Brasil

Lógico que Moro deve ser contra, diz Bolsonaro sobre recriar Ministério

Debate sobre a recriação da pasta da Segurança Pública é um novo ponto em embate entre o presidente e o ministro da Justiça

Jair Bolsonaro e Sergio Moro: ministro da Justiça tem uma avaliação melhor do que a do presidente (Adriano Machado/Reuters)

Jair Bolsonaro e Sergio Moro: ministro da Justiça tem uma avaliação melhor do que a do presidente (Adriano Machado/Reuters)

R

Reuters

Publicado em 23 de janeiro de 2020 às 15h33.

Última atualização em 23 de janeiro de 2020 às 17h13.

A possibilidade de recriação do Ministério da Segurança Pública pode ser mais um lance no embate quase sempre silencioso entre o presidente Jair Bolsonaro e o ministro Sergio Moro, hoje com uma popularidade maior que o chefe, segundo pesquisas de opinião pública, e considerado um potencial candidato na eleição presidencial de 2022.

Na manhã desta quinta-feira, Bolsonaro confirmou publicamente a possibilidade de recriação da pasta, o que reduziria significativamente o poder de Moro, titular do atual Ministério da Justiça e Segurança Pública.

A demanda para a recriação do Ministério da Segurança Pública foi apresentada formalmente na quarta-feira por secretários de Segurança Pública a Bolsonaro em reunião no Palácio do Planalto, quando o presidente disse que iria avaliar as demandas dos secretários. Na manhã desta quinta, ele voltou ao assunto em entrevista a jornalistas ao deixar o Palácio da Alvorada para viagem à Índia, de onde retorna apenas na próxima terça-feira.

"Isso tem que ser estudado. Estudado com o Moro. Lógico que o Moro deve ser contra, mas estudado com os demais ministros. O (presidente da Câmara) Rodrigo Maia é favorável à criação da Segurança. Acredito que a Comissão de Segurança Pública (da Câmara) também seja favorável. Temos que ver como se comporta esse setor da sociedade para melhor decidir", disse o presidente.

Na véspera, Maia disse que o fim do Ministério da Segurança Pública pelo governo Bolsonaro "foi um erro" e defendeu que sua recriação seria "uma sinalização de priorização do tema".  Bolsonaro disse a jornalistas que, se o ministério for recriado, Moro "fica na Justiça".

"É o que era inicialmente. Tanto é que, quando ele foi convidado, não existia ainda essa modulação de fundir com o Ministério da Segurança", afirmou.

Na verdade, uma das condições de Moro para deixar o cargo de juiz federal no Paraná e aceitar o cargo de ministro do governo Bolsonaro, foi a ampliação dos poderes do Ministério da Justiça para abarcar novamente a área de segurança pública. O então juiz tinha a intenção de fazer avançar o pacote anticrime e as chamadas 10 medidas contra a corrupção, propostas pelo Ministério Público Federal.

Moro queria, inclusive, mais do que reunificar os dois ministérios e tentou levar para sua pasta o Ministério da Transparência, que incluía a Controladoria-Geral da União (CGU), e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), o que não conseguiu.

O ex-juiz chegou a ter o Coaf sob seu guarda-chuva, mas apenas até o Congresso votar a medida provisória que transferia o órgão da Fazenda para a Justiça. Os parlamentares decidiram alocar o Coaf na Economia (que unificou os ministérios econômicos). E mais recentemente, em nova mudança, o órgão foi para o Banco Central.

Procurado por meio da assessoria de imprensa, Moro disse que não vai comentar a possibilidade de desmembramento da Segurança Pública de sua pasta.

Uma fonte ligada a Moro disse que esse debate é visto com espanto pela atual equipe do ministério, porque tem ocorrido à revelia da pasta. A avaliação é que os indicadores de segurança pública são bons e houve aumento na execução de recursos aos entes regionais, contrariando argumento dos secretários.

Essa fonte considera que há um componente político nessa discussão, com o objetivo de enfraquecer Moro. A defesa de recriação do ministério, segundo essa fonte, feita por Maia tem por objetivo emplacar no cargo o correligionário do DEM e ex-deputado federal Alberto Fraga (DF).

Haveria ainda, por trás desse debate, ciúmes de Bolsonaro com a popularidade que Moro tem e que, em razão disso, vez por outra há confrontações. "O jogo de morde-e-assopra é eterno", afirmou a fonte.

Publicamente --como em entrevista à Reuters ano passado-- Moro nega ter pretensões eleitorais e diz que o presidente é o candidato à reeleição do governo, que contará com seu apoio. Mas há quem aposte que dependendo do cenário em 2022, o ministro pode tentar conquistar a Presidência.

A eventual iniciativa de Bolsonaro, se vingar, pode levar a um arranjo semelhante ao que ocorreu no governo de Michel Temer. Ministro da Justiça à época, Torquato Jardim terminou relegado ao ostracismo, enquanto Raul Jungmann, que assumiu a Segurança Pública, se transformou em figura central do governo.

Uma reestruturação do tipo tiraria de Moro todo o poder de influência no combate à corrupção, foco do ministro ao aceitar o cargo, já que não poderia contar com a Polícia Federal, por exemplo, e nem caberia a ele negociar medidas anticrime no Congresso.

Também tiraria de Moro a área que o ministro mais tem usado para enumerar seus feitos. Sucessos no combate ao tráfico de drogas e armas e a redução no índice de homicídios são hoje seus principais temas, inclusive nas redes sociais.

O ministro mais popular do governo já travou embates com Bolsonaro. Um exemplo disso foi a pressão por mudanças na cúpula da PF, que está sob comando de Moro.

Reclamação

Um dos aliados mais próximos de Bolsonaro, Alberto Fraga diz que a recriação do Ministério da Segurança Pública é uma demanda reclamada pela população brasileira. Ele atribui o mérito da redução de índices de criminalidade no país ao trabalho feito pelas policiais estaduais, mas não à atuação de Moro.

"A única medida que o ministério tomou foi o isolamento de líderes de facções criminosas em presídios federais. O ministério não é órgão executor das políticas de segurança pública", afirmou.

"Não tenho nada e ninguém pode ter absolutamente nada contra o ministro Sergio Moro, ícone do nosso pais, agora não querem misturar ou atribuir a Sergio Moro com alguma coisa da segurança publica que ele não tem nada. Se tivesse, os secretários não teriam pedido a recriação do ministério", completou.

Fraga, que disse ter estado pessoalmente com Bolsonaro três vezes desde sábado, afirmou não ter tratado do assunto da recriação da pasta e que o presidente foi pego de surpresa com o pedido apresentado pelos secretários.

"Não, não recebi convite nenhum... não discuti isso com o presidente", disse ele, para quem foi o "maior erro" Bolsonaro ter fundido novamente as duas pastas no seu governo.

Para o ex-deputado, no entanto, a eventual recriação do ministério não seria uma retaliação a Moro.

Bala contra

Já o presidente da Comissão de Segurança Pública da Câmara e coordenador da frente parlamentar da área, Capitão Augusto (PR-SP), avalia que a medida seria uma retaliação ao trabalho do ex-juiz da operação Lava Jato e disse ser "totalmente contra" a retirada da área de segurança pública da alçada de Moro.

"Nesse momento, enfraqueceria o trabalho do ministro Sergio Moro, é um péssimo sinal, péssimo recado que daríamos aos países que acompanham nosso combate à corrupção", avaliou.

Para o Capitão Augusto, que foi um dos entusiastas da criação do Ministério da Segurança Pública no governo Temer, não se deve enfraquecer o que está indo "muito bem".

"Não houve nenhum fato na educação, saúde e economia para justificar a redução dos índices (de criminalidade). Houve uma retórica do endurecimento e as polícias se sentiram mais confiantes e motivadas com o novo governo. Tem sim o ingrediente da Justiça e Segurança Pública com Moro e obviamente também a retórica do Bolsonaro", disse o Capitão Augusto.

O parlamentar afirmou que, caso a medida seja implementada pelo governo, por meio de projeto de lei ou medida provisória, vai trabalhar para derrubá-la na Câmara dos Deputados.

"É só ver quem está pedindo isso, a bancada da bala não pediu, não concordamos com o enfraquecimento do Moro, vamos trabalhar contra ela", disse.

Acompanhe tudo sobre:Jair BolsonaroMinistério da Segurança PúblicaSergio Moro

Mais de Brasil

STF forma maioria para permitir símbolos religiosos em prédios públicos

Governadores do Sul e do Sudeste criticam PEC da Segurança Pública proposta por governo Lula

Leilão de concessão da Nova Raposo recebe quatro propostas

Reeleito em BH, Fuad Noman está internado após sentir fortes dores nas pernas