Lira: Como havia poucos deputados na Câmara, Lira decidiu adiar a votação (Maryanna Oliveira/Agência Câmara)
Agência O Globo
Publicado em 8 de julho de 2022 às 07h36.
O temor de que um destaque derrubasse o “estado de emergência” da proposta de emenda à Constituição (PEC) Eleitoral fez o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), adiar ontem a votação do projeto para a próxima terça-feira, de acordo com lideranças do Congresso.
A PEC, aprovada no Senado na semana passada, institui um estado de emergência no Brasil até dezembro para driblar a lei eleitoral, ampliar o Auxílio Brasil (para R$ 600), dobrar o vale-gás e criar o “Pix Caminhoneiro” de R$ 1 mil. O pacote de medidas populares a menos de três meses das eleições têm um custo total estimado em pouco mais de R$ 41 bilhões.
Apesar de votar a favor do projeto, a estratégia da oposição incluía um destaque, uma proposta para alterar parte do texto, para retirar o “estado de emergência” da PEC. Para derrubar esse destaque e manter a emergência, o governo precisava de 308 votos, o mesmo número necessário para aprovar a PEC.
Como havia poucos deputados na Câmara, Lira decidiu adiar a votação, prevista inicialmente para a noite de ontem, poucas horas depois da aprovação na comissão especial, em meio à tramitação acelerada da proposta.
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Até a semana que vem, os governistas pretendem, sob o comando de Lira, trabalhar para garantir a presença de um número suficiente de deputados no plenário para enfrentar a oposição na votação desse destaque, que foi proposto pelo PT juntamente com outros dois no mesmo sentido. O Novo também apresentou um destaque muito semelhante para a supressão do estado de emergência.
Os líderes dos partidos do Centrão, a base política do governo Bolsonaro no Congresso, estimam a presença de 450 dos 513 deputados como um cenário confortável para garantir a maioria qualificada de 308 votos para aprovar uma alteração na Constituição ou derrubar um destaque polêmico como o proposto pelo PT.
A sessão foi encerrada por volta de 19h45, quando havia um registro de 427 deputados na Casa. Isso não quer dizer, porém, que esses parlamentares estavam em Brasília e no plenário. Isso acontece porque o painel exibe os dados da última votação, ou seja, após esse momento parte dos parlamentares poderia já ter deixado o local.
Após a votação praticamente unânime no Senado -- o senador José Serra (PSDB-SP) deu o único voto contrário --, o governo sabe que pode contar com a oposição para aprovar a PEC com folga. Mas na votação do destaque para tirar o estado de emergência do texto, os partidos oposicionistas votam contra o governo, o que pode deixar escapar a proteção jurídica que Bolsonaro busca para conceder benefícios às vésperas das eleições, o que é vedado pela lei eleitoral em nome do equilíbrio da disputa.
Mais cedo, durante a sessão da comissão especial, deputados governistas interpelaram alguns oposicionistas durante seus discursos contra a PEC, especialmente os do PT, questionando como o partido votaria. Assim como ocorreu na tramitação da proposta que criou um teto para o ICMS de energia e combustível, a oposição criticou fortemente a iniciativa, mas não se opôs ao mérito.
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A decisão de Lira de adiar a votação foi tomada após um requerimento de encerramento de discussão ser aprovado por 303 votos a 91, indicando baixa presença em plenário. Esse requerimento serviu como parâmetro para Lira e para o governo contabilizar os votos. Como não havia 308 votos, existia o risco de derrubar o estado de emergência.
Tradicionalmente, há poucos deputados em Brasília às quintas-feiras. Essa situação é ainda mais acentuada durante o período eleitoral. Logo após deixar a mesa da Presidência, Lira se queixou a aliados que os líderes estavam "sem prestígio" e não conseguiam reunir os deputados na sessão.
No plenário, afirmou que não arriscaria a votação de duas PECs — os deputados também analisariam o texto que cria um piso nacional de enfermagem.
— Não vou arriscar nem essa PEC, nem a outra, com esse quórum — declarou o presidente da Câmara, ao anunciar que encerraria a sessão e que as propostas seriam analisadas novamente na próxima terça-feira.
O relator, Danilo Forte (União-CE), disse apenas que deputados viajaram para suas bases e não seria possível atingir o quórum:
— Diante de uma segurança maior, acho que o presidente Arthur Lira agiu corretamente.
Planos de Bolsonaro frustrados
O adiamento da votação da PEC atrapalha os planos do governo de fazer os pagamentos dos benefícios rapidamente, dada a proximidade da eleição e a situação desfavorável do presidente Jair Bolsonaro nas pesquisas de intenção de voto em relação ao líder, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O estado de emergência é um dos pontos mais polêmicos da PEC e é criticado por juristas. A legislação eleitoral proíbe a criação e ampliação de benefícios no ano do pleito, a não ser em caso de emergência ou calamidade. Para driblar essa regra, então, o Congresso institui a emergência na PEC.
A ideia da emergência é blindar Bolsonaro. Sem essa medida de exceção, ele poderia ser enquadrado na lei eleitoral por abuso de poder econômico e ficar inelegível por oito anos, na opinião de especialistas e até de técnicos do governo. Por isso, foi desenhado o estado de emergência.
Nos bastidores, o governo minimizou o adiamento e negou que isso atrapalhe os planos da campanha de Bolsonaro. Assessores do governo afirmam ainda que três dias úteis não vão ter nenhum impacto e dizem que o texto da PEC prevê o pagamento de agosto a dezembro, portanto, ainda há tempo para aprovar a proposta.
O governo queria que o projeto fosse aprovado nesta semana para antecipar os pagamentos dos benefícios. Apesar do adiamento da votação, o presidente Bolsonaro já tem usado o pacote de bondades da PEC em seus discursos para atrair o eleitorado
O núcleo duro da campanha aposta todas as fichas no pacote para fazer Bolsonaro começar a recuperar a diferença nas pesquisas para o ex-presidente Lula ainda em julho. A medidas atingem diretamente a população de baixa renda, que Bolsonaro tem mais dificuldade.
Para deputados da oposição, o adiamento da votação mostra que o engajamento ao governo está baixo, e que mesmo com manobras para acelerar a tramitação do texto, faltou mobilização da base.
O líder da minoria, deputado Alencar Santana (PT-SP), diz que a oposição continuará fazendo seu trabalho de questionar o projeto, mas que faltou articulação do próprio governo:
— Eles transgrediram o regimento na comissão, atropelaram a sessão hoje cedo e mesmo assim não conseguiram garantir seus deputados. O governo não tem adesão para uma coisa que ele considera central. O governo tem obrigação de colocar seu quórum se quer aprovar. Ele tem a maioria com folga. É ele que não conseguiu hoje.
O governo tentou liquidar a PEC ontem, mas conseguiu apenas a aprovação na comissão especial. Nesse colegiado, a proposta foi aprovada 36 votos favoráveis e apenas um contrário ao texto, do deputado Alexis Fonteyne (Novo-SP) — a comissão tem 38 membros titulares.
Para tentar garantir a votação e contar prazos regimentais, a Câmara chegou a fazer uma sessão de apenas um minuto. Como a oposição havia pedido vista, ou seja, mais tempo para analisar a proposta, o regimento prevê que esse tempo seja de duas sessões do plenário. Assim, mesmo com a sessão de um minuto, pouco depois das 6h, o prazo foi contado, e a comissão especial pôde analisar o tema ontem.
O governo garantia que conseguiria votar a PEC ontem. O líder na Câmara, Ricardo Barros (PP-AL) foi, na véspera, conclamar todos os deputados a votarem a favor do texto, inclusive a oposição. Os partidos contrários ao governo, por sua vez, conseguiram adiar a votação, mas seguem dizendo que votarão a favor do texto.
— Nós não iremos dizer não ao aumento de um auxílio que nós já queríamos que fosse maior, mas nós temos que denunciar que é eleitoreira a decisão, que é uma decisão eleitoreira e extemporânea — disse Alice Portugal (PCdoB-BA).
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