Gilmar Mendes: em entrevista ao jornal Correio Braziliense, Gilmar afirmou que a Lava Jato é uma “organização criminosa para investigar pessoas” (Adriano Machado/Reuters)
Clara Cerioni
Publicado em 6 de agosto de 2019 às 15h12.
Última atualização em 3 de setembro de 2019 às 19h21.
São Paulo — Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), foi alvo de tentativa de investigação pelo procuradores da Operação Lava Jato em Curitiba no começo deste ano, segundo novas conversas reveladas nesta terça-feira (06) pelo jornal El País em parceria com o site The Intercept Brasil.
De acordo com as mensagens, o objetivo dos procuradores era pedir a suspeição e até seu impeachment. A ofensiva foi liderada pelo procurador Deltan Dallagnol, que planejou acionar investigadores na Suíça para tentar reunir munição contra o ministro.
As conversas revelam que a estratégia contra Gilmar Mendes foi discutida ao longo de meses a partir de fevereiro entre os membros da força-tarefa no Telegram.
Os diálogos começaram após um comentário de Dellagnol sobre "um boato" vindo da força-tarefa de São Paulo, de que parte do dinheiro mantido em contas no exterior por Paulo Preto, operador financeiro do PSDB preso em fevereiro, pertenceria a Mendes.
“Nós não podemos dar a entender que investigamos GM”, diz Deltan em certo momento, e afirma na sequência: “Caso se confirme essa unha e carne, será um escândalo”.
Os outros procuradores discutiram as possibilidades ao mesmo tempo em que alertavam Dellagnol sobre os riscos e a necessidade de repassar a possível investigação à Procuradoria-Geral da República.
De acordo com a Constituição Federal, ministros do STF só podem ser investigados com autorização de seus pares, a não ser que apareçam em uma investigação já em curso, a chamada investigação cruzada — o que não foi o caso da Lava Jato.
Mensagens anteriores, datadas de julho de 2018, mostravam Deltan questionando para colegas a decisão da procuradora-geral Raquel Dodge de não confrontar Gilmar.
O procurador-geral diz que era precisa cobrar uma posição pública dela "ou passamos a falar publicamente que a sociedade tem um encontro marcado com o impeachment de Gilmar".
As revelações publicadas nesta terça-feira (06) podem intensificar a crise entre a força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba com os ministros do STF, que têm dado sinais de uma reação mais vigorosa desde a volta do recesso na semana passada.
Na semana passada, a Folha de S.Paulo, junto com o The Intercept, mostraram que Dellagnol incentivou uma investigação sigilosa contra o atual presidente da corte, Dias Toffoli, em 2016.
Segundo as conversas, o coordenador da Lava Jato buscou informações sobre as finanças pessoais de Toffoli e sua mulher e evidências que os ligassem a empreiteiras envolvidas com a corrupção na Petrobras.
No mesmo dia em que essas mensagens foram à público, o ministro Luiz Fux determinou que a Polícia Federal enviasse ao STF as investigações sobre as invasões de celulares de autoridades, que podem confirmar os vazamentos do The Intercept.
O magistrado também proibiu a destruição das provas recolhidas, inicialmente sugerida pelo ministro da Justiça, Sergio Moro.
A medida foi corroborada pelo ministro Alexandre de Moraes. Em entrevista ao jornal Correio Braziliense, Gilmar afirmou que a Lava Jato é uma “organização criminosa para investigar pessoas”.
Desde o dia 09 de junho, o Intercept vem revelando uma série de conversas privadas que mostram Moro e procuradores, principalmente Deltan Dallagnol, combinando estratégias de investigação e de comunicação com a imprensa no âmbito da Operação Lava Jato.
Segundo as revelações, o ex-juiz sugeriu mudanças nas ordens das operações, antecipou ao menos uma decisão e deu pistas informais de investigações nos casos envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O site é de Glenn Greenwald, um jornalista americano vencedor do prêmio Pulitzer por ter revelado, em 2013, um sistema de espionagem em massa dos EUA com base em dados vazados por Edward Snowden.
Como as revelações vieram a público por uma reportagem, ainda será necessária uma extensa investigação, provavelmente conduzida pela Polícia Federal, para confirmar as implicações jurídicas.
O vazamento de informações sigilosas no âmbito da Lava Jato tem sido comum desde o início da operação em 2014.