Brasil

Ivan Valente, do PSOL: "Temer prevaricou no cargo"

PSOL protocolou nesta segunda-feira um pedido de impeachment do presidente Michel Temer

Ivan Valente: para o deputado, o presidente Michel Temer cometeu três crimes: prevaricação, coação de um funcionário público e improbidade administrativa (Divulgação/Divulgação)

Ivan Valente: para o deputado, o presidente Michel Temer cometeu três crimes: prevaricação, coação de um funcionário público e improbidade administrativa (Divulgação/Divulgação)

RK

Rafael Kato

Publicado em 28 de novembro de 2016 às 18h54.

Entrevista publicada originalmente em EXAME Hoje, app disponível na App Store e no Google Play.

O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) protocolou nesta segunda-feira na Câmara dos Deputados um pedido de impeachment do presidente Michel Temer. O pedido é ocasionado pelas denúncias do ex-ministro da Cultura, Marcelo Calero, que disse ter sofrido pressões do presidente para interceder pelo pedido de Geddel Vieira Lima, ex-ministro da Secretaria de Governo, para liberar a construção do prédio onde Geddel comprou apartamento em Salvador. Para o deputado Ivan Valente, líder do PSOL na Câmara, há pelo menos três motivos para que Temer seja afastado do cargo – prevaricação, coação de um funcionário público e improbidade administrativa. Sobre a crise do governo, Valente concedeu esta entrevista a EXAME Hoje.

As denúncias que surgiram essa semana complicam até que ponto a vida política do presidente Michel Temer?
Essas denúncias trouxeram uma crise de muita gravidade para o governo Temer, porque, primeiro, elas demonstraram o grande compadrio que existe em termos de questões obscuras e privadas entre o presidente da República e seus dois ministros mais próximos, Geddel Vieira Lima e Eliseu Padilha. Nós estamos vendo o sexto ministro do governo a cair. Três da alta cúpula do PMDB e do governo. Um foi o Romero Jucá, que disse que era preciso estancar a sangria causada pela Lava-Jato, depois veio o Henrique Alves, e agora é a vez do Geddel. Ou seja, toda a copa e cozinha do Planalto passa por acusações graves. Certamente, esses nomes também estão na Lava-jato, e muito provavelmente na delação premiada da Odebrecht. Com seus principais aliados envolvidos, vai ficar difícil fazer a articulação com o Congresso.

Como a esquerda vai agir diante desses fatos?
Nós vamos dar entrada na segunda-feira com uma representação na Câmara contra o presidente da República pedindo seu impedimento por crime de responsabilidade. O conteúdo do depoimento do ex-ministro Marcelo Calero é muito grave. Primeiro, porque mostra que Temer prevaricou no cargo. Ele também usou de uma ameaça para coagir um funcionário público subordinado para proceder ilegalmente. A lógica que foi demonstrada é que ele queria que passasse para a Advocacia-Geral da União para que eles dessem o parecer que Geddel queria. Terceiro, o tipo de comportamento, agindo em conluio com os ministros para interesses cruzados, é incompatível com o cargo, é improbidade.

A princípio, a base aliada saiu em defesa de Temer. Isso é efetivo?
O PSDB é o principal fiador desse governo, por isso, não é à toa que a alta plumagem tucana se reuniu com eles no Palácio da Alvorada para almoçar na sexta-feira. Eles já estão com uma agenda extremamente negativa para a sociedade, que é fazer o povo pagar a conta da crise ao retirar direitos. O PSDB já colocou vários ministros no governo. Agora, parece que querem o cargo que era do Geddel, a Secretaria de Governo. Isso mostra que o partido vai entrar no núcleo central do governo. Vai haver disputa, o deputado Rogério Rosso, do PSD, também quer assumir. A sinalização que o Aécio e o Fernando Henrique Cardoso deram com as declarações defendendo Temer foi suficiente para dizer que eles estão para o que der e vier.

A delação da Odebrecht está em vias de ser assinada e vai trazer fatos novos para um ambiente já conturbado. Como ela pode agravar a crise política?
Eu acho que a lista da Odebrecht só coroa um conjunto de denúncias que vão atingir exatamente os dois partidos que são o condomínio do poder hoje, o PMDB e o PSDB. É uma coalisão que está comprometida somente para chegar em 2018. Se olhar para todas as denúncias já feitas na Lava-Jato até aqui, elas comprometem ministros de alta patente, como o Serra, senadores como Renan Calheiros, e toda a cúpula de senadores do PMDB. Se a denúncia vier mais carregada nesse sentido, vai complicar o governo. A gente também vê os políticos tentando se proteger. O que aconteceu na Câmara nessa semana foi a tentativa de um acordão para anistiar o caixa 2. Nesse caso, o PT e o PCdoB também participaram, junto com PSDB e outros partidos. Somente a Rede e o PSOL condenaram e denunciaram o acordão. Então, essa já foi a segunda tentativa frustrada de anistiar o caixa 2 e vão tentar votar novamente na terça-feira. Isso é sinal de desespero, porque para bancar o desgaste político na sociedade de legislar em causa própria, esses deputados estão analisando o custo-benefício da ação, e esse custo é alto. As delações das empreiteiras, até a possível do Eduardo Cunha, podem trazer elementos tão explosivos e que costurem o conjunto das denúncias. Vai ficar uma situação de ingovernabilidade. Até porque o próprio Temer está envolvido na Lava-Jato. Estamos em uma situação que a gente não é capaz de prever o dia seguinte nesse ano que teima em não acabar.

Os deputados tentaram votar a anistia ao caixa 2 praticamente de portas fechadas, a toque de caixa...
Há um desespero para dar solução a uma questão que vai ter uma implicação política forte. Essa implicação política, com um governo já fragilizado, não dará força para que o governo passe medidas que já são impopulares. Só que a Lava-Jato já foi longe demais para parar, porque se ela parar agora ela se desmoraliza. Antes, o foco foi no PT, mas agora entra o PMDB e vai entrar o PSDB e muitos outros partidos. E isso significa o que? Um contexto de segregação, porque traz instabilidade para o debate político.

A base pode começar a rachar?
É lógico que um governo que se baseou no impedimento da presidente através de, na minha visão, um golpe institucional, não perde imediatamente o apoio político. Os partidos que hoje formam a base estariam fazendo uma autocrítica apenas seis meses depois, o que é muito cedo. Basta ver o que aconteceu com o Geddel. Na terça-feira, 20 líderes assinaram o manifesto de apoio “fica Geddel” e isso não durou nem uma semana. Agora, o apoio desses mesmos líderes se transferiu para o Temer. Eles vão assinar outra nota? Eles podem até fazer, mas a base de apoio político deles começa a se cansar. Quando a base dos políticos se cansar, pode forçar a estrutura de apoio do governo a rachar. Ao mesmo tempo, se o PSDB sair do governo, a situação do presidente fica complicadíssima. Obviamente, tem todo um equilíbrio e não é à toa que o deputado Rodrigo Maia, de um partido médio (DEM), assumiu a Câmara. Isso quer dizer que o PMDB precisa desesperadamente desses partidos da situação que apoiaram o impeachment, porque eles se sentem fragilizados pelo apoio só do centrão, que está descontente. A situação do governo é difícil agora porque se entregar a secretaria para o PSDB, sinaliza que o centrão é apenas um agregado do governo, embora forneça uma base fisiológica de sustentação.

A população está se mostrando bem descontente com a corrupção. A resistência ao governo vai aumentar?
A movimentação popular pode crescer à direita e à esquerda, porque como a direita se baseava numa visão apenas moral, se dizendo contrária à corrupção, e eles apoiavam esse governo, é bem provável que fique uma sensação de traição, então você pode ter manifestações contra a corrupção se expandindo pela sociedade, aumentando o desgaste do governo. Além disso, esse sentimento de traição pode ser aumentado pela crise econômica, porque ela não dá sinais de melhoria como o governo prometeu. Só a ideia de que você sinalizaria para o mercado com medidas de ajuste fiscal, isso resolveria a desconfiança e em consequência a crise, não se mostrou correta. Uma hora as coisas [descontentamento político e crise econômica] vão começar a se somar. É impossível dizer quando, mas isso vai acontecer. E eu vejo esse governo muito fragilizado. Há inclusive setores da mídia descontentes. O noticiário tem sido foi muito crítico ao Temer.

Isso vai se refletir nas ruas?
A população está cansando. A crise não apresenta sinais de melhora, por mais otimismo que o governo venda. Não há expectativa de crescimento econômico ano que vem, nem da arrecadação. Então, quando o governo apresentar a reforma da Previdência, que é muito mais material para a sociedade, porque é mais objetiva, é fácil de medir onde haverá corte e quem será prejudicado, eu acho que vai começar a haver uma movimentação grande. Agora, eu espero que eles não apresentem essa reforma. Porque não é o trabalhador que tem que pagar a conta da crise. Nós temos que ter uma agenda alternativa, que é acabar com as desonerações gigantescas que a Dilma fez, fazer auditoria da dívida, taxar grandes fortunas, grandes heranças, fazer reforma tributária decente, progressiva, que não sejam só retirar subsídios sociais. Eu espero também que a Câmara dos Deputados não cometa o erro de votar a anistia ao caixa 2 na terça-feira. Eu acho que isso vai causar uma espécie de comoção social e instabilizar ainda mais o país. Assim, os políticos envolvidos vão ter que aguentar as consequências dos atos passados vindos da Odebrecht.

Para ler esta reportagem antecipadamente, assine EXAME Hoje.

Acompanhe tudo sobre:MDB – Movimento Democrático BrasileiroMichel TemerPolíticaPSOL – Partido Socialismo e Liberdade

Mais de Brasil

Banco Central comunica vazamento de dados de 150 chaves Pix cadastradas na Shopee

Poluição do ar em Brasília cresceu 350 vezes durante incêndio

Bruno Reis tem 63,3% e Geraldo Júnior, 10,7%, em Salvador, aponta pesquisa Futura

Em meio a concessões e de olho em receita, CPTM vai oferecer serviços para empresas