RENATO SERGIO DE LIMA: “É preciso priorizar quem de fato precisa ficar preso e agilizar a fila de provisórios” / Divulgação
Raphael Martins
Publicado em 9 de fevereiro de 2017 às 15h18.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 17h58.
Há um mês, o Espírito Santo era referência em Segurança Pública. Enquanto a região Norte amargava uma feroz crise carcerária, os capixabas eram exemplo por terem transformado a maior taxa de superlotação do país na menor, em pouco mais de 10 anos. O estado ainda apresentava queda nos números de homicídios e latrocínios a cada relatório. Até que, na última sexta-feira 3, teve início uma greve da Polícia Militar por aumento de salários. O resultado é uma onda de violência que já deixa mais de 100 mortos.
Quem explica o que deu errado e quais os passos para que a barbárie não se repita país afora é o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima. “É preciso priorizar quem de fato precisa ficar preso e agilizar a fila de provisórios. Assim, você otimiza o trabalho de rua, diminui os custos com o sistema prisional e gera caixa para valorizar o profissional”, diz. Em entrevista a EXAME Hoje, Lima fala sobre a urgência de rever a estrutura do sistema de policiamento no Brasil.
A crise no Espírito Santo acontece em meio à licença médica do governador Paulo Hartung e à saída de Alexandre de Moraes do Ministério da Justiça. Isso prejudica a gestão de crise?
Sem dúvida se perde um pouco a cadeia de comando da parte do governador, que está afastado por questões médicas. Agora, o secretário de Justiça do Espírito Santo, André Garcia, é um homem que está no cargo e no sistema de segurança pública há muito tempo. Ele tem conhecimento do sistema e sabe o que está acontecendo. Da parte da União, a principal ferramenta de resgate nessa questão, que é o envolvimento das Forças Armadas, depende do Ministro da Defesa, Raul Jungmann, e do presidente da República, Michel Temer. Isso foi feito. No Ministério da Justiça, o problema é menor porque a prerrogativa de mobilização da Força Nacional foi mantida pelo José Levi, secretário-executivo da pasta.
Por que a situação chegou a esse ponto então?
Há um grande paradoxo nessa história. O Espírito Santo é um dos estados do país que mais têm reduzido as taxas de violência. Diminuíram as taxas de homicídios, latrocínios e outros indicadores de crimes violentos. A política de Segurança Pública trazia resultados satisfatórios. Não se pode esquecer que os números, de alguma forma, têm sido atingidos com apoio das polícias Civil e Militar. A paralisação evidencia que há um problema maior, de gestão da carreira dos policiais brasileiros. Há um desafio de como lidar com policiais. Como os trabalhadores da polícia podem lutar por melhorias se o sistema é imutável? Temos policiais que são submetidos a condições de vida e trabalho degradantes no país todo, com salários baixos e vivendo sob risco, e que não têm garantia de que podem reivindicar melhores condições. Como se garante o direito do trabalhador policial e ao mesmo tempo certifica-se de que a população não vai ficar refém do medo? Essa é a principal resposta que Espírito Santo está buscando. Temos um quadro de insegurança agravado por uma reivindicação justa, mas não podemos ficar reféns de uma única instituição. Se a organização de policiamento fosse feita de outro jeito, o caso não teria chegado nesse patamar.
O governador declarou que a postura de paralisação é uma chantagem por parte dos policiais. Essa foi a melhor abordagem para a resolução do problema?
Nunca o enfrentamento é a melhor forma, mas em determinadas situações é inevitável. Ele precisa impor o conceito de que é autoridade eleita e máxima no estado. A decisão passa por ele. Claro que há a obrigação de valorizar os profissionais que trabalham na Segurança Pública. Mas o governador, enquanto dirigente, não pode se ver obrigado a adotar uma decisão que não é a de governo. Afinal, vivemos uma democracia. Por mais cruel que seja, temos que respeitar a cadeia de comando. Se o governador cede imediatamente às reivindicações, vai ter que dar o aumento para a categoria e contrariar o planejamento fiscal do estado, que hoje é um dos únicos que está no azul. É impossível no atual contexto brasileiro dar razão incondicional aos policiais e se submeter, porque é pedir para que professores, médicos e demais funcionários públicos façam o mesmo.
Estamos prestes a ver novos episódios em outros estados?
Não só vai acontecer como vem ganhando frequência. Nos últimos cinco anos, tivemos casos semelhantes na Bahia e no Ceará. É claro que esse não será o último. O problema é que as políticas de Segurança Pública de sucesso conseguiram resultados pontuais na redução das taxas de violência, mas estão chegando ao limite. As que deram certo são o que chamamos de “políticas incrementais”. Agora, temor que decidir quem queremos prender e como queremos punir. Quando 40% dos presos são provisórios e apenas 10% estão detidos por homicídios algo está errado. Estamos povoando as prisões com quem furta produtos de limpeza ou matadores e estuprados? Um dos problemas a atacar é a investigação de baixa qualidade e os julgamentos. A legislação já permite isso, mas é preciso priorizar quem de fato deve ficar preso e agilizar a fila de provisórios. Assim, otimizaremos o trabalho de rua, diminuindo os custos com o sistema prisional e gerando caixa para valorizar o profissional.
Quais caminhos o poder público deveria ter tomado para não deixar episódios como esse do Espírito Santo acontecer?
Passamos da hora de discutir a gerência das polícias brasileiras. Há uma quantidade imensa de propostas de mudança no Congresso. Temos um caminho que é o de olhar para experiências exitosas, seja em outros países ou políticas incrementais, e saber que as polícias precisam se adequar para garantir a segurança como direito social. Não é só prevenir e enfrentar o crime, mas garantir que a população possa sair, trabalhar e se divertir. O que se vê é que as polícias e o sistema de Segurança Pública não garantem esse direito social, mas servem como instrumento de manutenção de uma ordem de estado. Isso cria uma tendência a achar que polícia e sociedade são inimigas. O que temos que ver é que se nos tornássemos aliados teríamos muito mais sucesso em reduzir medo e insegurança.
Nos últimos relatórios, inclusive do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, os estados vinham registrando diminuição de criminalidade, mas vivemos uma explosão de crimes no início do ano. Os pesquisadores falharam em não prever que algo assim poderia acontecer?
Temos um enorme problema de implementação de políticas de segurança. Quem analisa a área vive um dilema parecido como o de quem analisa inflação e juros. O tempo todo montamos cenários, fazemos a projeção e erramos. Os pesquisadores falharam, sim, mas muito em virtude de os dados brasileiros serem muito ruins. O que temos hoje são informações frágeis, em que não conseguimos avaliar e comparar políticas entre estados. Quando fazemos um estudo, somos objetos de críticas pesadas por explicitar os problemas. Se o dado tem limites, nada melhor que estar sob escrutínio público para que se melhore a qualidade. Mas há dirigentes e instituições que não estão nem um pouco felizes em prestar contas para a sociedade.