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Livro mostra a ascensão e queda de Sérgio Cabral, "a cara da corrupção"

Condenado a mais de 180 anos de prisão, o ex-governador tinha um estilo de vida extravagante bancado com propinas; livro reconstrói sua trajetória

 (VEJA,.com/Reprodução)

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João Pedro Caleiro

João Pedro Caleiro

Publicado em 17 de novembro de 2018 às 08h00.

Última atualização em 17 de novembro de 2018 às 08h00.

São Paulo - O caso de Sérgio Cabral, ex-governador do Rio de Janeiro, é um ponto fora da curva até mesmo para os padrões escandalosos da corrupção no Brasil.

Filho do jornalista, escritor e letrista de samba com o mesmo nome, ele cresceu entre artistas e intelectuais e entrou na política com um discurso moralista e charmoso.

Foi deputado federal entre 1991 e 2003, quando chegou à presidência da Assembleia Legislativa, senador de 2003 a 2006 e governador entre 2007 e 2014.

Foi como governador que surfou na alta do preço do petróleo, no apoio do governo federal e na vinda de grandes eventos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas para obter propinas adiantadas, milhões em contas no exterior e sustentar um estilo de vida extravagante.

Cabral acabou preso na teia da Operação Lava Jato com oito sentenças e condenações que somam mais de 180 anos de prisão - e isso porque ainda há mais 17 processos para serem julgados.

No aniversário de dois anos de sua prisão, a editora Sextante está lançando o livro "Sérgio Cabral: O homem que queria ser rei", escrito pelo jornalista Hudson Corrêa, que tem longa experiência na cobertura de política em veículos como Folha de S.Paulo, na Época e no Globo, entre outros.

Hudson conversou com EXAME na última quarta-feira (14) sobre a obra. Veja a entrevista:

Um  das coisas que chamam a atenção no livro é o contraste entre o jovem Sérgio Cabral, boêmio, idealista e bem relacionado, com a sua imagem atual, de corrupto ostentador. Você vê algum momento na história dele que marque essa transição?

Um dos marcos vem depois da campanha de 1996 para prefeito, na qual Cabral foi derrotado pela segunda vez. Ele já era presidente da Assembleia Legislativa e houve uma votação pra cobrar as empresas de ônibus, então isentas de pagar impostos.

O governador na época, Marcelo Alencar, super aliado do Cabral e uma das pessoas que articularam a sua presidência na Assembleia, manda em 1997 um projeto para acabar com essa isenção. E o Cabral o atropela, de forma impressionante, para que as empresas continuem com o beneficio.

Em seguida, ele aparece com 2 milhões de dólares que remete para o exterior. Ele confessa em depoimentos ao juiz Marcelo Bretas, da Operação Lava Jato no Rio, que justamente nessa época, de 1997 a 1999, ele fez essa transação por meio de doleiros para uma conta de Nova York.

Batendo essas informações com as da Operação Panela Velha, que levou à prisão do ex-presidente da Assembleia do Rio, Jorge Picciani, que na época era aliado - Cabral era presidente e Picciani o primeiro-secretário, que cuida do dinheiro - você percebe que já existia a caixinha das empresas de ônibus.

Ele ainda continuou a manter algum tipo de idealismo e a vender a imagem de combate à corrupção, mas o Rio elegeu em 2006 um governador que já tinha o seu esquema.

A derrocada do Cabral veio junto com a Operação Lava Jato. Até que ponto os seus esquemas locais estão relacionados ao esquema federal?

Podemos dizer que a derrocada do Cabral começa em julho de 2015, quando prendem o Marcelo Odebrecht e o Otávio Azevedo, presidente da holding da Andrade Gutierrez. Passado alguns meses o Marcelo fica firme em não fazer delação (que faria depois) e o Azevedo resiste até fevereiro de 2016.

Quando ele autoriza a delação, no acordo está previsto que todos os executivos da AG teriam que contar o que sabiam, não só do caso Petrobras, que é da Lava Jato em Curitiba, mas também dos estados.

Aí o Rogério de Sá, presidente da construtora, faz uma delação com os executivos Clóvis Filho e Alberto Quintais, e eles contam algo que eu, que sempre cobri corrupção, considero inédito.

Em 2007, logo que sentou na cadeira de governador, o Cabral chamou os executivos da AG para exigir uma propina adiantada de 350 mil reais, que depois seria abatida dos 5% que ele exigia de cobrança das obras no estado.

Além disso, algo também considerado inédito foi a união entre a Lava Jato no RJ com a investigação do [juiz Sérgio] Moro, já que a AG também delatou que havia pagamento de propina para o Comperj, o complexo petroquímico que estava sendo construído no Rio.

Vem o Paulo Roberto Costa, principal pivô da Lava Jato mãe, e diz que o Cabral exigiu 1% da obra de terraplanagem do Comperj. Ai os dois juízes começam a trabalhar juntos e pegam o Cabral.

E qual a relação do esquema com o boom de investimentos no Rio de Janeiro, a alta do preço do petróleo e a realização de grandes eventos como a Copa do Mundo e Olimpíadas?

Relação total. Cabral é preso em novembro de 2016, pouco após a prisão de Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados. Lula é condenado em junho de 2017 e depois temos a denúncia contra o presidente Michel Temer e o afastamento do senador Aécio Neves.

O livro faz o papel de juntar os fragmentos e destaca a relação com a liberação de verba do governo federal. Não quer dizer que o Lula fizesse parte do esquema carioca; mas logo que o Cabral assumiu, o presidente estava reeleito e já interessado em projetar a Dilma para 2010.

Para o Rio de Janeiro, onde ele teve quase 70% dos votos válidos, ele começa a liberar várias verbas. A primeira cobrança de propina do Cabral é a reforma do Maracanã para os Jogos Pan-americanos de 2007 e ali o Lula libera 100 milhões de reais, depois obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), depois Rodoanel.

O Cabral de repente se vê inundado de dinheiro do governo federal facilitados pelo Lula, sempre de bolso aberto para os projetos no Rio, e a corrupção sempre em data próxima da liberação.

No Comperj, por exemplo, a inauguração da obra de terraplanagem é em 2008 com o Lula e logo em seguida o Cabral vai cobrar propina do complexo.

Além do dinheiro federal, Cabral estava nadando no dinheiro do petróleo, dando aumento para todo mundo. Ele investia com uma mão e tirava com a outra. Estava criando uma ilusão, uma bolha.

É total a dependência das obras das Olimpíadas: ele cobrava da Carioca Engenharia uma mesada de 200 mil, e quando veio a obra do metrô, ele sobe para 500 mil. Tem um depoimento dos executivos da empresa dizendo isso, o Fernando Cavendish, dono da construtora Delta, que fez parte do Rodoanel e do esquema, tem na obra do Maracanã para a Copa.

Foi a tempestade perfeita pra ele: de um lado o governo Lula aliado e depois a Dilma Rousseff, interessada no eleitorado carioca que só rivaliza com o de São Paulo, onde o PT não tem penetração. Além do boom do petróleo, e os atrativos de Copa e Olimpíadas. Ele se aproveita dos recursos e as empreiteiras, que obviamente também não são inocentes, estavam doidas para conseguir tudo isso.

Outra coisa que chama a atenção é a ostentação: as joias milionárias para a mulher, a casa de praia e o uso de helicópteros oficiais. Houve vaidade e arrogância nessa falta de cuidado em esconder os rastros? É um dos esquemas mais descarados.

O título é justamente sobre isso: o homem que queria ser rei. Quando o Bretas está lá pela terceira sentença condenatória, ele diz algo no sentido que o estilo da Cabral não visava só o dinheiro fácil e sim uma vida de luxos, “nababesca”, de ostentação total.

Ele não se preocupava em esconder a compra de joias; ele abusou de uma forma que virou quase a própria cara da corrupção e consegue criar uma indignação até maior que a do Lula. A Polícia Federal espelhou um pouco essa indignação ao usar com ele algemas nos pés e nos pulsos.

Um divisor de águas foi a queda do helicóptero em julho de 2011 com a mulher do Cavendish. Ai vem à tona a ligação dele com o Eike Batista, porque pra chegar na Bahia, ele usou o jatinho do Eike e estava com o Cavendish que na época tinha o contrato de 30% do Maracanã.

A imprensa pela primeira vez começa a explorar isso e sua administração passa a ser alvo de críticas. Espera-se que um corrupto mais tarimbado pare naquele momento, mas em setembro do mesmo ano ele ajeita um pagamento, comprovado e com condenação, de 16 milhões de dólares de propina com Eike em troca, segundo a Justiça e o MP, de benefícios nos projetos do Eike no Rio.

Outro caso: em 2013, em meio aos protestos de rua contra o aumento das passagens, o Cabral é alvo mas compra um anel de R$ 1,1 milhão e um brinco de R$ 1,8 milhão. No dia 17 de julho, véspera do aniversário da sua esposa Adriana Ancelmo, teve quebra-quebra do Leblon e ele está comprando joias.

Os governos eleitos no Rio e no país tiveram um forte discurso anticorrupção com um viés bastante moral, ainda que o combate à corrupção dependa de instituições. O caso do Cabral levou a mudanças nesse sentido ou podemos ver uma repetição de um esquema como o dele?

Eu acho que é possível porque eles criaram um sistema enraizado: a Assembleia Legislativa que funciona em um modelo, a Câmara dos Deputados também.

O próprio Cabral continuou incorrendo em crimes dentro da cadeia. Em busca de regalias, ele usou usando velhinhas religiosas para que lavassem a compra de equipamentos de videoteca para o presidio.

Eles mudaram para o presídio de Benfica, apoiados pelo Secretário de Administração Penitenciária, que acabou afastado do cargo, ele construiu e reformou uma ala do presídio pra atender ao pessoal da Lava Jato. Tanto que o Cabral chegou a um tempo ser retirado do RJ e ficou um tempo em Curitiba, agora está de volta em Bangu.

Eles não desistem. A própria ascensão do Moro ao Ministério da Justiça, e o que ele diz por enquanto, é no sentido de que precisa criar um pacote anticorrupção para o país. Você pegou os estados, mas e os municípios? Que mecanismos de controle podemos ter além da Policia Federal e do Ministério Público? Vamos ficar sempre dependendo deles? Marco Antônio Cabral, seu filho que acabou não sendo reeleito, é outro exemplo: com o pai preso, ele dava carteirada de deputado para visitar. Eles não param.

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