre dois principais candidatos: Rodrigo Pacheco (DEM-MG) e Simone Tebet (MDB-MS). Há assuntos muito importantes lá, como a PEC Emergencial. Vai ter muita diferença na pauta, a depender de quem for eleito?
Acho que os dois são razoáveis e trazem boas perspectivas para reformas. A Tebet, enquanto esteve na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), apoiou a PEC Emergencial a PEC dos Fundos, teve uma participação positiva. O Pacheco é o favorito do Bolsonaro, mas Simone não seria um problema para as reformas. Ela tem histórico de ação muito institucional, vai respeitar e deixar o Senado chegar nos seus próprios consensos. Ela não é o Baleia do Senado ou algo nesse sentido, porque o Baleia se coloca como herdeiro de Maia, que se posicionou muito fortemente contra o governo Bolsonaro. Simone é mais discreta. Ela deixaria o Senado se organizar e simplesmente lideraria formalmente e institucionalmente as pautas.
E os dois candidatos no Senado também têm visões parecidas no que diz respeito a reformas?
A agenda de reformas é aceita dentro do Congresso. Baleia não é contra, Lira também não, Pacheco também não e Tebet também não. Vejo um Congresso com viés reformista. Não na intensidade que o mercado gostaria, mas é reformista. A pauta de reformas é bem aceita. O que pode acontecer é o governo antagonizar o Congresso a ponto de que os parlamentares, como resposta, atrasem reformas, para mostrar que estão se defendendo. Acho que quem quer que ganhe, o governo tem possibilidade de avançar sua pauta de reformas, vai depender de priorizar e não antagonizar, não criar problemas gratuitos como vimos no passado.
Também há preocupações sobre a extensão do auxílio emergencial. Esse assunto pode voltar à pauta após as eleições?
O auxílio emergencial dentro do teto de gastos é algo um pouco utópico neste momento. Ou se estende o auxílio ou se respeita o teto. A defesa de um auxílio dentro do teto é fácil de se fazer justamente por ser quase impossível de se tirar do papel. Os candidatos têm dois tipos de agenda: a agenda pra dentro do Parlamento, para ganhar eleição, e a agenda para fora. Nem tudo que está sendo dito hoje vai virar realidade. Hoje eles saem pela tangente, fazendo um pouco de agrado para todos os lados, dizendo que são a favor de um "auxílio dentro do teto". Mas, se desse para fazer auxílio dentro do teto, já teria feito. Bolsonaro seria a favor, Guedes seria a favor, o mercado seria a favor, todo mundo seria a favor.
O que dá para prometer é colocar o assunto na pauta para discussão?
Sim, é isso que o presidente da Câmara pode fazer. As pessoas leem muito mal o poder do presidente da Câmara. Ele é talvez o segundo homem mais poderoso do Brasil. Tem poder de pautar, influenciar. Tem poder sobre inúmeros parlamentares, porque pode usar a força dele para negociar, avançar alguns projetos. Mas, no fim, presidente da Câmara nenhum consegue segurar um consenso. Quando há um consenso e ele usa o poder para segurar, perde legitimidade imediatamente. Diante da situação atual, é quase uma questão de humanidade o parlamentar se posicionar a favor da extensão do auxílio. Mas a questão é improvável de avançar, independente de quem seja presidente.
O presidente da República não pode atuar nesse caso?
Existem alguns caminhos para se estender o auxílio. Um deles seria por medida provisória do governo, abrindo crédito extraordinário. Ficaria fora do teto de gastos, mas, ainda assim, seria mal recebido pelo mercado, porque criaria um gasto enorme, que afeta de forma dramática as contas e a situação fiscal. Bolsonaro tem sido claro nas discussões que não tem como manter auxílio. Isso pode mudar? Claro que sim. Talvez com uma situação generalizada no país como a que aconteceu em Manaus. Mas, no momento, não é o que se vê. Já no Congresso, quando retomar as atividades, não haverá mais estado de calamidade. Os gastos precisarão estar dentro do teto e com indicação de fonte de recursos. Para aprovar auxílio emergencial, precisa indicar fonte de recursos, e não tem.
Outro assunto que às vezes surge é a possibilidade de impeachment do presidente Bolsonaro. Há dezenas de pedidos na Câmara. Na sua opinião, algum vai para a frente, a depender de quem for eleito presidente?
Se Arthur Lira for eleito presidente da Câmara, a camada de proteção do presidente será maior, muito maior do que com o Baleia. O Lira colocaria mais cadeados ao redor do pedido de impeachment, certamente. Dito isso, independente de quem será presidente da Câmara, a gente ainda precisa de inúmeras variáveis acontecendo para que o processo de impeachment seja uma realidade. Hoje, não é.
Quais são as variáveis?
Primeiro, o Bolsonaro ainda tem uma base que, embora não seja coesa e organizada ou pau para toda obra, barra um impeachment. Tem uns 200 e poucos votos que conseguem segurar o processo. A base dele, o relacionamento dele com o Congresso, apesar de não ser o ideal, ainda não está em absolutos frangalhos, como foi o caso da Dilma (Rousseff, ex-presidente da República) no Congresso. Ainda tem espaço, não está no chão. Segundo ponto: a popularidade do presidente ainda é confortável.
A popularidade já esteve melhor. Se piorar, é um fator que pode levar ao impeachment?
O impeachment não tem receita de bolo, mas tem pistas históricas que precisam ser levadas em consideração. Primeiro, é um processo muito mais político do que jurídico. Normalmente a motivação nasce primeiro, e o motivo vem depois. Motivo se acha com uma boa tese jurídica. A motivação é mais importante. Por exemplo, Dilma tinha relacionamento com Congresso, nem tendência de melhora. Além disso, o "day after" gerava conforto e segurança no mundo político, porque quem assumiria seria Michel Temer, que era um cara do Congresso. A impopularidade dela era muito grande e engajada, barulhenta, ia para as ruas. O motivo das pedaladas, justo ou não, passou pelo TCU, que deu o selo de que havia tido pedalada. O STF não paralisou o processo em nenhum momento. Temer era mais impopular que Dilma, mas tinha boa relação com Congresso e um day after absolutamente confuso. A impopularidade era alta, mas desengajada e desorganizada. Não havia líderes de "Fora, Temer", protesto de rua.
Era parecido com Bolsonaro hoje?
Bolsonaro hoje tem relação não boa, mas aceitável com Congresso e popularidade confortável do ponto de vista numérico. Além disso, a impopularidade dele, pelo menos por enquanto, é desorganizada. Não tem liderança clara e não tem ainda uma presença barulhenta nas ruas na forma de protestos. Por essas razões, ainda acho que muita coisa teria que mudar para haver um impeachment.
Mesmo que Baleia seja eleito, ele não encaminhará pedido de impeachment agora?
Não. O Baleia não vai abrir processo de impeachment, a não ser que as variáveis mudem.