Brasil

Livro traz nova versão sobre a escravidão brasileira

Novo livro do jornalista Leandro Narloch busca abalar a versão da escravidão que se tornou quase obrigatória nas escolas e no discurso público hoje em dia

ESCRAVIDÃO: pintura de Auguste François Biard, representava o fim da escravidão no Brasil / WikimediaCommons

ESCRAVIDÃO: pintura de Auguste François Biard, representava o fim da escravidão no Brasil / WikimediaCommons

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Da Redação

Publicado em 25 de novembro de 2017 às 08h20.

Última atualização em 25 de novembro de 2017 às 15h47.

A história de um povo nunca é totalmente separada da autoentendimento que ele tem de si mesmo; ou seja, de sua identidade. Os historiadores acadêmicos podem fazer seu trabalho científico e com o máximo de objetividade, buscando esclarecer fatos e levantando números sem jamais dar um passo além do que seu objeto e seus documentos permitem. Essa história científica, contudo, permanece uma coleção de afirmações isoladas e particulares, que dificilmente despertam o interesse de alguém. A história passa a ser relevante para a maioria do público quando ela é capaz de articular essas afirmações em uma narrativa, uma interpretação maior, do processo pelo qual uma sociedade passa.

E esse tipo de narrativa é fundamental para formar a identidade nacional. Dentro dela, alguns eventos, processos e períodos vistos mais importantes terão papel destacado na construção de uma visão da sociedade. No caso brasileiro, não há a menor dúvida de que uma dessas instituições históricas fundamentais para nossa autoimagem é a escravidão.

Por isso mesmo, os debates sobre a escravidão são acalorados. É como se dela, abolida oficialmente quase 130 anos atrás, dependessem orientações políticas e sociais do presente. Se minha versão da escravidão for refutada, a forma como eu leio o Brasil e as propostas que eu faço para o Brasil também ficarão em xeque.

O livro Escravos: a vida e o cotidiano de 28 brasileiros esquecidos pela história, de Leandro Narloch, vem justamente para abalar a versão da escravidão que se tornou quase obrigatória nas escolas e no discurso público hoje em dia.

Trata-se do que podemos resumir como a versão da escravidão brasileira como “Auschwitz”, um projeto de assassínio em massa, implacavelmente racista, desprovido de qualquer sentimento humano e dotada exclusivamente de opressão, da violência e maldade de opressores e a resistência heróica de oprimidos. Invariavelmente, essa leitura se presta à extrapolação de dizer: o Brasil ainda é assim. É essa visão da história que o autor tenta minar, escolhendo histórias de escravos e senhores que relativizem as afirmações categóricas do senso comum.

O racismo não era tão inflexível a ponto de não permitir a ascensão social e econômica de negros (escravos libertos ou descendentes deles); a própria escravidão portuguesa inicialmente era mais focada em asiáticos do que em africanos, foi uma conveniente proximidade com o Brasil que levou à predominância no tráfico de negros. A lealdade entre libertos e seus ex-senhores; o fato de que muitos escravos se tornavam donos de escravos e até comerciantes no tráfico negreiro; as negociações e processos judiciais envolvidos na alforria; as liberdades e direitos que escravos conseguiam conquistar para si; e as relações de afeto muitas vezes existentes entre escravos e senhores, que podiam chegar ao ponto de incluir o ex-escravo na família como filho adotivo e herdeiro. Até o quilombo, que hoje em dia é pintado como uma comuna revolucionária no meio da mata, reaparece com novos traços: cidades com atividade comercial, diversos vínculos com as fazendas e vilarejos próximos e práticas não tão diferentes assim do mundo que os cercava.

Narloch não é um historiador de formação, mas o livro vem bem embasado em pesquisas sérias e na obra dos principais nomes de nossa historiografia moderna, como Katia de Queirós Mattoso, Sandra Lauderdale Graham, João José Reis, entre outros. Sendo assim, o livro não traz nenhuma novidade para quem conhece um pouco a literatura; mas esse também não é seu público-alvo, e sim a enorme quantidade de pessoas que tem só uma vaga ideia, bastante estereotipada, do que teria sido a escravidão.

A grande questão de um livro como esse é se histórias particulares servem para falar de realidades gerais. Sem dúvida, casos como o de Manoel Joaquim d’Almeida, que começou a vida como o africano Gbego Sopka, foi vendido como escravo no Brasil, comprou sua liberdade e depois se tornou um dos maiores comerciantes de escravos da primeira metade do século 19, é uma exceção.

Ainda assim, um caso particular excepcional passa por realidades que não são tão excepcionais assim: nesse caso, a possibilidade da alforria – uma motivação de praticamente todos os escravos -, a baixa correlação entre ter sido escravizado e defender o abolicionismo universal. No final das contas, ficamos com uma ideia de escravidão menos afeita ao conceito de “luta de classes”, e sim como um sistema cruel e injusto pelo qual indivíduos exerciam poder sobre outros.

A leitura é leve, rápida e a sucessão de histórias mantém o interesse do leitor. Para entender a escravidão, não é o melhor caminho (talvez Manolo Florentino, João José Reis e outros cumpram melhor esse papel). Mas para pincelar esse entendimento com as cores vivas de histórias reais e indivíduos fascinantes, é uma pedida excelente. Quem sabe até se desmontem algumas ideias pré-concebidas no processo.

Serviço

Achados & Perdidos da História: Escravos: A vida e o cotidiano de 28 brasileiros esquecidos pela história

Autor: Leandro Narloch

Editora: Estação Brasil

Páginas: 201

Preço: 39,90

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