Marielle Franco, vereadora do PSOL morta no Rio de Janeiro (Câmara do Rio/Divulgação)
Agência Brasil
Publicado em 12 de outubro de 2018 às 17h11.
Há quase sete meses, "Marielle vive" se tornou palavra de ordem pelas ruas do Rio de Janeiro. Agora, a palavra também ganha o Parlamento estadual. Vindas de comunidades da periferia da zona norte da capital fluminense, três assessoras diretas da vereadora, assassinada em março, assumirão em 2019 mandatos na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Eleitas no último domingo (7), Renata Souza, Dani Monteiro e Mônica Francisco farão parte da bancada do PSOL e prometem dar prosseguimento ao trabalho de defesa dos direitos humanos.
Se Marielle não tivesse sido executada, talvez nenhuma das três teria se candidatado. Elas contam que já tinham pensado em se candidatar no futuro, mas o projeto foi antecipado com a morte de Marielle Franco. "Era uma coisa pensada talvez para o horizonte de 2020, com uma construção gradual, como tem que ser. A execução da Marielle precipita esse processo", conta Mônica Franciso.
Segundo Renata Souza, Marielle sempre trabalhou para que outras mulheres negras ocupassem mandatos no Legislativo. "Nossa resposta [ao crime] não foi recuar. Fomos ousadas e desafiamos o pragmatismo político, que diz que só pode vir no máximo uma mulher negra por vez. E nós dissemos não, dessa vez vão três. E trabalhamos para que todas três fossem eleitas", diz a candidata mais votada da bancada do PSOL, com 63.937 votos.
As eleitas prometem mandatos com foco em medidas que contribuam para superar as desigualdades sociais e promover políticas públicas em comunidades da periferia. "A favela é historicamente o lugar da política pública ineficaz, precária, descontinuada. A militante do movimento de favela luta pelo direito à água, pelo saneamento, pela habitação, pela saúde, pela educação. São os problemas que queremos enfrentar", diz Mônica Francisco, que obteve 40.631 votos.
Renata Souza destaca que o deputado não trabalha só para aprovar leis. Segundo ela, é essencial fiscalizar o Executivo e o cumprimento da legislação e, nesse sentido, se diz disposta a acompanhar a atuação das forças de segurança na periferia. Um dos objetivos é o fim das operações policiais perto de escolas em horários de entrada e saída de estudantes. Renata defende protocolos de ação que determinem, por exemplo, locais onde não devem ocorrer confrontos e que estabeleçam a garantia de ajuda humanitária.
"Nós não temos formas de fazer com que a população possa se refugiar em um lugar seguro. Alunos ficaram 20 dias sem aula no Complexo da Maré. Se isso se repete ao longo dos 12 anos, que é o tempo que o estudante leva até concluir o ensino médio, ele terá perdido um ano de aulas. E isso é gravíssimo. É o Estado impedindo que esse aluno chegue na escola", lamenta.
Na visão de Dani Monteiro, que conquistou 27.982 votos, as candidaturas também devem contribuir para uma revisão do passado do país, de forma a perceber a necessidade de reparação, já que "a abolição da escravatura não constituiu direitos e não houve inclusão das pessoas que até então as via como inferiores".
Para levar adiante as propostas, as três precisarão lidar com parlamentares com pensamentos bem diferentes. O PSL, partido do presidenciável Jair Bolsonaro, conquistou a maior bancada e terá 13 deputados estaduais a partir do próximo ano. O mais votado deles é Rodrigo Amorim, que provocou polêmica ao posar para uma foto em Petrópolis (RJ) destruindo uma homenagem à vereadora Marielle Franco.
Com 36 anos, Renata Souza é jornalista, pesquisadora em comunicação e militarização e professora de pré-vestibular comunitário no Complexo da Maré. Já Mônica Francisco, nascida há 48 anos no Morro do Borel, é socióloga e pastora evangélica. Moradora do bairro de Higienópolis, Dani Monteiro é a mais nova do trio. Aos 27 anos, ela é estudante cotista de ciências sociais na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e carrega em sua história a conquista de ter integrado a primeira geração de sua família a chegar à universidade.
"O que nós queremos vai além de promover espaços de resistência. É proporcionar a formação para que essas mulheres negras possam se tornar especialistas. E daí poder vê-las debatendo saúde, debatendo educação, debatendo segurança pública.", diz Dani Monteiro, que conquistou 27.982 votos.
Para Mônica Francisco, a eleição delas também se colocou como necessidade diante do atual cenário, quando "o Brasil revela sua incapacidade para passar sua história a limpo, permitindo assim uma instabilidade democrática". "Como a história é cíclica, nós podemos viver situações que nós achamos que não viveríamos mais. E isso tem a ver com o fato de que nós não conseguimos falar abertamente sobre a ditadura militar. Chegamos em 2018, com 130 anos de uma abolição da escravatura inconclusa, em que a gente não discute o racismo que cimentou as relações sociais no país".
As serão responsáveis por fazer com que a Alerj tenha a maior quantidade de mulheres negras de sua história. Serão seis, enquanto atualmente há apenas duas. Ao mesmo tempo, o trio contribuirá para ampliar no próximo ano a representação feminina de uma forma geral - que saltará de oito parlamentares para 11 - e também a representação negra - que sai de 12 para 22. A casa legislativa tem ao todo 70 deputados estaduais.
*Colaborou Akemi Nitahara