Repórter de Brasil e Economia
Publicado em 5 de outubro de 2025 às 09h42.
A aprovação da isenção do imposto de renda para os trabalhadores que recebem até R$ 5 mil e do imposto mínimo para alta renda será uma "mola" para impulsionar a popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em um momento que a sua aprovação já está em crescimento. Essa é a avaliação da Renato Meirelles, fundador e presidente do Instituto Locomotiva.
"Uma coisa é quando você aprova uma medida em um momento de queda, como o governo estava há quatro ou cinco meses. Quando a medida vem no processo de recuperação, ela ganha um impulso muito maior. Uma coisa é ela como um paraquedas, outra coisa é ela como mola", diz Meirelles em entrevista à EXAME.
A principal promessa eleitoral de Lula foi aprovada na Câmara dos Deputados de forma unânime nesta semana. A expectativa é que a votação no Senado seja agilizada.
O projeto precisa ser sancionado ainda este ano para ter validade em 2026.
Meirelles afirma que o principal grupo beneficiado será o dos homens, grupo que historicamente tem maior rejeição a Lula.
Dados do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made) da Universidade de São Paulo (USP) mostram que 60% dos beneficiados na faixa de R$ 2.824 a R$ 5 mil são homens.
"Ele sinaliza para um público mais masculino, com carteira assinada, especialmente o público de CLT até R$ 5.000, que é mais crítico ao governo. Esse efeito prático vai se dar mais no ano que vem", afirma Meirelles.
O especialista em comportamento político e de consumo das classes C, D e E diz ainda que, para além da medida prática de aumento de renda da população, em uma espécie de alta real do salário mínimo em 2026, a narrativa construída dos últimos meses contra bancos, bets e bilionários deu uma razão de existir para o governo, que até então patinava na comunicação.
"Ele não vai ganhar um voto só porque reduziu o Imposto de Renda para os mais pobres, mas ele ganha ao defender que os super-ricos paguem mais impostos", diz.
Renato Meirelles, pesquisador e sócio do Instituto Locomotiva: "A isenção do Imposto de Renda vem nesse cenário e restabelece, de forma mais clara, a diferença de visão de mundo entre um lado e o outro" (Claudio Belli/Divulgação)
Meirelles afirma que a criação desse "inimigo" mostrou para a população, , no ponto de vista narrativo, a quem o governo serve e gerou um símbolo e mobilização.
"A isenção do Imposto de Renda vem nesse cenário e restabelece, de forma mais clara, a diferença de visão de mundo entre um lado e o outro", afirma. "Sem juízo de valor sobre ela, mas leva aqueles eleitores que estão entre Ciro, Simone e outros, a se inclinarem para o governo Lula, não por gostar tanto dele, mas por não suportar o outro lado."
O presidente do Instituto Locomotiva avalia ainda que o governo está avançando com uma nova bandeira, a do fim da jornada de trabalho 6x1.
"Essa pauta tem um enorme potencial de mobilização, colocando a oposição em uma posição difícil. Vamos ver como isso se desenvolve, mas pode ser um divisor de águas", diz.
A aprovação da isenção tem potencial de colocar mais renda no bolso da população, o que poderia gerar boas notícias para o governo e melhorar a popularidade do Lula. O que podemos esperar nos próximos meses?
Em tese, qual é o efeito eleitoral disso? Ele não vai ganhar um voto só porque reduziu o Imposto de Renda para os mais pobres, mas ele ganha, ao defender que os super-ricos paguem mais impostos.
Não necessariamente agora com os mais pobres, mas quando tivermos o dinheiro todo mês na conta das pessoas, é como se ele tivesse dado um aumento imediato no salário de muitas pessoas.
Isso gera um efeito que antes só existia com o aumento real do salário mínimo, e atinge uma parcela maior da população, especialmente uma parte que era mais refratária ao governo Lula. Ou seja, ele vai efetivamente crescer e alcançar quem menos gosta dele.
O momento positivo da avaliação de Lula favorece o potencial dessa medida?
Uma coisa é quando você aprova uma medida em um momento de queda, como estávamos há quatro ou cinco meses. Ela tem um efeito diferente quando você está em processo de recuperação. Quando a medida vem no processo de recuperação, ela ganha um impulso muito maior. Uma coisa é ela como um paraquedas, outra coisa é ela como mola.
Vamos entender de onde vem esse processo. Eu falei há quatro ou cinco meses que Lula era favorito a uma nova eleição presidencial, e fui meio apedrejado por todo mundo. De repente, virei o "gênio". Era uma lógica simples: o governo estava perdido, mas o Lula perdeu e ele precisa perder para alguém.
A oposição não conseguia se organizar, e havia o ônus político do bolsonarismo, que rachava a direita e dava um ônus eleitoral para qualquer candidato de oposição.
E quando começou essa mudança?
A mudança não começou do nada. Ela ocorreu quando o Lula botou na pauta a questão do Imposto de Renda e da taxação dos super-ricos, criando algo que não existia até então: um inimigo. O governo criou o "BBB": os bancos, as bets e os bilionários.
Quando ele fez isso, deu uma razão de existir para o governo, acuou a direita e forçou a oposição a ter que definir o que era um bilionário. Isso é difícil. A mídia tratava isso como "nós contra eles", mas para a população não é "nós contra eles", é "a quem está servindo o governo".
Isso mudou o cenário, porque o governo não conseguiu encontrar um símbolo, mas quando encontrou, gerou mobilização. E quando parecia que o governo já tinha explorado esse máximo, veio o presidente dos EUA, Donald Trump, que deu mais uma mãozinha.
A principal crítica ao governo até então era de que ele era o governo das taxas, que defendia mais os outros países do que o Brasil, e que não era patriota.
No final, a direita perdeu a bandeira contra o PT, e a grande vantagem da direita na luta contra o petismo se perdeu nesse processo, principalmente com a bandeira dos Estados Unidos no 7 de setembro.
O que isso pode significar para a percepção da população?
A isenção do Imposto de Renda vem nesse cenário e restabelece, de forma mais clara, a diferença de visão de mundo entre um lado e o outro.
Sem juízo de valor sobre ela, mas leva aqueles eleitores que estão entre Ciro Gomes, Simone Tebet e outros, a se inclinarem para o governo Lula, não por gostar tanto dele, mas por não suportar o outro lado.
Além disso, sinaliza para um público mais masculino, com carteira assinada, especialmente o público de CLT até R$ 5.000, que é mais crítico ao governo. Esse efeito prático vai se dar mais no próximo ano.
Além disso, o governo está avançando com uma nova bandeira, a da jornada de 6 por 1, que tem um enorme potencial de mobilização, colocando a oposição em uma posição difícil. Vamos ver como isso se desenvolve, mas pode ser um divisor de águas.
O governo também tem outras medidas, como a CNH sem autoescola, vale-gás e desconto na energia elétrica, que podem impactar a economia. Você acredita que essas medidas podem ajudar Lula a conquistar mais popularidade, reconquistar eleitores, e distanciar-se mais dos adversários nas pesquisas?
Sempre é importante ver a aprovação em uma perspectiva conjuntural. Lula começou o governo com muitas pessoas o avaliando mal, o que é normal em um cenário polarizado. Quem não votou nele não estava dando voto de confiança, isso é natural. Se fosse o Bolsonaro, seria o mesmo.
O que é possível agora é que o Lula consolide esse movimento de recuperação, especialmente entre os mais pobres do Nordeste, com menos escolaridade, que ele perdeu na queda de popularidade. Ele recuperou esse eleitor e agora está ampliando para um público mais pendular, que não é necessariamente de esquerda, mas também não gosta do Bolsonaro.
Dificilmente o Lula vai alcançar grandes números de aprovação, mas se olharmos para a perspectiva do Bolsonaro indo para a cadeia, a situação do Lula melhora. O governo Lula vai começar a entregar resultados e, ao mesmo tempo, o bolsonarismo estará se dividindo, com a defesa da anistia, algo que não é popular. A direita está dividida entre a que quer a anistia e a que quer seguir o bolsonarismo.
A perspectiva é positiva para Lula nesse cenário?
Sim, a perspectiva é boa. E, depois de ter tirado o nacionalismo, ele pode até tirar o Trump da equação, o que poderia ser um grande ponto a favor do governo.
Eu ia perguntar sobre isso. O governo reforçou o nacionalismo e as bandeiras como o "BBB", mas talvez tenha chegado a um limite nessa narrativa. A possibilidade de reunião e negociação com Trump também pode contribuir para a popularidade?
Claro. Você pode pegar os centros calçadistas e outros setores, que ainda não perceberam as mudanças, mas o Lula pode mostrar que tem uma interlocução com o Trump melhor do que a família Bolsonaro.
Isso humilharia a família Bolsonaro, pois pesquisas mostram que a direita, até a mais bolsonarista, tem uma relação ruim com o Eduardo Bolsonaro. A direita acredita que ele está defendendo interesses próprios e não os valores da família brasileira.
O confronto com o Trump foi o momento em que Lula foi visto pela população como um estadista. Ele se opôs ao valentão da escola e isso fez a população pensar: "Esse é o cara". Isso mudou a percepção sobre o Lula, que agora é visto como corajoso e como uma liderança mundial.
Esse confronto também colocou o bolsonarismo na defensiva. O simbolismo da liderança política e mundial é um movimento que o governo tentou fazer com a reunião do G20, mas não conseguiu até então. Agora, com o confronto com Trump, isso ficou mais claro. Isso coloca a direita em uma posição mais difícil.
Você ainda vê o Lula como favorito nas eleições?
Eu considero que tudo pode acontecer até as eleições. O que aconteceu com o Bolsonaro antes e depois da facada? O que foi a queda do Eduardo Campos em 2014 para a candidatura de Marina Silva? O Brasil tem essa capacidade de surpresas.
Mas acredito que Lula só perde para o Lula, até porque reeleição foi feita para reeleger.
A direita está fragmentada. Quem seria o principal adversário do Lula?
O problema não é se seria Tarcísio, Caiado ou Ratinho Júnior. O voto não é deles, é contra o petismo. A direita está dividida. Se houver um candidato bolsonarista forte, ele terá mais chances de derrubar o Lula. Se a direita estiver fragmentada no primeiro turno, pode ser mais difícil. Mas uma direita unida no segundo turno contra o Lula teria uma chance.